O sertão é o sozinho, é dentro da gente, está em todo lugar. Deus e eu no sertão.
quinta-feira, 19 de julho de 2018
Cenas de uma longa travessia
Era o ano de 2000. Recém chegados na capital paulista, na carroceria de um caminhão que também transportava as nossas mudanças, eu e mais dois amigos vislumbrávamos o futuro para nós e nossas famílias. Jovens e cheios de sonho, carregávamos conosco a essência do interior, amizade, simplicidade e esperança. Desconhecíamos e muito a malícia necessária para a sobrevivência naquela selva de pedras.
Três meses se passaram e aquele sonho já havia ficado distante e difícil, especialmente para mim. Na partida do interior havia uma perspectiva certeira, um rumo definido que poderia ser o primeiro passo de uma longa e esperada jornada. Porém, surge o inesperado, a vaga para a qual seria contratado não aconteceu. O receio de que algo não desse certo então tornou-se um medo real. Foram dois dias nesse suposto emprego e três meses em busca de uma nova oportunidade. Estava ali por mim mesmo. Não dava e não queria regressar para o interior.
Num determinado dia, retornando para casa após passar horas no grande centro paulista em busca de vagas de emprego, passando por processos seletivos variados e abordagens difíceis por parte dos entrevistadores, caminhei do ponto de ônibus até chegar numa rua deserta que dava acesso à rua de casa. Era uma noite não muito fria. Olhei para o alto e de repente estava em lágrimas. Lágrimas de desespero. Já havia tentado passar por incontáveis barreiras que antecediam uma simples vaga de emprego e que pareciam aumentar de tamanho e dificuldade à medida em que os dias também passavam.
Essa noite ficou bem marcada na memória. Caminhei devagar, sem perspectiva, e recostei minha cabeça num poste. Ninguém passava por aquela rua naquele momento. Cheguei a conversar com Deus e questionei-o sobre o porquê de tudo aquilo. Se Ele havia me dado oportunidade e me carregado de esperança, então por que todo aquele sofrimento, aquela angústia por não saber o que esperar do futuro e nem daquele momento. Foi um tempo difícil e retornar pra minha cidade natal não era uma opção.
Enxuguei as lágrimas e prossegui com a caminhada para casa. Comigo, uma mistura de muitos sentimentos, raiva, impotência e um resto de esperança prestes a perder-se na impaciência e na necessidade de sobreviver. O sonho do futuro já era algo inatingível. A questão maior seria como permanecer e vencer tais dificuldades.
Uma semana depois eu já estava me organizando para trabalhar. Mas essa é uma outra cena para outro momento. Talvez, até já tenha mencionado em algum escrito lá atrás. Por hora, por hoje, me pus a refletir sobre essa travessia que me trouxe até aqui. Não foi fácil, nada vem fácil, mas com certeza tudo vale a pena, as lágrimas, os tombos, as perdas e até as decepções. Isso apenas nos torna mais humanos e nos ensina a valorizar que a travessia está para todos e no fundo, o objetivo real é saber caminhar bem e apreciar tudo que se encontra à beira do caminho.