quarta-feira, 6 de maio de 2015

Crer e pensar para não se alienar - por Gilson Rocha

 É com satisfação que apresento e publico aqui, em "Escritos em Tempos", um texto de Gilson Rocha, amigo e também colega do curso de Teologia. É um pensamento intrigante, questionador, portanto nada convencional e que contrapõe muito do que nos foi ensinado, repassado ou imposto de forma não intencional. Vale a pena a leitura. Ailton Domingues de Oliveira





Vivemos num mundo da lógica, cerceados pelo acaso. Ando pelas ruas, e percebo a maravilha da criação. De uma pequenina flor que nasce na calçada ao complexo funcionamento do cérebro humano, que processa simultaneamente uma quantidade incrível de informações, que reconhece todas as cores e objetos que vê, que assimila a temperatura a sua volta, que escuta os sons ao seu redor... Torna-se evidente que crer na existência de um Ser Supremo - autor da ordem natural - não é uma questão de lógica, é um fato. Sim! Deus existe!

Ao mesmo tempo, observo as ações humanas - o descaso, a miséria, a sede por poder e a ganância -, fechados em sua individualidade, e me pergunto se este Ser Divino está conosco e nos acompanha em nossos atos. Nesse ponto, o questionamento e a falta da razão me ensurdecem. Como pode Deus, que é onipotente, onipresente e onisciente permitir que um filho venha a este mundo e morra por falta de um pedaço de pão? Ou que aconteça uma catástrofe de qualquer ordem que destrua a vida de centenas de famílias? Ou que exista tanta violência contra indefesos e fragilizados na sociedade em que vivemos?

Existe uma justificativa muito plausível que trata de um diálogo sobre a existência de Deus numa barbearia. O personagem descrente aponta que existem pessoas com o cabelo grande e barba mal tratada. Este fato, pela lógica, sustentaria a tese de que não existe o profissional. O barbeiro rebate dizendo que são as pessoas que não o procuram. A premissa é aplicada a Deus, que também existe; o problema é que as pessoas não o procuram. Mas isso traz um problema crucial quando inclui uma condição para o amor divino, e ao mesmo tempo não justifica que os bons e fiéis aos ensinamentos divinos também sofram com injustiças generalizadas.

Nesse ponto, a tese do livro arbítrio me parece o conceito exato que embasa o meu questionamento. Mas, ao mesmo tempo em que resolve algumas questões, levanta outras piores e mais ameaçadoras para a estrutura hierárquica e espiritual. Uma delas é: Se Deus não intervém em nossa realidade (pelo respeito ao livre arbítrio), qual seria o sentido de rezar ou pedir a intercessão divina? E se a razão de não intervir seja o fato de ele não poder fazê-lo? Mais complicado ainda, pois teríamos a ação de um elemento limitador do divino, ou seja, um SPP - Ser Supremo Superior.

Gosto de uma alegoria que compara a vida da “consciência” – ou alma, se preferir – a ciclos de passagem. Ela considera cada estágio como um percurso, e da mesma forma que passamos pelo ciclo da maternidade durante os nove meses da vida intrauterina, estamos também passando pela vida que conhecemos. Sempre me recordo do final do filme “MIB – homens de preto”, onde toda a galáxia que conhecemos não passa de uma bolinha de gude nas mãos de uma criança extraterrestre. Então, cada estágio tem suas peculiaridades e sua finitude. Mesmo que quiséssemos voltar à barriga materna, não sobreviveríamos àquelas condições, fazendo dele um estágio já percorrido que não tem volta. Quando nosso corpo já não mais aguentar, teremos iniciado uma nova jornada, e uma certeza é válida: será totalmente diferente do que conhecemos e até imaginamos, mas mesmo assim, será um novo estágio, e a premissa ainda é válida: não há retorno.

Pensando agora a partir da estrutura eclesial, percebo que a justiça - pelo seu caráter regulatório -, não consegue por si ser um instrumento de controle e motivação populacional, e nesse ponto, a(s) igreja(s) intervém com maior sucesso por estabelecer regras (mandamentos) de um Ser Supremo – inegável – e julgamento (pecado) aos infratores. Para imputar o castigo, justifica-se a criação da figura do Diabo, com um embasamento muito forte e até cativante. Isso responde qual o sentido da igreja enquanto instituição. Mas é perigoso pensar assim, já que a figura de Jesus Cristo enquanto divindade pode ser considerada como um pivô de manipulação em massa com objetivos políticos, em despeito da ação interventora do Ser Divino. E partindo do princípio em que o cristianismo se baseia, prefiro estar redondamente enganado em minhas teses hereges. A história, por sua vez, nos conta que isso é perfeitamente plausível, ainda mais sabendo que o campo da teologia não envolve certezas absolutas. É uma questão de fé! Mas assim também é de mistério.

E de repente, o que faz sentido é o contrário de tudo que me foi ensinado. E se o mal é fruto de escolhas, isso faz da serpente do Éden o motivo da sabedoria que temos hoje. E o mais interessante é perceber que a felicidade que tanto buscamos se faz presente na ignorância, e muito raramente na sapiência!

Tudo isso me leva para o lado de uma teologia de cunho realmente prático, que visa socorrer a humanidade no estágio em que estamos. Mais pautado no “aqui agora”. A humanidade precisa de socorro, e mais urgente que adoradores do invisível, está o cunho social e vivencial. Tratar do humano enquanto humano, nas necessidades básicas e ordinárias que a própria sociedade impõe. Esse modelo libertário de teologia traz consigo os seus atos em favor de uma fé, contrariamente às pautas, tratados e concílios, que antes de mais, parece-me que complicam mais que simplificam. É mais do mesmo.

Gilson Rocha - aluno do 4º Período do Curso de Teologia - FCU