segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

O tempo que me rouba de mim



O tempo, meu amigo traiçoeiro
Tão íntimo, tão frio e faceiro
Usurpa-me sorrateiramente a destreza
E me devolve em lentidão e leveza
Proporciona à frente do meu próprio ver
Uma desatenção a qual sou incapaz de perceber
Deleito-me no sonhar viril
E acordo sem o olhar juvenil
Essa forçosa barganha que ele teima realizar
Reduz o meu cenário e aumenta o meu pensar
O tempo é tristeza e felicidade
O tempo é alegria e saudade
Companheiro na travessia
Algoz no dia a dia
Talvez esse seja o seu legado
Fazer-se presente e velado
Que ajuda a guardar segredos
E a esconder todos os meus medos
Que me aponta os passos mal dados
E camufla as armadilhas do passado
Meu amado e odiado tempo
Feito de eternos e fugazes momentos
Mocinho e bandido que traz e rouba a esperança
Que me faz velho sem deixar de ser criança
Apresenta e instiga-me às trincheiras da guerra
Que ora me consolam e jazem como jardins na terra
Tempo que me segue levando e devorando
Tempo que segue me presenteando e roubando
Sob a luz do meu próprio olhar
A capacidade de seguir e caminhar
Vai me despindo vagarosamente pelas margens
Vai me ludibriando a memória com miragens
Traz-me de volta à difícil realidade
De querer, sem poder, com real dificuldade
Tempo que se torna meu mestre e tirano
Que me torna santo e profano
Tempo que se tornou meu abrigo
Meu refúgio, minha sina, meu amigo
Tempo que se tornara minha única oração
Em que contemplo no silêncio os detalhes da canção

Que o medo da morte não me tire a esperança de viver
Que os apegos e tropeços do tempo não me impeçam de ser
Que eu possa sentir cada vez mais as brisas dessa vida sem fim
Sem deixar que o tempo me iluda, me traia e me roube de mim