quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Guerra dos Mundos - Parte V - Aparência X Essência




O salão de festas da corte estava lotado. Pessoas de todos os cantos da região, parentes e amigos do casal, presenciaram a cerimônia matrimonial e já se encontravam no desfrute dos comes e bebes. Não demorou muito para que algo inusitado e fatídico tirasse o foco de alguns convidados.

Com um semblante atípico para um momento de alegria, de comemorações e celebrações, três pessoas se dirigiram para o rol de entrada rumo à escadaria da saída. O que se houve dali em diante ficou na maior discrição possível e mesmo com os ânimos à flor da pele destes que foram indevidamente penalizados pela situação, a questão fora descente e legalmente decidida conforme os trâmites da sociedade civilizada.

Uma dessas pessoas fora injustamente acusada de ter pego um objeto de valor. A acusadora estava no toalete com mais outras pessoas e tirou um de seus pertences das mãos e colocou-o sobre a bancada de pedra da pia. Não vendo seu valioso prontamente perguntou à única desconhecida na ocasião se ela havia pego. Totalmente sem graça, a moça respondeu que não e logo voltou para sua mesa junto aos seus.

Insatisfeita com a resposta e cega por sua arrogância, Julieta, a inquisidora, seguiu até a mesa aonde a moça estava e mais uma vez interrogou-a sobre seu pertence desaparecido. Novamente esta disse que não e no momento que ambas estavam no toalete haviam outras pessoas. As palavras seguidas não foram simplesmente questionamentos sobre a possibilidade dela ter visto mas intencionalmente proferidas em tom de acusação pela prepotência de quem julga pela aparência.

Numa mesa rodeada de familiares a moça se viu acuada e começou a chorar diante de tamanha e vergonhosa situação a que se encontrava. Não bastasse a senhora do valioso fora atrás de outras pessoas que pudessem também intervir no caso. Desta vez quem mediou e defendeu-a da falta de escrúpulos da enricada a aparentosa senhora foi a irmã da moça. Partiram assim para o rol de entrada e realizaram os trâmites legais.

A senhora maquiada, mascarada de sua arrogância e colorida por sua prepotência, ao se dar conta do peso de suas acusações, sem provas contundentes, e que agora resultaram na chegada dos oficiais, perdeu-se no andar de seus saltos e dramatizou lágrimas que até mesmo atores em início de carreira fariam melhor. No entanto, pediu que o caso se encerrasse ali. Não adiantava mais nada. Tudo já estava consumado. Ela, a inquisidora, estragara a festa daqueles que pelos noivos tinham muito carinho e agora, estes, queriam simplesmente o justo desfecho: a verdade.

Enquanto a festa acontecia, horas foram perdidas pela moça e mais duas pessoas que a acompanharam até o término do registro da queixa. Voltando para o salão, apenas pegaram seus pertences e foram embora. Julieta, com seu poderoso olhar de algoz, fuzilava-os.

Para quem apenas presenciou ficou claramente entendido o porquê do peso da acusação nos ombros da moça. A senhora, pseudo-burguesa, ostentava um poder que, em sua concepção, ninguém mais ali possuía e via na escolhida para sua insana inquisição a vítima perfeita. Principalmente porque a sua presa tinha tonalidade de pele diferente da sua.

O desfecho dessa trama ficou na dor de quem, em sua humilde e verdadeira essência, foi vítima do olhar preconceituoso e da falsa acusação de quem ostenta aparência. Os sepulcros caiados ainda subsistem ao tempo e estão entre nós. A guerra dos mundos ainda se faz na calada, mas calado os inocentes não se farão. A burguesia fede!