sexta-feira, 13 de setembro de 2019

Minha sexta-feira 13 especial


Era para ser apenas mais uma sexta-feira normal, não fosse hoje o dia 13 que, por coincidência, também é o dia do meu aniversário. Não tenho superstições e portanto não me preocupo com tais coincidências. Um dia literalmente como outro qualquer, apenas com a possibilidade de celebrar mais um ano de vida neste mundo.

Através das câmeras de segurança consigo identificar uma pessoa deitada na calçada. Fui lá fora e perguntei ao senhor se estava tudo bem. Ele demorou a acordar e a se colocar sentado. Perguntei-lhe se estava com fome. Primeiramente respondeu que já havia comido, mas quando conseguiu se recobrar de si, disse que não havia comido nada e estava com muita fome. Então, ofereci-lhe um prato de comida quentinha e ele aceitou. 

Voltei para dentro e fui preparar o prato. Na verdade era o almoço que eu havia trazido de casa. Juntei ao prato alguns salgadinhos, um pedaço de bolo e um gatorade. Precisei acordá-lo novamente e quando me viu disse: "Não achei que você fosse voltar". Essa foi a primeira frase que me fez pensar (...), quantas pessoas que passam por este senhor e por tantas outras pessoas e, não apenas não os enxergam, mas os ignoram e até os humilham. Mas eu voltei, respondi a ele.

Dei-lhe a vasilha com a comida e os salgados. Ele ficou maravilhado. Praticamente foi devorando tudo rapidamente, tamanha a sua fome. Mostrei-lhe o bolo e o gatorade. "Nossa, esse aí levanta qualquer defunto", comentou o senhor já de forma mais descontraída. E quando ele notou o celular em minha mão pediu para tirar uma foto dele e mostrar para todos os que eu conhecia: "pode mostrar porque eu não devo nada pra ninguém". Tirei não apenas a foto dele, mas tirei outra ao lado dele. 

Entre um bocado e outro, ele me contava sobre sua vida, o quanto já tinha sido bem sucedido mas que de alguma forma, que hoje não saberia explicar, perdeu tudo na vida, inclusive sua própria identidade. Várias pessoas passaram por nós neste momento. Algumas até o cumprimentaram, outras atravessaram a rua e outras fingiram não ver o que acontecia ali. 

Em nenhum momento eu me imaginei fazendo caridade para saciar o ego. Na verdade, de forma religiosa ou teológica, só consigo entender a caridade como um ato de respeito ao próximo, principalmente se esse próximo for alguém que inspire ajuda e cuidados. Caridades institucionais que visam lucro só entendo como um golpe na fé alheia. E mais, por uma visão cristã, Jesus foi o cara que lutou contra o sistema opressor, que em sua época eram o Estado e a religião, principalmente esta segunda e em contrapartida acolhia a todos os que viviam à margem, rejeitados pelo Estado, pela religião e pela sociedade. 

Ainda nesse sentido teológico, tentei responder a mim mesmo a questões sobre uma possível manifestação de Deus na vida das pessoas. E, concluo que, só entendo e não sinto de outra forma, ele não estaria entre os homens da Lei nem entre os profetas midiaticamente famosos que pedem dinheiro escancaradamente para obras de cunho pessoal. Ele estaria sim na sarjeta, andarilhando pelas ruas e avenidas e possivelmente seria torturado. Talvez, não numa cruz, mas espancado por uma leva de pessoas que se julgam cidadãs de bem. 

Enquanto o senhor degustava a comida e bebia o isotônico, também me perguntou se eu "era espírita". Respondi-lhe que não, era Católico, mas respeitava todas as "religiões" (somente as sérias, não as que roubam seus fiéis). Entendi que ele tenha recebido muita ajuda de pessoas espíritas. Enquanto muitos fiéis que batem no peito e ostentam seu cristianismo nas primeiras fileiras dos templos, muitos espíritas realizam um trabalho ímpar de forma discreta e com respeito ao próximo.

Quando perguntei seu nome ele negou-se a dizer, porém me deu outra resposta e mais uma vez me tirou o chão: "você não precisa saber meu nome, você já é meu amigo". Prendi a respiração e ajoelhei-me novamente e então: "porque você me ajudou?". Confesso que não soube nem o que dizer, só sabia que precisava fazer algo. 

Quando eu estava quase voltando para dentro ele mostrou-me um chapéu estilo afro-reggae, colorido e com tranças, e contou-me uma outra história de quando ele fazia parte de uma escola de samba. Mostrou que o chapéu estava limpo e pediu para eu colocá-lo e tirar uma foto. Não hesitei e coloquei o chapéu e tirei uma foto, mas ele não gostou. Disse que não estava colocado direito e prontamente levantou-se para ajustar. E assim tiramos outra foto, dessa vez com ele ao meu lado. Sua satisfação já não era pela comida, mas pela conversa, e apenas por eu estar ali... 

Ele sentou-se novamente e disse que tinha pancreatite e estava sentindo muita dor. Ofereci-me para ligar para os bombeiros mas ele não quis. "Por que você me ajudou? Por que não me deixou morrer em paz? Pode voltar pro seu trabalho, você já fez sua parte", palavras que me deixavam sem respostas. "Não vai apagar essas fotos não, por favor!" E quando eu realmente estava adentrando pelo portão ele me chamou, colocou a mão em seu coração e entre lágrimas disse: "não esquece de mim não". Com o mesmo gesto, coloquei a mão em meu coração e disse-lhe: sua foto estará aqui pra sempre, você já é um grande amigo! 

E, como eu havia comentado ao longo do texto, não vejo outra forma de uma possível manifestação de Deus que não seja como essa, através de pessoas que precisam muito mais de respeito do que de caridade. Não entendo também nenhuma outro meio de expressar a fé, seja através do cristianismo, do budismo, do espiritismo, ou qualquer outra religião ou crença, que não seja a de dar ao próximo o que ele mais necessita: amor em forma de atenção e respeito. Não quis fazer de tudo isso um pedestal para "bons atos" e esperar aplausos no final. Apenas registrei este momento especial, num dia todo especial e partilhei com pessoas que com certeza entenderão.