"A rua
é minha casa.
A
praça é o meu trabalho.
Talvez
até seja o ponto de encontro com outras almas penadas que teimam sustentar seus
corpos de zumbis.
Tudo
na vida é uma guerra.
Tudo
tem preço.
E
daqui do meu lugar ninguém vê valor em nada.
Não
tenho família, nem teto, nem nome, nem vida...
Sou
um desertor dessa guerra, dessa vida.
Meu
santo protetor das noites frias é uma cachaça de quinta.
O
chão é o meu lar.
Na
praça encontro outros zumbis sem passado.
Muitos
eu desconheço o nome.
Isso
não interessa.
Nos
agrupamos numa espécie de proteção.
Sozinhos
somos presas fáceis.
Já
perdemos vários companheiros, vítimas de humanos desalmados...
Mas
aí a polícia nos dispersa na sutileza das cacetadas.
Acho
que inspiramos a vadiagem...
Ou
talvez, estragamos a vista das praças.
É...
pode ser isso mesmo.
As
vezes, persisto em ficar no gramado em frente ao cemitério.
Lugar
mais sossegado.
As
pessoas parecem nos respeitar mais quando estamos lá.
E
então me pergunto: qual a diferença entre os mortos ali enterrados e a gente
que persiste do lado de fora?
Apenas
um muro nos separa...
Eu,
desertor da vida, combatente de mim mesmo, já me dei por morto em outras
vidas...
Os
que jazem enterrados, estes sim, estão num descanso de verdade.
Invejo
sua paz...
Família?
Já a
perdi quando nasci.
Não
tenho pais, nem irmãos, nem parentes...
Eu
desisti deles.
Não
merecem.
Meus
companheiros são de verdade e me respeitam.
Espero
um dia não mais precisar desistir.
E
nesse momento, com certeza já estarei deitado do outro lado do muro.
Soldado!?
Resista firme!
Homem
do sertão!? Eu te admiro!
Índio!?
Você tem o meu respeito!
O do
subúrbio!? Tome nota da minha história!
Um
dia, quem sabe, a gente senta num banco de praça pra rir das desgraças da vida e tomar um gole de cachaça?!
Se não for aqui, que seja arriba ou abaixo."
Se não for aqui, que seja arriba ou abaixo."