sexta-feira, 8 de maio de 2020

Carta para a próxima vida


O mundo me cansou... Por muito tempo não o reconheci mais como o meu lugar. Até porque as pessoas que sempre foram minhas referências, partiram cedo demais e deixaram aquele vazio, que por vezes parecem sombras no meio do caminho... 

 Me esforço para reencontrá-los entre as flores, os versos, as melodias... mas tem dias que não são dias, são pedacinhos de um inferno inimaginável que teimo em sobreviver como a uma guerra. Me esforço e me reencontro com seus rostos pairados à minha frente reverberando frases, pensamentos, conselhos... e muita saudade.

Meu violão também sucumbiu ao cansaço de um tempo pálido e frio. Sem acordes sofreu com a ausência da vibração de suas cordas e vez ou outra soava tristemente quando algumas notas lhe eram tocadas... Sua madeira, também já cansada pelo tempo, lamentava o tempo sem DÓ.

Meus versos, se perdiam entre os espaçamentos do tempo. Vez ou outra brotavam faíscas de esperança, em olhares que me refletiam amor, amores... que de tão sem jeito, se tornavam perfeitos. 

Minha voz deixou de gritar... Mãos sem lutas e pés sem caminho levaram o corpo ao desequilíbrio do coração. Meu avesso tornou-se refúgio e somente poucos e loucos recebiam o convite do olhar, a sentar-se comigo no alpendre da alma... território íntimo, simples, selvagem, seleto, intenso e verdadeiro.

O mundo sempre foi o palco mais habitado da vida. Cortinas, holofotes, improvisos, risos e lágrimas... A plateia? Ah, do palco do meu coração só permiti os olhares benditos e amorosos. Descartei e expulsei do meu cenário tudo o que não condizia com o enredo... Matei meus próprios demônios. Enraizou o que sempre foi real, único e, novamente, intenso e verdadeiro.

Certas cenas eternizaram-se pela janela da alma e no lugar dos olhares já partido, plantei flores. Fiz o meu próprio memorial com versos de suor, lágrimas e sangue. Reguei a saudade do que ficou oculto entre os brilhos de cada olhar, bem lá no horizonte, onde a fonte do verbo amar jamais deixou de derramar...

Olho pelo retrovisor e vejo que sim, o mundo me cansou, mas encontrei na poesia do amor, o descanso para os olhos, o coração e a alma.