Domingo, 02 de setembro de 2.012. Igreja Santa Terezinha, Praça Tubal Vilela, Uberlândia-MG. 13:45 horas.
Estaciono a moto de frente a igreja Santa Terezinha e escuto alguém gritando "onde está os cinco reais que te emprestei? cadê?". Avisto três homens na praça, dois estavam sentados e o que gritava, em pé. Um deles, sentado, ouvia os gritos daquele que estava repleto de ira, e como resposta apenas balançava a cabeça dizendo que não tinha mais o dinheiro nem havia conseguido outro.
Percebia-se que todos estavam alcoolizados. O que estava sendo cobrado, por sinal, era o que estava em pior situação. Mal conseguia se levantar. Não bastassem os gritos, o cobrador partiu para a agressão. Primeiro, com uma das mãos segurou no pescoço do devedor, apertou forte e o jogou para trás. Este, virando com as pernas para cima, caiu de cabeça e costas no chão e ali ficou.
Não convencido daquela atitude, o homem inflamado de raiva por não encontrar os cinco reais com o bêbado que antes era parceiro de álcool, começou a chutá-lo na altura do peito e da cabeça. O terceiro homem, que também estava sentado, sentado ficou sem nada fazer.
De pé ao lado da moto, só deixei o capacete que por sinal num primeiro momento minha vontade era bater com ele naquele endiabrado que gritava, cobrava, humilhava e agredia... No atravessar a rua, minha ansiedade e raiva já estavam tal qual deste homem. Tentei ligar para a polícia, que por sinal há um posto naquela praça mas por ironia do destino, no momento não havia ninguém.
Antes mesmo de chegar do outro lado da rua o agressor já havia apanhado algumas pedras em cada mão e batido com elas na cara do homem prostrado no chão. Tempo era uma coisa que realmente não havia. Ninguém ao redor da praça. Pessoas passando e apenas assistindo. Confesso que sou fã de uma boa briga desde que seja justa, por um bom motivo e de preferência num ringue. Não era o caso.
Diante da cena a apenas alguns metros gritei "o que é que tá acontecendo aí meu irmão?". Minhas mãos suavam. Aquela raiva, ao presenciar de longe as primeiras agressões, e que empurravam para que minhas mãos arrebentassem aquele atrevido e covarde de repente viraram coragem para não deixar a situação pior do que já estava. Tem horas que precisamos de coragem para nos conter, envidar esforços para não tomar atitude alguma. Na hora nada consegui pensar. Fiz, acredito, no momento, o que era mais sensato...
O cara então me respondeu "este aqui tá me devendo cinco reais e agora não tem para me pagar". Ganhando tempo pra entender perguntei o porquê do empréstimo. A resposta foi grotesca mas... "pra ele comprar pinga." Cinco reais seria o suficiente para alguém ali perder a vida em segundos. Motivo: álcool!
Falei pro cobrador que então já estava no papel de agressor "cê vai matar o cara!" Por algum motivo ele parou. Como forma de demonstrar superioridade e manter talvez a fama de violento, não cessava de falar alto. Pedi pra ele deixar o cara em paz. Com os únicos cinco reais que tinha no bolso quitei aquela... dívida. Antônio é o nome do agressor e Anderson o que devia. Dívida quitada, Antônio seguiu sua caminhada e o terceiro homem que antes estava de parceiro de Anderson seguiu com aquele que mais se impunha entre eles. Talvez o medo falou mais alto. Preferiu seguir com quem tinha mais... força. Questão de sobrevivência, pode ser...
Anderson é de Araguari e para lá não pretende e não quer voltar. Diante da igreja dei algumas ideias pra ele de alguma forma sair daquilo... Questão de minutos e ele havia desaparecido. Tudo bem. Naquela tarde, de alguma forma ele sentiu que poderia ter sido seu fim.
Ao montar na moto fui acometido por uma comoção que resultou em lágrimas. Diante de todo este episódio, que não durou mais que cinco minutos, ao entregar o dinheiro nas mãos de Antônio que logo partiu dali, olhei para Anderson que já havia se levantado do chão e agora de cabeça baixa, com sangue escorrendo do ferimento causado pela pedra batida com força contra sua cabeça, apenas me disse, com aquele olhar de quem curte sim uma ressaca e que está prestes a arrematar outra garrafa para curar a anterior, mas também com um olhar que só se enxerga quem está de alguma forma buscando um sentido para sua vida: "brigado".
Claro que a única palavra que ele podia me dizer era essa. Não esperava nada mais, muito menos esse "brigado". Na verdade nem achei que ele conseguia falar de tão bêbado que estava. Diante das agressões sofridas nem pedia por socorro, nem gritava, muito menos esboçava reação ou clemência. Nada, naquele momento, talvez, pudesse fazer diferença. Nem polícia, pois não haveria tempo de chegar e salvá-lo antes de ser esfolado vivo e apedrejado...
Esta imagem com este olhar que atinge dentro dos olhos, ao som desta única palavra "brigado", foi a experiência maior deste dia. Já na moto, como citei acima, as lágrimas me incomodavam. Era uma comoção não só de pena por quem apanhou violentamente, mas de algo que enxerguei além daquela imagem e daquela cena toda. Vi um rosto transfigurado naquele homem. Um rosto excluído de um excluído que faz parte de um cenário cotidiano para muitos que perambulam por aquele recinto. Um olhar que tocou fundo. Para muitos tenho certeza de que entenderão apenas como um conto qualquer. Não importa. Eu sei o que vi. Mais que isso, eu sei o que vivi como testemunha do fato.
A única coisa que ficou na minha mente e, que por sinal, já me dei a resposta neste contexto explicado no texto, foi: "Por que é que Você, Jesus, me aparece assim...?"
Sem mais.