De repente, a dor que sinto já não é meramente minha ou de minha irmã. De repente estou, estamos, compartilhando a dor alheia daqueles que passam por situações semelhantes ou piores à nossa.
Desde que minha mãe foi internada, (23/11/14),
após sentir-se mal e ser socorrida por meu cunhado e alguns vizinhos da minha
irmã, tenho notado e sentido o quanto nossas vidas tem cruzado com outras
tantas pelos vários corredores que atravessamos até agora.
Nossa dor não é no corpo, mas dói de forma a nos
retirar das cenas do mundo. Nos tornamos inertes aos fatos externos. O mundo
parece não fazer sentido. Sentido está em nossa mãe. Sofremos por vivenciar ao
seu lado as dores que a impossibilitam de ir e vir e de fazer suas rotinas
diárias. Sofremos aguardando ao seu lado, pelos próximos procedimentos que a
livrarão desta situação e lhe possibilitarão a retomada de sua vida. Sofremos
unidos.
Uma movimentação maior que o normal acontece no
quarto de frente ao 112. Todos os que acompanham os pacientes nos outros leitos
se postam de prontidão nas portas de cada quarto. Enquanto o paciente é retirado
às pressas por uma equipe de enfermeiros e médico uma senhora sofre em
lágrimas. Soube mais tarde que ela é irmã do enfermo.
Todos sofrem juntos, todos os que ali presenciam
sem nada poder fazer. São dores alheias que sentimos unidos no silêncio e na
oração. Olhares aflitos que se cruzam. Orações que ressoam aos céus, à Deus,
pelo paciente e sua acompanhante. Já sabemos um pouquinho da história
de cada integrante deste corredor. Não somos mais desconhecidos. Somos mais que
vizinhos. Somos uma família, uma grande família com diversos membros
hospitalizados, em muitos quartos interligados por um imenso corredor.
O quarto, já o deixou de ser a muito tempo. Agora
é uma casa. Um lar com duas camas. A cama é o lar. 112. Esse é o número de
nossa atual hospedagem. Seguindo pela faixa preta afixada ao chão o destino
será a "Cirúrgica I". Esse é o nosso endereço atual. Não existe
quintal. Não tem varal. A cabeceira da cama já serve para esticar a toalha
molhada. Sob a cama estão as malas. Eis o nosso guarda-roupa, guarda-sapatos,
guarda tudo improvisado. Uma cadeira repousa o acompanhante da vez. Num pequeno
armário de metal guardam-se alguns pertences.
A história da outra senhora que divide o quarto
com minha mãe e ocupa o leito 113 é semelhante ao dela, pois aguarda há 35 dias
por uma cirurgia. Minha mãe aguarda há 5 dias por um exame e depois deste
saberemos do médico se o próximo passo será uma intervenção cirúrgica ou não.
No quarto da frente ao nosso, de onde aquele
paciente foi retirado às pressas seu leito encontra-se vazio. Sua irmã espera
seu retorno e busca conforto entre os que por ali passam. Nós, acompanhantes e
alguns pacientes que já conseguem andar por conta própria, sentimos e
compartilhamos essa espera angustiante. Choramos contido e não nos damos o
direito de esboçar palavras. Respeitamos a dor do próximo que também é extensão
da nossa.
O corredor nos une. O corredor é o centro de encontro
da família, a grande e recém conhecida família. Os enfermeiros são os anjos que
trazem o conforto em remédios para o corpo. Alguns ainda distribuem palavras
para a alma. Diria o poeta, "nem tudo está perdido", pois ainda
encontramos pessoas "humanas" entre os mortais. Os médicos são os
senhores do tempo. Decidem. Sentenciam.Opinam sem muitas delongas. Os rostos
que cruzamos pelas travessias desses corredores já são familiares. Ousamos nos
cumprimentar. Passamos a entender o sentido daqueles que choram solitários. A
dor é solitária, enquanto o sofrimento é compartilhado com os solidários.
Neste corredor não há uma crença que impere e
domine. Existe apenas uma fé que nos une. Sabemos que há um Deus que nos ouve,
acolhe, cuida através dos profissionais que aqui estão. Na teologia deste
corredor, a vida acontece sem ritmo normal. A fé está no coração até mesmo dos
céticos. A poesia se tece em gotas de esperança.