No silêncio vazio do palco, a
solidão angustiante torna-se novamente protagonista. O que fora luzes, cores e
movimentos, com a retórica e o reflexo das palmas, agora jaz inerte por trás
das cortinas. E quando elas se encerram começa a verdadeira cena. A cena real.
Bandidos e mocinhos destrocam seus papéis. É hora de separar os meninos dos
homens. Cada espaço, cada traço, cada fala re-significa-se no íntimo de seus
atores. É hora de enfrentar a pior de todas as cenas: enterrar o herói e
encarar o seu algoz. O que fora espetáculo de sonho, amor e alegria, percorrido
por entre os caminhos da realidade, da dor e da tristeza, sucumbe aos planos e
suas dimensões. Emerge-se para a vida trazendo à tona seus piores pesadelos,
seus medos. É o mundo! Tão sóbrio e tão bêbado; ora fantasiado, ora desnudado;
onde as flechas são reais e o vermelho é sangue vivo. As flores que estão no
vaso da sala são de plástico. Não há perfume. O cenário é fictício,
mas quisera fosse verdadeiro. Pois, ali o deleite é permitido sem perjuras. És o
que és, ou o que gostaria de ser. Diga-se, de passagem, cada ato é um
romper-se de sua mesmice. E por mais que eles se repitam constantemente, ainda
assim, há motivos reencontrados. No canto da sala uma mesa e suas cadeiras. É o
recanto inocente do doce encontro planejado. Sonhos vividos no cenário de um
palco que faz da ausência do passado a esperança presente de que um dia, ainda,
quem sabe, aconteça. No desfecho de cada noite, no sombrio e escuro silêncio,
meus fantasmas me aguardam. Sorriem e me aguardam. Não ousam atentar-me a
remexer no baú. Ele também está aberto noutro canto da velha sala. De
particularidade do cenário à peça real da vida. É este palco (da vida) que
agora protesta contra a morte. Derradeira coadjuvante que espera, um dia,
encerrar o espetáculo e roubar a cena. De volta ao mundo, não sei qual dos
palcos é o mais real, o da vida emergida e encontrada na entrega dos atos de
cada cena ou a que, em sua falsa liberdade protocolizada, é obrigado a ensaiar
e viver como determinam as regras. Quando se abrem as cortinas, há sempre
esperança de que, após o fim, a magia e a beleza perdurarão. Quando se abrem os
olhos em cada manhã, há sempre um motivo para vencer seus medos. Por fim, todo
homem morre, mas nem todo homem vive. Que se abram as cortinas! É hora de
entrar em cena.