Dona Felomena, mais conhecida como Fifi, é típica moradora do bairro Taquaral, na Rua Rádio Peão, número 171, cidade de Brucutunsal, interior das Gerais. Sua casa de esquina tem janela e sacada de acesso para os dois lados, o que lhe proporciona uma visão avantajada do movimento na rua. Ruas de paralelepípedo que ornam com o estilo clássico e barroco, marcante nos designes de cada residência.
Senhora de meia idade, mãe de duas filhas já casadas, viúva e só naquele casarão de alicerces altos, zelados e expostos. Sobrevive e muito bem às custas da pensão de seu falecido marido, João de Deus. Homem honroso, calado, digno de suas palavras e de conduta exemplar era tachado como santo por conta de sua mulher que falava pelos dois, pelas filhas, pela rua e talvez pelo bairro todo. Alguns teimam em dizer que ele teve acesso direto ao céu e que seu purgatório foi conviver ao lado da mulher linguaruda.
Fifi é daquelas que, não só colocam o copo com a boca na parede para escutar a conversa do vizinho, mas foi e vai muito além. Teve o capricho de comprar um aparelho de surdez, dos melhores e mais avançados, mesmo tendo sua audição em perfeita e saudável condição, só para ouvir as conversas das comadres que passam pelas calçadas daquela rua.
Nos dias de feira, que ocorrem nas manhãs de domingo, antes mesmo dos primeiros feirantes chegarem com suas barracas, seu relógio desperta. Rapidamente ela se apronta, ora como se fosse para uma batalha, devido aos artefatos improvisados para uma boa captação de falas, ora como para uma festa, de tão elegante que se ornamenta, às vezes em excesso.
Instalada a primeira barraca, lá está ela à postos na janela que dá acesso à rua principal. Quando percebe alguém atravessando a rua para conversar com outra pessoa, o que lhe causa um desejo incontrolável de saber o assunto, pega logo o seu aparelho de surdez para tentar ouvir o teor da conversa. Percebendo de que não é nada que remeta à vida de uma terceira pessoa, deixa o artefato e vai em direção à outra janela, sobe num banquinho e espicha o pescoço no intuito de ver alguém de língua solta que possa dar-lhe a graça de um "babado novo".
E, como tem sempre um que não se contém, é carente de um par de ouvidos, independente se haverá um repasse deturpado ou exagerado de informações, lá vem a dona Mariquinha, senhora, beata, avó de cinco netos, também viúva. É frequentadora assídua da feira e antes mesmo de seus primeiros gastos, passa na sua comadre para saber se algo já ocorreu antes de sua chegada. Aproveitam para colocar as "fófis" em dia e como toda boa pessoa religiosa e senhora, elas não admitem serem chamadas de fofoqueiras. "Não fofocamos nada, isso é intriga dos desocupados e vagabundos. Nós apenas comentamos... da vida alheia."
Noutro dia, quando as duas comparsas estavam na casa de Fifi, na hora em que a feira bombava de gente, em meio aos gritos de ofertas dos vendedores, veio um doidinho, conhecido como "Fumaça", por conta de suas malandragens inconsequentes entre os feirantes e que ninguém conseguia provar nada, com um megafone na mão, já pronto pra azarar e atormentar a vida de alguém. Neste dia, as comadres, estavam com o aparelho de surdez em escala de revezamento, enquanto uma ficava com o binóculo tentando decifrar a fala pelo movimento da boca a outra botava o volume de captação no máximo. E olha que as amigas chegaram a fazer até um curso via internet surdo-mudo para assim decifrar as falas que não se ouviam.
Fumaça, de doido não tinha nada. Gostava mesmo era do mal feito. Fazia-se de louco, de desengonçado, desinteressado, legal e camarada para conseguir alguns trocados. Era esperto e vivaz. Nesse belo dia, com o megafone na mão, que ninguém nunca soube como conseguiu, aproximou-se sorrateiramente por debaixo do parapeito da janela da dona Fifi, que já estava com o aparelho ajustado no ouvido, e soltou um grande berro que ecoou por toda a feira, de uma ponta a outra: "sai da janela dona fofoca!!!"
Em alguns segundos, todos voltaram seus olhares em direção ao esquinão da Fifi, como era conhecido. Ela, caiu de costas em seu tapete dentro da sala e levantando-se rapidamente, com a mão no ouvido, xingou o menino Fumaça de vários palavrões que não cabem descrevê-los aqui. Mariquinha, após um grito estridente de susto, foi em direção à amiga, ajudando-a a recompor-se e tomando a dor para si auxiliou no repertório do xingamento.
Todos os que assistiam ao episódio, por mais que considerassem exagero o malfeito do Fumaça, não contiveram seus risos. Fumaça se embrenhou por entre a multidão de compradores e vendedores e recebeu até cumprimentos. Muita gente já andava engasgado com a bisbilhoteira do esquinão. Fifi, fechou suas janelas até o fim da feira e foi fazer compressa quente no ouvido afetado. Por pouco não ficou surda.
O que ninguém nunca soube dessa pomposa senhora que se escondia entre suas janelas é que no passado, nem tão distante, nem tão longe, ela fora uma grande e bela musa inspiradora. Suas fotos tão bem guardadas no baú em seu quarto mostravam uma jovem de aparência exuberante, formas salientes e chamativas para uma época passada. Num de seus álbuns de fotografias e recordações lá estava ela com uma faixa de ganhadora de um concurso de beleza em sua cidade natal, Barro Marelo: "Miss Salada de Fruta".
Agora, imaginem só, o quão seria interessante ver esse álbum nas mãos de um doidinho não qualquer!!! Dona Fifi não se aguentaria. Apesar de que a mente fértil sempre volta à cena do ato. Não demoraria muito para arrumar outra fofoca e se embrenhar nos enfeites, adornos, aumentos e inventos do enredo recontado por ela mesma. Toda fifi precisa apenas de um novo assunto para esquecer o anterior ou para virar a página. Quem diria hein Fifi?!? Miss Salada de Fruta!!! Hoje a moda é: cada uma é apenas uma fruta! E, pensar que você já foi todas... Quem tem... tem medo!