Transcrevo aqui a parte de um diálogo ocorrido a
partir dos quinze minutos finais do 7º episódio da 1ª temporada da série
"Missa da meia noite", da Netflix. Mas antes de dar
seguimento no mesmo e de continuar minha percepção e crítica à reflexão que se
tece pela fala da personagem sobre a morte e consequentemente a vida, a
travessia ou o ciclo, me atenho a dar alguns adjetivos em todo o enredo, porém
com o devido cuidado para não dar spoilers.
O cenário da trama é uma pequena cidade construída
numa ilha afastada do continente. A religião predominante é a católica, com
alguns personagens muçulmanos e ateus. Existem outros diálogos profundamente
interessantes com teor filosófico e reflexivo, tanto quanto questionamentos
sobre a fé e a verdade que muitos buscam e outros mais tentam deter para
si.
Há também a parte fantasiosa sobre o mal disfarçado
numa figura bíblica em que podemos tanto interpretar biblicamente como de forma
analogicamente figurada para a nossa realidade. Tem romance, têm exageros, têm
verdades, tem maldade e bondade tal qual vemos no dia a dia e, principalmente, uma grande pitada de fanatismo religioso que se manifesta pela detenção de uma
verdade deturpada por quem quer poder para controlar os demais.
Uma das coisas que chama muito a atenção nesse diálogo, além do teor profundamente reflexivo, é a interpretação do casal. A concentração e a troca de olhares durante a fala, que é feita com perfeição de entonação e sintonia, consegue nos possibilitar a conexão com cada palavra dita, que de certa forma estabelece uma ponte entre o fictício e o real, a nossa realidade. Vale muito a pena conferir.
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- O que acontece?
- O que?
- Quando a gente morre, o que acontece?
- O que que acontece?
- O que acha que acontece quando a
gente morre?
- Falando só de mim?
- Falando por você.
-
De mim... Só de mim. Esse é o problema. Esse é o grande problema da questão.
Esse conceito "eu", isso não existe. Não tá certo. Não é... Não
existe. Como eu esqueci isso? Quando eu esqueci isso? O corpo para uma célula
de cada vez mas o cérebro continua disparando os neurônios, como mini raios,
como fogos ali dentro. Eu pensei que fosse desesperar, sentir medo, mas eu não
senti nada disso. Nada. Porque eu tô ocupada demais. Ocupada demais no momento,
lembrando. Claro, eu lembro que cada átomo do meu corpo foi forjado numa
estrela. Essa matéria, esse corpo é praticamente só espaço vazio no fim das
contas e matéria sólida? É só energia vibrando lentamente. E não existe eu.
Nunca existiu. Os elétrons do meu corpo interagem e dançam com os elétrons do
chão embaixo de mim e do ar que eu não respiro mais. E eu lembro, não existe
sentido onde tudo aquilo acaba e eu começo. Eu lembro que eu sou energia. Não
memória. Não "eu". O meu nome, a minha personalidade as minhas
escolhas, tudo vem depois de mim. E eu era antes deles e eu vou ser depois. E
todo o resto são imagens que eu juntei no caminho. Breves sonhos passageiros
impressos no tecido do meu cérebro morrendo. E eu sou raio saltando ali, eu sou
a energia disparando os neurônios e... Eu tô voltando... Só de lembrar, eu tô
voltando pra casa. É como uma gota d'água caindo de volta no oceano. De onde
ela sempre fez parte. Todas as coisas fazem parte. Todos nós somos partes,
você, eu, a minha filhinha, minha mãe e meu pai. Todos que já existiram, toda
planta, animal, todo átomo, toda estrela, toda galáxia, tudo. Tem mais galáxias
no universo que grãos de areia na praia e é disso que nós estamos falando
quando falamos Deus. O Deus. O cosmos e seus infinitos sonhos. Nós somos o
cosmos sonhando consigo mesmo. É só um sonho que eu penso que é a minha vida,
toda vez. Mas eu vou esquecer isso. Eu sempre esqueço. Eu sempre esqueço os
meus sonhos. Mas agora nesse milésimo de segundo, no momento que eu lembro, no
instante que eu lembro, eu compreendo tudo de uma vez. Não existe tempo. Não
existe morte. A vida é um sonho, é um desejo, que fazemos de novo, de novo, de
novo, de novo e de novo. E é assim por toda eternidade. Eu sou tudo isso. Eu
sou tudo. Eu sou todos. Eu sou o que sou.
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Esse diálogo penetrou em meus pensamentos de forma
poética, livre de preceitos religiosos e outros mais. Por isso se tornou belo,
distinto, mágico, independente, uma verdadeira arte final à parte diante de um
contexto que teve seus altos e baixos, ficções verdadeiras e pseudo-realidades.
Me levou a um nível de reflexão além do fictício e do imaginário. Talvez pelo
momento pandêmico que vivemos em comum, que nos traz consequências várias e
tudo isso juntado aos problemas particulares de cada um. Outro ângulo para
pensar é que que nem tudo o que parece é. As coisas são vendidas de forma
bonita, com um marketing pesado por trás. Assim também são as pessoas que se
vendem, ou melhor, se apresentam pela aparência. Elas demonstram ser aquilo que
têm, que possuem. Estamos carentes de essência... de coisas reais... de pessoas
de verdade...