O filho do patrão então correu para
junto de seu pai e cochichou apontando para uma certa pessoa que estava próxima
de seu estabelecimento. O dono fez sinal de positivo com a cabeça e o filho foi
para os fundos voltando em seguida com uma vasilha contendo alimentos. Colocou
dentro de uma sacola, foi para a porta principal e esperou que aquele senhor
aproximasse. Ao entregar a sacola contendo a vasilha com a refeição o senhor
agradeceu dizendo: "Deus abençoe!" Tomou o embrulho e guardou-o numa
mochila. Cabisbaixo seguiu sua caminhada.
Duas razões distintas que se cruzam
neste fato que durou menos de dez minutos. A caridade que o menino, o filho do
dono já está pronto para fazer e a dignidade do homem em busca de um alimento.
Desde cedo nota-se que o pai ensina o filho que é necessário dar alimentos aos
necessitados. Desde muito tempo este senhor perambula pelas ruas em busca de um
prato de comida para resgatar suas forças,seu vigor e a dignidade.
O lugar para comer o alimento é o
que menos importa para este senhor, uma vez que onde ele conseguiu a sua
refeição deste dia é um ambiente propício para se adentrar e fazer o ritual ao
redor da mesa como toda e qualquer pessoa digna. Porém, ciente de seu papel,
simplesmente baixou a cabeça e o único ritual que pode ali fazer foi o do
agradecimento em nome de Deus. A vasilha que lhe foi entregue dentro de uma
sacola já apontava quais seriam os passos seguintes que ele teria de dar após a
"caridade recebida", pois se fosse um "convidado" sua
refeição seria do lado de dentro.
Há quem viva pela caridade. Há quem
necessite fazer uma caridade para apaziguar sua consciência, contrabalancear
suas hipocrisias. Há quem faça a caridade, como este garoto, ciente de que sua
tarefa enquanto pessoa estava cumprida naquele dia. E estava, pois, por mais
que fosse algo ensinado por seu pai, naquele momento a voluntariedade partiu do
filho.
Quanto aquele senhor de muitas
histórias de rua mas sem ter pra quem contar e nenhum interessado para ouvir,
estará satisfeito por mais um dia ou até que a fome o assombre e a necessidade
de passar naquele mesmo endereço, quando o cheiro da comida exalar pelas portas
e janelas do estabelecimento, na expectativa de que aquele bom coração e os
olhos bondosos do menino o encontrem do outro lado da rua, e ambos, na
sincronia do olhar estabeleçam por mais um momento o elo da "caridade e da
dignidade" (...).
"Isso tudo acontecendo e eu ali na praça dando milho aos pombos." (Zé Geraldo)