Um carro é estacionado à beira da calçada do outro lado da rua. Era uma noite tranquila e sem frio. Do veículo apeiam pessoas estilosas em suas roupagens classe média alta. Perfumes chiques se misturaram no ar. Gel no cabelo dos rapazes e maquiagem no rosto das moças davam o ar de uma noite glamourosa.
Abriram o porta-malas e começaram a descer alguns instrumentos. Era uma banda. Logo, um cortejo de fãs atravessou a rua ao encontro dos artistas. Carregaram suas bagagens até o local do show. Uma última olhada no vidro do carro para conferir o ajuste das roupas e pronto. Os cantores e instrumentistas seguiram em meio aos expectadores fiéis com cumprimentos, selfies e autógrafos.
Mas tinha alguma coisa errada! Do outro lado da rua, o destino daquele alvoroço de pessoas, não haviam casas de shows. O que havia era um supermercado, um sacolão, uma loja de ração de animais e uma igreja. Uepaaaa!!! Desacelerei as minhas passadas e fiz questão de observar até que as costas do último dos súditos ultrapasse os pórticos do recinto.
Sim. Era uma igreja. Não preciso dizer qual a denominação porque isso é recorrente em todas, sem exceção. Continuei minha caminhada mas, por hora, pensante na situação que visualizei. Lembrei-me da chegada daquele dito forasteiro, que se tornou conhecido por sua língua solta, ao chegar em Jerusalém montado num burrinho. É, esse Cara mesmo! Aquele moreno de Nazaré, cabeludão, barbudo, amigo das putas, dos ladrões, defensor dos oprimidos e excluídos. Incluamos aqui os gays, lésbicas, transsexuais, e outros.
Não esperei para ouvir o show, nem tampouco ver, pois meu traje era inapropriado e eu estava suado. Na verdade nem sei se teria alguma vestimenta típica para aquele portentoso evento. Também não sei se eu poderia chegar lá na cara dura e dizer: "E aí?! Beleza?! Cheguei! Vim assistir... o que vocês vão fazer aí!" É, não rolaria mesmo!
Então volto para casa inquieto com este contraponto de situações. De um lado um cara com mais de dois mil anos de história e fama que prega amor, humildade, perdão e oferece a quem quer segui-lo que se desapegue das coisas materiais. Do outro um bando de gente que usa o nome desse mesmo cara para alcançar fama, status, nobreza e enfim propor uma salvação deturpada de sua forma original, com promessa de prosperidade material.
Hoje, ao ler sobre uma obra a ser publicada da vida de Rubem Alves, ex-pastor protestante, escritor, poeta, professor, mestre, e que deixou um legado literário, inclusive para a Teologia, considerei pertinente trazer aqui para este enredo um de seus pensamentos: "Sempre entendi que o Evangelho é um chamado a liberdade." E tudo o que não gera libertação é sintoma de opressão e alienação. Ele também usou a seguinte frase na área da educação, a qual acredito, que se encaixa muito bem no campo da religião: "Há religiões que são gaiolas. Há religiões que são asas."
Que ninguém se obrigue a concordar com este pensamento. E tomara que pelo menos incomode ao ponto de outras ideias surgirem. O importante é não se deixar iludir pelo brilho e glamour que camuflam a essência do Evangelho e da liberdade.