Somente uma casa no meio do nada
Sem sombra de pedras
Sem as copas dos monumentos
Que vedam o deleite da lua
E ofuscam as estrelas da cortina escura
Quero o silêncio da terra
O choro dos rios
O canto encantado da passarada
As cores da vida verdadeira
O desfecho que, tão a mim, espera
Quero a menina dos olhos
Dos olhos, a menina, me fulminam
Quero cantar-lhe meus cantos
E quando o pôr do sol se achegar
Tombaremos no regaço do abraço
Hei de recostar na rede
Que jaz permanente na varanda
Chamarei cada qual pelo nome
Enquanto a memória se perfazer viva
E no apagar das velas rezarei novamente
Na mesa grandiosa
Ao redor comemoram cada meu
Histórias, memórias, glórias
Saudade, pensamentos, esperança
É o espaço de nós
Farei poesia a cada dia
Trarei pertinho meus poetas guerreiros
Entoarei hinos aos mártires
Saudarei minha terra com os meus
Minhas montanhas, meus sertões louvarei
Não guardarei mais passado
Trarei apenas lembranças de vida
Meus escritores para sempre do lado
Enquanto a luz ainda me guiar os olhos
E minha boca prosear sobre os tons
Tão duras estradas até aqui
Tão cruéis meus algozes
Tantos fantasmas que gerei e alimentei
Vão se desfazendo em cada estação que acheguei
E mais uma vez sigo o leito do peito
As cercas não têm porteiras
Bichos e gente vão se achegando
Meu altar é o chão com roseiras
O nascer de cada dia é o presente
Que a gente abre, abraça e sente
Minha história não terá fim
Meu nome ninguém saberá
Entre dores, amores e alegrias
Sei que vivi à frente de qualquer morte
Mas hei que um dia também serei travessia
Flores que rodeiam este sertão
Rios que cortam esta montanha
Fontes que o mundo não me deu
Altar que guerreei para encontrar
Silêncio, oração, esperança, amor: utopia