terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Toma e some


E foi com essa frase que o dia começou acontecendo. Como de costume, fui comprar pão no mesmo local de sempre. Já na fila para pagar uma mulher diz a um rapaz "toma e some". Entrega-lhe uma sacolinha com algo que comprou e assim o menino sai sem nada dizer. Após eles saírem, a dona do estabelecimento comenta que o menino tem problemas e a família o maltrata. É um adolescente entre 13 e 15 anos. A mulher que o despachou é sua mãe e, por sinal, tão jovem ao ponto de parecer irmã de seu filho.

Não sei que tipo de problema o menino possa ter, uma vez que fisicamente não aparenta nada. Talvez, algum atraso em seu desenvolvimento (...). Enfim, não vem ao caso. O que está em foco agora são as atitudes de quem deveria simplesmente cuidar de sua prole.

Muitos pessoas se escondem atrás daquele velho ditado: "Ah, eu não sei como dar carinho para meus filhos porque nunca tive dos meus pais. Minha vida foi difícil e eu sofri muito." Injustificável! Outras dão para os seus aquilo que não tiveram, mas só na questão material. Dão presentes, fazem os gostos mas são incapazes de se debruçarem por alguns minutos de brincadeiras e boas conversas. Simplesmente compram o tempo de seus filhos com presentes. Outro erro grosseiro.

Que até os animais cuidam de suas crias é fato! Mas, o ser humano, de tão inteligente, acaba por não aplicar sua racionalidade em diversas de suas ações. Esconde-se numa carapaça de mágoas passadas, prefere manter-se num patamar de imutabilidade eterna ou ainda garantir que o tempo lhe falta. Desculpas. Óbvio que existam atitudes justificáveis. Mas, aí, fazer de sua conduta um poço de justificativas é loucura e covardia consigo e com os seus. O ser racional é antes de qualquer coisa um verdadeiro egoísta.

"Toma e some!" Meu Deus! Penso na expressão no rosto daquele menino, que saiu, carregando sua mochila nas costas, sem nada dizer quando sua mãe lhe entregou a sacola e proferiu apenas tais palavras. Uma despedida dura e amarga. O garoto nada respondeu. Calado estava, calado permaneceu e cabisbaixo saiu. Nem um abraço, muito menos um beijo no rosto, nem um tchau! A benção então, certamente nunca existiu. Percebi que a grosseria da mãe diante de desconhecidos que ali estavam o deixou acuado e com vergonha. Pudera! "Toma e some" não é jeito de tratar ninguém, muitos menos um filho. 

Um fato que fica sem respostas. Não conheço a fundo os personagens dessa história. Apenas, assisti àquela cena onde os atos me chamaram a atenção. Creio que dificilmente os encontrarei no mesmo local e situação. Muitas coisas vemos, ouvimos e mesmo comovidos e cientes, permanecemos inertes em nosso lugar. 

Isso tudo aconteceu numa fração de menos de três minutos. Uma jovem mãe amargurada, um adolescente maltratado, naquele momento (...). Uma cena que cruzou minha visão e a partir daí eis que faço um recorte. Não tem nenhum final neste enredo. Tenho certeza que em nosso bairro, ou na rua que moramos, outras histórias como essa acontecem debaixo de nosso nariz e ainda assim, de tão atarefados que estamos realmente deixamos de perceber. Encerro aqui, por ora, rezando por este garoto e também por sua mãe e ao mesmo tempo, com a certeza de que temos muito a aprender com os animais.


"Enquanto os animais cuidam ...




os humanos tratam assim..."