domingo, 16 de junho de 2024

Não prometeu nada e entregou tudo



Dos caminhos que a gente segue, alguns nos possibilitam encontros inesperados e ao mesmo tempo, marcantes. 

Mais um dia de acasos nas esquinas da vida. Ou quem sabe, destinos.

O carro estava apresentando um problema constante. Do nada, á agua fervia e secava o reservatório em instantes.

Era necessário parar, deixar o motor esfriar, abrir a tampa do reservatório com cuidado, completar com água e seguir ao destino.

A água do reservatório do motor ferveu enquanto esperava o sinal esverdear. Uma motociclista avisou sobre a água vazando por baixo e a fumaça saindo pelo capô. 

O semáforo ficou verde e eu segui até um local que fosse possível parar. Deu certo estacionar sob a sombra de uma árvore. 

Saí do carro, abri o capô e já olhava ao redor para ver onde conseguiria pegar algum recipiente com água. 

Um rapaz se aproximou. Primeiro perguntou se eu iria em algum restaurante. Quando viu que ergui o capô e notou que ainda saia fumaça, logo se prontificou para ajudar. 

Foi numa caçamba de lixo, encontrou um galão e atravessou três vias para buscar água numa construção próxima. 

Fiquei observando, de braços cruzados, toda a saga do rapaz. Em seu retorno fez questão de dizer que lavou o recipiente antes de colocar água.

Abasteci o reservatório enquanto o rapaz falava de sua experiência profissional. Havia trabalhado numa retifica. Sabia muito bem sobre mecânica.

No momento que seguia com o galão para buscar a água, fez um único pedido: "olha a minha enxada, por favor". Era o seu instrumento de trabalho.

Sentado escorado no tronco da árvore ao lado de sua enxada, simplesmente não me pediu nada em troca. Percebi em seus olhos o quanto sua atitude foi isenta de intenção em ser retribuído pelo seu nobre gesto.

Sentiu-se bem em ser útil. Sentiu-se digno em ser ouvido e respeitado como pessoa em toda sua integridade, independente do que fazia ali naquele momento.

De bermuda, camiseta e calçado, parecia aguardar ali sob a sombra da árvore alguém chamá-lo para um serviço rápido de limpeza, capinagem. Um verdadeiro guerreiro pronto para a batalha que aparecer.

Suas mãos, grossas, calejadas, se eu pudesse ler cada traço, ousaria dizer que as incontáveis histórias de luta que marcam sua pele, jamais conseguiria imaginar, nem tampouco capaz de reproduzir em palavras.

Não tinha muito dinheiro no bolso mas ofereci o que podia naquele momento, como forma de agradecimento e principalmente pelo reconhecimento daquele esforço que não pediu nada em troca. Considero que foi uma atitude nobre e repleta de senso de humanidade por parte do rapaz.

O caminho, o evento e o encontro. Uma lição de empatia que dispensa cadeiras acadêmicas. Isso é do ser como um todo. Isso é para poucos. 

Não prometeu nada mas entregou tudo.