domingo, 26 de outubro de 2014

Guerra dos Mundos - Parte VI - A lei e a justiça



Um mundo de poderes surreais. Seres em realidades distintas. Privilégios para privilegiados que nascem nos berços da realeza. Surdez, mudez e cegueira forçadamente impostas para quem faz parte da estatística do lado onde berço e chão se misturam.

Um fora da lei a serviço da justiça nasce nas trincheiras de uma guerra entre o poder elitizado e a luta pela sobrevivência. Fruto do amor entre uma burguesa e um operário, num reino onde as classes são verdadeiras arqui-inimigas, o filho renegado da elite cresce protegido e às escondidas da corte. Mesmo tendo sangue nobre nas veias ainda assim é repudiado pelos seus. Sua mãe renuncia a todo o tipo de riqueza e poder para viver o que considera digno: o amor, a família.

Como uma profecia o pensamento filosófico de um exímio atento às realidades socialmente distintas refletia que "a maior luta de toda humanidade era a luta entre classes sociais". Não importa a época, não importa o tempo, essa guerra obscura sempre existiu e está fadada à continuidade das futuras gerações. A luta pela igualdade nasce como um sonho regado de esperança e vontade de justiça. Com o tempo transforma-se em utopia e posteriormente acomoda-se, adormece e é enterrada num espaço pequeno do pensamento e da alma. O sistema, quando não corrompe o ideal, sufoca e por vezes vence o sangue dos justos. 

Há quem nasça e simplesmente morra mas há quem viva e viva intensamente. O fora da lei, como um predestinado à libertação dos desfavorecidos, é um desses vitoriosos que não se intimidou com a força opressora do sistema. Não recuou e não se corrompeu. Motivo suficiente que, com certeza, causou a ira dos deuses da corte que por fim o sentenciaram ao banimento da comunidade e o decretaram inimigo do reino.

Seu livre pensamento e sua forma de encarar a liberdade alvoroçava as pessoas pelas regiões aonde passava. Isso com certeza era detestado pelos comandantes do palácio que o tornavam dia após dia o inimigo número um e alvo de uma caçada sem precedentes. Seu refúgio era a floresta, junto de seus pais, irmãos e amigos, mas seu destino era o mundo. Talvez, por isso, do início ao fim de sua existência viveu e morreu a liberdade.

O que o consagrou nessa vida foi quando aos seus doze anos de idade, habitando no campo com seus pais, acompanhou-os à feira livre da cidade. Era um lugar aberto com barracas que negociavam barganhas. Ali seria o único lugar possível que as classes se misturavam livremente, ou melhor, os abastados de títulos permitiam que os desentitulados comparecessem pois era-lhes conveniente as coisas trazidas do campo.

Numa dessas idas à feira foram humilhados por pessoas da corte e escorraçados pelos guardas. O fato simples para o desfecho desse episódio era a roupa que trajavam. Vindos direto do trabalho do campo, para que não perdessem o momento ímpar das barganhas, trajavam roupas sujas do árduo labor na terra. A revolta e a sede por justiça entranhou de vez nas veias do menino.

O sistema imposto pela burguesia tinha um único objetivo: coibir qualquer possibilidade de informação que agregasse conhecimento ao povo que trabalhava nas terras. A intenção era podar sonhos, aniquilar a esperança de vez e enterrá-los vivos como escravos da realeza e sem qualquer opção de melhorias. Os poderosos eram verdadeiros ladrões de sonhos.

Mas, nem tudo são pedras. Com um estilo totalmente revolucionário o menino cresceu com força e sabedoria adquiridas nos redutos dos campos e posteriormente no esconderijo da floresta. Aos dezesseis anos, tornara-se um grande arqueiro e um exímio lutador com maestria em inúmeros tipos de armas. E foi justamente nessa idade que descobrira que o maior tesouro não mais seriam as joias do palácio mas sim o livre-pensamento. Uniu sua sede de justiça com a necessidade de libertar o povo das garras opressoras do sistema.

Nesse tempo de sobrevivência e experiência sentiu que a lei não servia aos que não possuíam títulos. Viu inúmeros amigos morrerem sem o merecido cuidado. E mesmo sendo contribuintes do reino, com o cargo dos impostos que lhes cabiam, ainda assim não eram assistidos quando necessitavam de algo. Então entre a lei dos poderosos para os poderosos e a justiça em prol dos menores, escolhera o caminho da liberdade pela liberdade de seu povo. Tornou-se um herói para os sem nomes e um inconveniente mal feitor para toda a realeza e seus nobres. 

Chegou um dia em que este reino fora invadido por outro rei. Na falta de uma guarda preparada e com mais da metade do povo vivendo concentrado e escondido na floresta a realeza sucumbiu ao então iminente inimigo que agora vinha de fora. O povo humilde e simples fora poupado porém a corte abastada, os poucos que sobreviveram, a começar pelos nobres, foram feitos de mulas durante dias e liberados depois de todo o mantimento e joias carregados em carroças.

Não foi simplesmente um massacre humano, foi um golpe na alma e no orgulho da ala dominante. A burguesia inatingível de olhar imponente e prepotente declinou à humilhação. A justiça viera por mãos alheias e todo o sangue derramado foi o preço pago mediante tamanha injustiça praticada até então.

O povo da floresta fora chamado pelos poucos concidadãos do reino, os poupados do massacre. Conclamaram o então "fora da lei" como novo líder. Os nobres tiveram suas terras redivididas para com todo o povo. Entre a lei dos poderosos e a justiça do povo, prevaleceu a verdade. Era o início de uma nova era, uma nova vida.


O mundo é conforme a óptica de cada um.