Domingo, oito de janeiro de dois mil e doze. Abri a porta do guarda-roupas e retirei um cobertor. Como de costume, e nem sei o porquê, cheirei-o. Estranho. Por alguns segundos viajei no tempo e na distância. Fui parar na casa da minha avó. Pude vê-la repetindo os gestos de maneira lenta, caminhando até o quarto onde eu costumava ficar, abrindo a porta do guarda-roupas antigo, olhando com atenção e paciência e por fim retirando aquele cobertor...
Engraçado. Como que o cheiro nos remete à lembranças, de dores, tristezas, alegrias, momentos especiais, mas este era de saudade. E que saudade doída!!!
Em março de mil novecentos e noventa e três participei de um encontro sobre sexualidade. Durante três dias, eu e mais tantos adolescentes, ouvimos palestras, participamos de debates e discussões em grupos entre outras tantas coisas mais. Algo que me marcou e hoje, dezenove anos depois, ainda percebo a verdade contida naquela informação, foi: “Nossa pele seria como uma caixinha registradora que consegue assimilar cada toque, cada contato... Pode passar tempo, mas quando repetimos aquele toque nossa memória será ativada e a lembrança florirá.”
Bom, descrevi, de maneira grosseira, de forma que posso imaginar que seja, afinal fazem dezenove anos.
Neste dia, neste domingo, pude reviver essa frase ao sentir o cheiro e tocar naquele cobertor... O cheirinho de guardado acredito que esteja muito mais guardado no nosso inconsciente, na nossa lembrança, que propriamente por estar num determinado lugar, trancado a tempos.
Todos nós temos alguns pertences que possuem tal característica. Esse cheiro, coisa de pele, química, lembrança, cheiro de casa de mãe e de vó, cheiro que não se encontra nas melhores perfumarias que conhecemos, cheiro de saudade e de solidão, cheiro de conquista e de derrota, cheiro de tempo, ao tempo, no tempo... Cheiro que nos gera um êxtase no pensamento, lágrimas, questionamentos...
Cheirinho de guardado, tem cheiro nosso, tem cheiro de nossa história, tem cheiro apimentado, cheiro saudoso, cheiro poético, cheiro profético. Cheirinho de guardado é alegria, nostalgia, fé.
Mais uma vez, o tempo, que guarda na lembrança e na poeira, na química, no toque e na pele, o gosto saudoso do cheirinho de guardado, e por ora muito bem guardado no coração.
Ailton Domingues de Oliveira
09/01/12