Este menino num é normal
Diziam os parentes da família
Anda muito do sem sal,
Não brinca, não briga nem reza
Não corre, é mole, é prostrado
Chega de parecer um retardado
O menino apenas fingia
Que nada via nem ouvia
Aos olhos de todos, emudecido
Mas por dentro jamais calado
Os pais levaram pra benzer
Indicação de alguns vizinhos
Dona Antônia senhora vivida
Rezava direito e curava ferida
À moda antiga era o
seu jeito
Vento virado
Cortava o quebranto
Cuidava de um tudo
O que se pode ver
E do que não se sabia
Desfechava com sabedoria
Um forte "bendito ao fruto"
Mas o menino prosseguia
Em seu mundo consciente
Estudava com seriedade
Sobrava responsabilidade
E sonhava sempre à frente
Com suas insanas ousadias
A família não se aguentava
Todo mundo o estranhava
Levaram pro médico examinar
Ele é sadio, não tem nada
Disse o doutor das causas loucas
Os pais ao pastor foram procurar
Que arrancou demonhos com reza braba
Aleluia, amém e glória ele repetia
Numa tremenda gritaria
E o menino só se ria
De tanta graça a se sobrar
De toda gente que se o levou
Pra encontrar alguma cura
Somente o padre desconfiou
Que o menino era sonhador
Coração bom, cabeça pura
E se derramava a alma em tamanho amor
Aconselhou então os senhores pais
A visitar um ancião
Que vivia na solidão
Numa tapera ao pé da serra
Homem simples e muito sábio
Não
tinha muito vocabulário
Porque gostava de escutar o tempo
Chegando lá naquele chão
Regado de cores em tantas flores
Tinha um cercado sem porteira
E lá embaixo da ribanceira
Passava um rio sereno e doce
O menino não se continha
Sentia a terra, juntava pedrinhas
Parecia um serelepe
Corre daqui, corre de lá
E o velho veio os encontrar
Os pais o explicaram do menino
E o velho calado, olhos fechados
Sentado permanecia
E dormindo parecia
Só depois de tanto assunto
Sua voz rasgou em prosa
E das flores colheu uma rosa
Entregando ao menino
Que sentado ao lado observava
Tão
atento não piscava
Não tem nada esse rapazinho
Se o demonho existe
Não está nele não senhor
Se alguém contraria e persiste
A encontrar razão e causar pavor
Desconhece a vida e o que é o amor
Não adianta reza, nem benzimento
Esse menino vive seu tempo
De um jeito que vocês sabem não
Deixem ele ser livre pra sonhar
E muitos frutos irá vos dar
Ele tem um bom coração
Os pais se entreolharam
E mais assustados ficaram
Mas o senhor é um profeta?
No que o velho respondeu
Não, sou avô e sou poeta
E minha vida foi na lida
Pouco estudo e muito esforço
De menino até ser moço
Descobri que amava a vida
Tão mais simples que se podia
E assim como vocês agora
Meus pais me levaram pra fora
Pra curar minha absurdez
Até que encontraram por este mundo
Um senhor de olhar profundo
Que bastou uma só vez
Que bastou uma só vez
Sorriu pra mim num abraço forte
Mostrando que existe um norte
Pra toda gente de boa fé
Esse menino só precisa
Do seu tempo, seu carinho
Pra jamais sentir sozinho
E logo mais sua alegria
Se eternizará com poesia