segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

A família do corredor


 De repente, a dor que sinto já não é meramente minha ou de minha irmã. De repente estou, estamos, compartilhando a dor alheia daqueles que passam por situações semelhantes ou piores à nossa.

Desde que minha mãe foi internada, (23/11/14), após sentir-se mal e ser socorrida por meu cunhado e alguns vizinhos da minha irmã, tenho notado e sentido o quanto nossas vidas tem cruzado com outras tantas pelos vários corredores que atravessamos até agora.

Nossa dor não é no corpo, mas dói de forma a nos retirar das cenas do mundo. Nos tornamos inertes aos fatos externos. O mundo parece não fazer sentido. Sentido está em nossa mãe. Sofremos por vivenciar ao seu lado as dores que a impossibilitam de ir e vir e de fazer suas rotinas diárias. Sofremos aguardando ao seu lado, pelos próximos procedimentos que a livrarão desta situação e lhe possibilitarão a retomada de sua vida. Sofremos unidos.

Uma movimentação maior que o normal acontece no quarto de frente ao 112. Todos os que acompanham os pacientes nos outros leitos se postam de prontidão nas portas de cada quarto. Enquanto o paciente é retirado às pressas por uma equipe de enfermeiros e médico uma senhora sofre em lágrimas. Soube mais tarde que ela é irmã do enfermo.

Todos sofrem juntos, todos os que ali presenciam sem nada poder fazer. São dores alheias que sentimos unidos no silêncio e na oração. Olhares aflitos que se cruzam. Orações que ressoam aos céus, à Deus, pelo paciente e sua acompanhante. Já sabemos um pouquinho da história de cada integrante deste corredor. Não somos mais desconhecidos. Somos mais que vizinhos. Somos uma família, uma grande família com diversos membros hospitalizados, em muitos quartos interligados por um imenso corredor.

O quarto, já o deixou de ser a muito tempo. Agora é uma casa. Um lar com duas camas. A cama é o lar. 112. Esse é o número de nossa atual hospedagem. Seguindo pela faixa preta afixada ao chão o destino será a "Cirúrgica I". Esse é o nosso endereço atual. Não existe quintal. Não tem varal. A cabeceira da cama já serve para esticar a toalha molhada. Sob a cama estão as malas. Eis o nosso guarda-roupa, guarda-sapatos, guarda tudo improvisado. Uma cadeira repousa o acompanhante da vez. Num pequeno armário de metal guardam-se alguns pertences.

A história da outra senhora que divide o quarto com minha mãe e ocupa o leito 113 é semelhante ao dela, pois aguarda há 35 dias por uma cirurgia. Minha mãe aguarda há 5 dias por um exame e depois deste saberemos do médico se o próximo passo será uma intervenção cirúrgica ou não.

No quarto da frente ao nosso, de onde aquele paciente foi retirado às pressas seu leito encontra-se vazio. Sua irmã espera seu retorno e busca conforto entre os que por ali passam. Nós, acompanhantes e alguns pacientes que já conseguem andar por conta própria, sentimos e compartilhamos essa espera angustiante. Choramos contido e não nos damos o direito de esboçar palavras. Respeitamos a dor do próximo que também é extensão da nossa.

O corredor nos une. O corredor é o centro de encontro da família, a grande e recém conhecida família. Os enfermeiros são os anjos que trazem o conforto em remédios para o corpo. Alguns ainda distribuem palavras para a alma. Diria o poeta, "nem tudo está perdido", pois ainda encontramos pessoas "humanas" entre os mortais. Os médicos são os senhores do tempo. Decidem. Sentenciam.Opinam sem muitas delongas. Os rostos que cruzamos pelas travessias desses corredores já são familiares. Ousamos nos cumprimentar. Passamos a entender o sentido daqueles que choram solitários. A dor é solitária, enquanto o sofrimento é compartilhado com os solidários.

Neste corredor não há uma crença que impere e domine. Existe apenas uma fé que nos une. Sabemos que há um Deus que nos ouve, acolhe, cuida através dos profissionais que aqui estão. Na teologia deste corredor, a vida acontece sem ritmo normal. A fé está no coração até mesmo dos céticos. A poesia se tece em gotas de esperança.