quarta-feira, 7 de julho de 2021

Esquinas da vida


Seguia meu trajeto de carro, pelo mesmo percurso de sempre e parei num semáforo. Aguardando o tempo, pensando, observando. O bom de se passar pelo mesmo lugar é que você passa a observar os detalhes da paisagem e as pessoas que circulam por ali. Sabe que pela manhã a senhorinha sai para varrer as folhas caídas em sua calçada. O senhorzinho leva seus cachorros para um passeio. Casais retiram o carro da garagem. Os garis começam sua rotina de trabalho deixando as calçadas limpas. Cada um na sua rotina. 

No semáforo um homem de meia idade vende gominhas. Ele passa por entre os carros oferecendo. Na calçada, seu filho de 6 ou 7 anos também oferece doces para os veículos mais próximos. Ambos são cordiais, educados e mesmo de máscaras percebo o olhar humilde e singelo de quem cumpre com seu trabalho de forma digna e honrosa. O filho, companheiro de seu pai, trabalha com o mesmo empenho. Chama cada motorista em seu veículo e oferece seu produto. Sente-se feliz por isso. Trabalhando, ajudando seu pai. 

Na calçada estavam seus pertences. Duas mochilas, uma do pai, outra do filho. Todo o suor, dever, esperança carregados em poucas coisas. O descanso, o momento para um gole de água, a própria refeição se dão ali, debaixo de uma árvore que sombreia calçada e parte da rua. Ali é o seu reduto sagrado para se ganhar o pão. O pai não tem vergonha de vender doces no semáforo. O filho sente orgulho de seu pai. É tudo notável. Respeito e dignidade no olhar.

Como o carro estava na faixa que beirava a calçada fui abordado pelo menino. O vidro do meu lado já estava abaixado. Acabara de comprar pão de queijo na padaria. Estavam quentes e eu já vinha degustando pelo caminho. Seguia observando o trabalho do pai e o movimento do filho que se espelhava nele. O menino então me oferece seu docinho. Naquele momento, desprevenido, não pude contribuir para o trabalho de ambos, mas ofereci pão e queijo quentinho. E esse foi o momento ímpar.

- Não tenho dinheiro amiguinho, mas você gosta de pão de queijo?
- Gosto sim!
- Você aceita pão de queijo quentinho?
- Aceeeito! Muito obrigado.
- Por nada...

Nossos olhares se sorriram. Ele correu para contar e mostrar para o seu pai. A luz verde do semáforo me fazia prosseguir. E eu só pude ver pelo retrovisor o sorriso do pai e um sinal de positivo enquanto ele agradecia: "Deus abençoe!" 

É uma cena corriqueira, cotidiana a qual nos deparamos diariamente. Pessoas nos diversos cruzamentos dos grandes centros e bairros movimentados fazendo esforços em busca do auto sustento e o dos seus. Peças de veículos, frutas, doces, malabares, encontramos de tudo nas esquinas da vida. E o que eles têm em comum é a necessidade de sobrevivência, a coragem de correr atrás, a dignidade em forma de simplicidade, e poucos olhares atentos que se voltam para eles.

De tudo, nessa cena, ficam o olhares, da criança e do pai. Olhares que foram literalmente a minha benção do dia. Pai e filho, numa esquina qualquer em busca do pão... Juntos, felizes e unidos...