terça-feira, 15 de março de 2016

O filho do carroceiro - III


Pelas ruas de um bairro sob o céu mineiro, encontrei o velho conhecido senhor carroceiro. Ao longe o avistei, guiando seu transporte puxado pelo fiel parceiro de quatro patas. Nosso cumprimento foi imediato. Seguíamos em direções opostas. No entanto, no relance do cruzamento percebi seu olhar desolado. Algo anormal pairava em seu semblante. Tristeza.

A alegria no sorriso de outros dias não estava estampada em seu rosto. Faltava-lhe algo. Faltava-lhe uma parte. Faltava o seu companheiro, o seu menino, o seu filho... Um garoto simples e esperto, que trabalhava com o pai, feito gente grande. Tímido na presença de seu tutor. Totalmente respeitador das regras de seu senhor.

O mestre da carroça, que faz fretes para sobreviver com dignidade, com toda certeza ao encontrar-me pela rua, mesmo sem nada dizer, quis contar-me de alguma forma sobre a ausência do filho. Em todos os serviços que ele nos prestou em outros tempos, seu filho o acompanhava e eu fazia questão de conversar com o garoto. Deve ter sido essa a lembrança que ele teve nesse momento. Nada falamos. Ficamos no aceno e no olhar.

De certa forma a notícia triste já havia chegado até meus ouvidos por um outro senhor que conhece a história desse digno carroceiro. O seu filho havia embrenhado pelo mundo das drogas. Quatorze anos talvez. Morava apenas com o pai. Não tenho história sobre a mãe. Na última conversa que tive com o menino, ainda ajudando seu pai, ele estava ausente da escola. Motivos que não me competem julgamento.

O olhar do pai, repleto de tristeza é o ponto mais tocante dessa história. Palavras aqui não descrevem o meu sentimento muito menos o desse senhor. A simplicidade deste homem não permite partilhar a vida e seus desafios. A ele cabe apenas cumprir com honradez dignidade tudo aquilo que fora combinado em sua prestação de serviço. Justo. Essa é a palavra que o define, uma vez que não tenho como descrever o tamanho de seu caráter e honestidade, quando no acerto de sua mão de obra esqueci de um adiantamento feito e paguei a quantia cheia. Ele deu dois passos adiante e voltou rapidamente para devolver o valor da primeira paga.

O filho do carroceiro é uma história real e continuada. Os protagonistas são os mesmos e serão eternos neste espaço. Neste momento e em nenhum outro caberá um julgamento sobre o desandar do menino. Sem um desfecho pensado para a passagem de hoje, encerro estas linhas ofertando o olhar desse pai aos céus e pedindo toda a proteção e sabedoria divina para que reencontre seu menino...



PS: Leia também "O filho do carroceiro I e II":

http://escritosemtempos.blogspot.com.br/2014/01/o-filho-do-carroceiro.html

http://escritosemtempos.blogspot.com.br/2015/12/o-filho-do-carroceiro-ii.html