quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Uma voz no deserto


Semana retrasada, minutos antes de sair para o almoço o som da campainha do interfone não apenas anuncia mas denuncia, tamanho é seu estrondo gritante: alguém do lado de fora espera para ser atendido, ou talvez, ouvido.

A voz de um senhor em busca de um trabalho como cortar grama, realizar podas nas árvores, cuidar de algum canteiro ou jardim, qualquer coisa que pudesse render-lhe cinco reais. Esse era o valor da pedida que, depois fui entender, seria para o almoço do dia.

Ainda pelo interfone ele justificou que estava muito difícil conseguir trabalho e faria qualquer coisa necessária para garantir o almoço. Foi fácil identificar que não era uma pessoa em busca de um trocado a qualquer preço para depois gastar em drogas. Roupas simples, chinelo, boné, mãos calejadas, traços típicos de um trabalhador braçal, sua expressão misturava tristeza e esperança. Seu sorriso desproporcional era sincero. Pude ver e sentir em seus olhos que a sua fé era tão viva quanto a esperança de encontrar ouvidos para sua história e mãos que se estendessem-lhe neste momento.

Contou-me sobre sua esposa que estaria em outra cidade fazendo tratamento de câncer. "A doença está bem avançada e eu entreguei nas mãos de Deus." Ele aguarda o desfecho de sua aposentadoria que um advogado está cuidando para retornar junto dela. Nesse período está estabelecido numa pensão. Sem muitas opções sobrevive do esforço de seus braços, suor digno de um homem humilde.

Sem muitas delongas dei-lhe um pouco mais do que havia pedido. A alegria em seus olhos marejaram os meus. "Mas, tudo isso pra mim?" Sim, respondi-lhe. Acreditei na sua sinceridade. Para a forma de seu agradecimento [...] não tenho palavras.

As linhas aqui estão bem longe de descrever o sentimento vivenciado ao escutar este senhor contando sua história. Foi apenas mais uma voz ressoada na imensidão desse mundo que por vezes se faz de deserto e nada escutam os atarefados transeuntes penados.