Um mundo de poderes surreais.
Seres em realidades distintas. Privilégios para privilegiados que nascem nos
berços da realeza. Surdez, mudez e cegueira forçadamente impostas para quem faz
parte da estatística do lado onde berço e chão se misturam.
Um fora da lei a serviço da
justiça nasce nas trincheiras de uma guerra entre o poder elitizado e a luta
pela sobrevivência. Fruto do amor entre uma burguesa e um operário, num reino
onde as classes são verdadeiras arqui-inimigas, o filho renegado da elite cresce
protegido e às escondidas da corte. Mesmo tendo sangue nobre nas veias ainda
assim é repudiado pelos seus. Sua mãe renuncia a todo o tipo de riqueza e poder
para viver o que considera digno: o amor, a família.
Como uma profecia o pensamento
filosófico de um exímio atento às realidades socialmente distintas refletia que
"a maior luta de toda humanidade era a luta entre classes
sociais". Não importa a época, não importa o tempo, essa guerra obscura
sempre existiu e está fadada à continuidade das futuras gerações. A luta pela
igualdade nasce como um sonho regado de esperança e vontade de justiça. Com o
tempo transforma-se em utopia e posteriormente acomoda-se, adormece e é
enterrada num espaço pequeno do pensamento e da alma. O sistema, quando não
corrompe o ideal, sufoca e por vezes vence o sangue dos justos.
Há quem nasça e simplesmente
morra mas há quem viva e viva intensamente. O fora da lei, como um
predestinado à libertação dos desfavorecidos, é um desses vitoriosos que não se
intimidou com a força opressora do sistema. Não recuou e não se corrompeu. Motivo suficiente que, com certeza, causou a ira dos deuses da corte que por
fim o sentenciaram ao banimento da comunidade e o decretaram inimigo do reino.
Seu livre pensamento e sua forma
de encarar a liberdade alvoroçava as pessoas pelas regiões aonde passava. Isso
com certeza era detestado pelos comandantes do palácio que o tornavam dia após
dia o inimigo número um e alvo de uma caçada sem precedentes. Seu refúgio era a
floresta, junto de seus pais, irmãos e amigos, mas seu destino era o mundo.
Talvez, por isso, do início ao fim de sua existência viveu e morreu a
liberdade.
O que o consagrou nessa vida foi
quando aos seus doze anos de idade, habitando no campo com seus pais,
acompanhou-os à feira livre da cidade. Era um lugar aberto com barracas que
negociavam barganhas. Ali seria o único lugar possível que as classes se
misturavam livremente, ou melhor, os abastados de títulos permitiam que os
desentitulados comparecessem pois era-lhes conveniente as coisas trazidas do
campo.
Numa dessas idas à feira foram
humilhados por pessoas da corte e escorraçados pelos guardas. O fato simples
para o desfecho desse episódio era a roupa que trajavam. Vindos direto do
trabalho do campo, para que não perdessem o momento ímpar das barganhas,
trajavam roupas sujas do árduo labor na terra. A revolta e a sede por
justiça entranhou de vez nas veias do menino.
O sistema imposto pela burguesia
tinha um único objetivo: coibir qualquer possibilidade de informação que
agregasse conhecimento ao povo que trabalhava nas terras. A intenção era podar
sonhos, aniquilar a esperança de vez e enterrá-los vivos como escravos da
realeza e sem qualquer opção de melhorias. Os poderosos eram verdadeiros
ladrões de sonhos.
Mas, nem tudo são pedras. Com um
estilo totalmente revolucionário o menino cresceu com força e sabedoria
adquiridas nos redutos dos campos e posteriormente no esconderijo da floresta.
Aos dezesseis anos, tornara-se um grande arqueiro e um exímio lutador com
maestria em inúmeros tipos de armas. E foi justamente nessa idade que
descobrira que o maior tesouro não mais seriam as joias do palácio mas sim o
livre-pensamento. Uniu sua sede de justiça com a necessidade de libertar o povo
das garras opressoras do sistema.
Nesse tempo de sobrevivência e
experiência sentiu que a lei não servia aos que não possuíam títulos. Viu
inúmeros amigos morrerem sem o merecido cuidado. E mesmo sendo contribuintes do
reino, com o cargo dos impostos que lhes cabiam, ainda assim não eram
assistidos quando necessitavam de algo. Então entre a lei dos poderosos para os
poderosos e a justiça em prol dos menores, escolhera o caminho da liberdade
pela liberdade de seu povo. Tornou-se um herói para os sem nomes e um
inconveniente mal feitor para toda a realeza e seus nobres.
Chegou um dia em que este reino
fora invadido por outro rei. Na falta de uma guarda preparada e com mais da
metade do povo vivendo concentrado e escondido na floresta a realeza sucumbiu
ao então iminente inimigo que agora vinha de fora. O povo humilde e simples fora poupado porém a corte abastada, os poucos que sobreviveram, a começar
pelos nobres, foram feitos de mulas durante dias e liberados depois de todo o
mantimento e joias carregados em carroças.
Não foi simplesmente um massacre
humano, foi um golpe na alma e no orgulho da ala dominante. A burguesia
inatingível de olhar imponente e prepotente declinou à humilhação. A justiça viera por
mãos alheias e todo o sangue derramado foi o preço pago mediante tamanha injustiça
praticada até então.
O povo da floresta fora chamado
pelos poucos concidadãos do reino, os poupados do massacre. Conclamaram o então
"fora da lei" como novo líder. Os nobres tiveram suas terras
redivididas para com todo o povo. Entre a lei dos poderosos e a justiça do
povo, prevaleceu a verdade. Era o início de uma nova era, uma nova vida.
O mundo
é conforme a óptica de cada um.