"O inferno são os outros. Projetamos nos outros a nossa realização
e aguardamos deles algo que amenize o vazio que nos habita."
Sartre
O bêbado que vai de boteco em boteco, cada vez bebendo mais e, em cada lugar que passa conta em voz alta sobre sua desgraça de ser corno. Ao final de um dia a cidade toda está sabendo e comentando. Então, o chifrudo de ressaca quer tirar satisfação sobre os boatos e escolhe seu algoz alegando ser este o culpado de toda a fofocaria. Até entender que boteco não é setting terapêutico e que tudo saiu de sua boca, não de terceiros, ele já terá brigado com a cidade toda. Portanto, se for corno e quiser sigilo, não beba para não se vitimizar frente à tragédia que você mesmo causou.
Tem mais, uma pegadinha viralizada nas redes sociais trouxe uma outra óptica sobre como certos tipos de personalidade culpam terceiros pelas consequências de seus atos, suas escolhas e suas imprudências. A cena dessa pegadinha mostra um cara andando na calçada com o celular na mão e batendo com a cabeça numa porta de comércio fechada. Automaticamente ele leva a mão à cabeça e começa a questionar três senhores ali sentados do porquê eles não o terem avisado que a porta estava fechada. A conversa se estende e ele o tempo todo culpa os senhores pelo incidente. Apesar de ser uma pegadinha existe uma moral que soma aos outros casos desse escrito. O inferno sempre será o outros.
Em se tratando de vitimização, a série VOCÊ (Netflix) retrata sobre a vida doentia de um sociopata manipulador e narcisista que sempre se coloca em posição de vítima para justificar seus atos criminosos. Joe Goldberg traz consigo o discurso de ter sofrido abuso psicológico e violência física na infância, o que de fato não fica comprovado até a última temporada exibida.
Tanto no caso do bêbado, como no caso da pegadinha e o personagem da série VOCÊ sentem-se vítimas das circunstâncias, da sociedade, das pessoas, do destino, da vida, dos eventos que lhes causaram prejuízos vários. Mas, de qualquer forma, também em comum, não assumem suas culpas, e jamais conseguirão se entender como culpados. No caso de Joe, mesmo após desmascarado, acusado e sentenciado judicialmente, ainda assim questiona o porquê das pessoas não o verem como vítima e como uma boa pessoa. Seu eu, tão narcísico, é incapaz de assumir qualquer culpa.
Não precisamos de muito para notar que existem pessoas com esse tipo de personalidade, que precisam de plateia para suas histórias nem sempre tão verdadeiras, nem sempre tão sinceras, e por vezes, nem tão reais. Em sua maioria, ocupam um papel de vítima e fazem dos que as escutam suas próprias vítimas. Elas não ultrapassam o seu recorte cognitivo temporal e enviesado, permanecendo num ciclo vicioso sem sair do lugar, sem vontade de superar, sem evoluir em si mesmo e, enquanto o mundo gira, a pessoa patina na saliva da própria ignorância cognitiva.
Uma matéria sobre "Vampiros Emocionais", publicado na revista Exame em outubro de 2024, contribui para a composição desse escrito, uma vez que esses tais "tendem a ser reclamões, a focar nos seus próprios problemas e a não se importar com os problemas dos outros. A sua energia negativa e a sua falta de empatia podem levar a uma sensação de exaustão e insatisfação para quem se relaciona com eles."
Da mesma forma, o vídeo do professor José Geraldo da UNB, na Câmara dos Deputados, respondendo a uma deputada diz o seguinte: "(...) Eu não tenho como discutir com a deputada porque a sua visão de mundo, a sua percepção como cosmovisão, só lhe permite enxergar o que a senhora já tem escrito na sua cognição. Então a senhora vai ver não é o que existe mas o que a senhora recorta da realidade. A realidade é recortada por um processo cognitivo de historicização. Então eu não posso discutir um tema que contrapõe visão de mundo, concepção de mundo. Eu vejo outra coisa. (...) São referenciais que significam que o real não é aquilo que existe mas é a representação que a gente faz, de como a gente vê. Paciência né! Por isso que há pluralidade de concepções de mundo."
Enfim, ao longo do tempo acadêmico, com estudos aprofundados e pesquisas além do conteúdo proposto, corroborando com isso experiências concretas com pessoas que se assemelham às personalidades citadas acima, entendo que, em certas ocasiões é melhor direcionar ou encaminhar a pessoa em questão para profissionais. Ainda mais se, a mesma for do tipo que não consegue ter uma separação entre os papeis e suas funções. Filtro e abstenção muitas vezes significa paz e saúde mental em equilíbrio.
que argumenta sobre o recorte cognitivo que a uma deputada tem sobre determinado assunto e isso limita sua visão de mundo