É com satisfação que apresento e publico aqui, em "Escritos em Tempos", um texto de Gilson Rocha, amigo e também colega do curso de Teologia. É um pensamento intrigante, questionador, portanto nada convencional e que contrapõe muito do que nos foi ensinado, repassado ou imposto de forma não intencional. Vale a pena a leitura. Ailton Domingues de Oliveira
Vivemos
num mundo da lógica, cerceados pelo acaso. Ando pelas ruas, e percebo a
maravilha da criação. De uma pequenina flor que nasce na calçada ao complexo
funcionamento do cérebro humano, que processa simultaneamente uma quantidade
incrível de informações, que reconhece todas as cores e objetos que vê, que
assimila a temperatura a sua volta, que escuta os sons ao seu redor... Torna-se
evidente que crer na existência de um Ser Supremo - autor da ordem natural -
não é uma questão de lógica, é um fato. Sim! Deus existe!
Ao
mesmo tempo, observo as ações humanas - o descaso, a miséria, a sede por poder
e a ganância -, fechados em sua individualidade, e me pergunto se este Ser
Divino está conosco e nos acompanha em nossos atos. Nesse ponto, o
questionamento e a falta da razão me ensurdecem. Como pode Deus, que é
onipotente, onipresente e onisciente permitir que um filho venha a este mundo e
morra por falta de um pedaço de pão? Ou que aconteça uma catástrofe de qualquer
ordem que destrua a vida de centenas de famílias? Ou que exista tanta violência
contra indefesos e fragilizados na sociedade em que vivemos?
Existe
uma justificativa muito plausível que trata de um diálogo sobre a existência de
Deus numa barbearia. O personagem descrente aponta que existem pessoas com o
cabelo grande e barba mal tratada. Este fato, pela lógica, sustentaria a tese
de que não existe o profissional. O barbeiro rebate dizendo que são as pessoas
que não o procuram. A premissa é aplicada a Deus, que também existe; o problema
é que as pessoas não o procuram. Mas isso traz um problema crucial quando
inclui uma condição para o amor divino, e ao mesmo tempo não justifica que os
bons e fiéis aos ensinamentos divinos também sofram com injustiças
generalizadas.
Nesse
ponto, a tese do livro arbítrio me parece o conceito exato que embasa o meu
questionamento. Mas, ao mesmo tempo em que resolve algumas questões, levanta
outras piores e mais ameaçadoras para a estrutura hierárquica e espiritual. Uma
delas é: Se Deus não intervém em nossa realidade (pelo respeito ao livre
arbítrio), qual seria o sentido de rezar ou pedir a intercessão divina? E se a
razão de não intervir seja o fato de ele não poder fazê-lo? Mais complicado
ainda, pois teríamos a ação de um elemento limitador do divino, ou seja, um SPP
- Ser Supremo Superior.
Gosto
de uma alegoria que compara a vida da “consciência” – ou alma, se preferir – a
ciclos de passagem. Ela considera cada estágio como um percurso, e da mesma
forma que passamos pelo ciclo da maternidade durante os nove meses da vida
intrauterina, estamos também passando pela vida que conhecemos. Sempre me
recordo do final do filme “MIB – homens de preto”, onde toda a galáxia que
conhecemos não passa de uma bolinha de gude nas mãos de uma criança
extraterrestre. Então, cada estágio tem suas peculiaridades e sua finitude.
Mesmo que quiséssemos voltar à barriga materna, não sobreviveríamos àquelas
condições, fazendo dele um estágio já percorrido que não tem volta. Quando
nosso corpo já não mais aguentar, teremos iniciado uma nova jornada, e uma certeza
é válida: será totalmente diferente do que conhecemos e até imaginamos, mas
mesmo assim, será um novo estágio, e a premissa ainda é válida: não há retorno.
Pensando
agora a partir da estrutura eclesial, percebo que a justiça - pelo seu caráter
regulatório -, não consegue por si ser um instrumento de controle e motivação
populacional, e nesse ponto, a(s) igreja(s) intervém com maior sucesso por
estabelecer regras (mandamentos) de um Ser Supremo – inegável – e julgamento
(pecado) aos infratores. Para imputar o castigo, justifica-se a criação da
figura do Diabo, com um embasamento muito forte e até cativante. Isso responde
qual o sentido da igreja enquanto instituição. Mas é perigoso pensar assim, já
que a figura de Jesus Cristo enquanto divindade pode ser considerada como um
pivô de manipulação em massa com objetivos políticos, em despeito da ação
interventora do Ser Divino. E partindo do princípio em que o cristianismo se
baseia, prefiro estar redondamente enganado em minhas teses hereges. A história,
por sua vez, nos conta que isso é perfeitamente plausível, ainda mais sabendo
que o campo da teologia não envolve certezas absolutas. É uma questão de fé!
Mas assim também é de mistério.
E
de repente, o que faz sentido é o contrário de tudo que me foi ensinado. E se o
mal é fruto de escolhas, isso faz da serpente do Éden o motivo da sabedoria que
temos hoje. E o mais interessante é perceber que a felicidade que tanto
buscamos se faz presente na ignorância, e muito raramente na sapiência!
Tudo
isso me leva para o lado de uma teologia de cunho realmente prático, que visa
socorrer a humanidade no estágio em que estamos. Mais pautado no “aqui agora”.
A humanidade precisa de socorro, e mais urgente que adoradores do invisível,
está o cunho social e vivencial. Tratar do humano enquanto humano, nas
necessidades básicas e ordinárias que a própria sociedade impõe. Esse modelo
libertário de teologia traz consigo os seus atos em favor de uma fé,
contrariamente às pautas, tratados e concílios, que antes de mais, parece-me
que complicam mais que simplificam. É mais do mesmo.
Gilson Rocha - aluno do 4º Período do Curso de Teologia - FCU