Cachaça,
goró, pileque, quando se entranha no sangue alheio, de forma negligente pelo
autor do fato, ganha uma grande justificativa, ou melhor dizendo, um sinônimo
que simboliza o regaço causado pela ingestão excessiva de álcool. O capeta deve
estar se ardendo de raiva e cansado de tanto levar a fama!
Vinte
e duas horas e trinta minutos do dia doze de março de dois mil e quinze. Quinta
feira. Voltando da Faculdade e adentrando o bairro em que resido, alguns metros
antes de virar para a rua da minha casa, percebo uma movimentação estranha no
meio da avenida. Carros e motos desviando de um círculo de pessoas apavoradas.
Cheguei mais perto e identifiquei uma mulher ao chão. Um rapaz a segurava
fortemente e um menino de uns doze anos mantinha a cabeça dela em seu colo. Ela
se debatia, se contorcia, alterava sua voz e falava "ele ta vindo me buscar". Segundo os comentários ela havia se
jogado na frente de alguns carros que por sorte conseguiram desviar.
Sem
muito o que poder fazer, apenas liguei para 193 - o Corpo de Bombeiros. Enquanto aguardava a
chegada do resgate conversei com algumas pessoas que estavam ali desde o início
do episódio e me inteirei do fato. Uns diziam que ela havia tomado um golinho
de cerveja. Uma senhora disse que ela passou "nervoso". Informações
que aos poucos se costuravam para o desfecho.
Não
sei de onde surgiu, ou melhor, de onde brotou um pastor que já estava ajoelhado
com a mão sobre a cabeça da mulher gritando pro "capeta" sair. Gente!
Isso é terra sem lei! Se fizermos uma estatística será constatado que já são
"DEZ" desencapetadores para cada tinhoso. Como manda a lei da demanda:
será necessário inventar novas modalidades de "caos" para os
profissionais do altar não perderem o posto!
Tive
pena do filho de doze anos que chorava ao ver a mãe daquele jeito. Perguntava por quê que ela estava daquele jeito. Num determinado momento, enquanto o
oportunista dava seu show, chamei o garoto e com jeitinho expliquei que aquilo,
no máximo seria uma crise nervosa. Não precisava ser especialista pra entender
os fatos, nem tampouco "capetologista".
Realizado
o cerimonial o show-man se levanta e diz em alto e bom tom: "Podem levá-la
para casa! Ela já está curada!" Colocaram-na numa cadeira ali mesmo na
calçada. Ela estava fria e tremia muito. O próprio senhor, nada modesto,
quisera ajudar a recolher a mulher. Intrometi-me na conversa e disse que os
Bombeiros já estavam a caminho e que o mais sensato seria esperar ali mesmo.
Liguei novamente e nem bem desliguei o celular a unidade móvel chegou.
Enquanto
os bombeiros conversavam com a enferma sua mãe aparece para acompanhar o
resgate. Perguntei-lhe se ela havia passado por algum "nervoso" ou
ingerido alguma bebida de álcool. A senhora abriu o jogo: "Ih meu filho,
ela é cheia de querer e não gosta de ouvir as verdades! Tá bebendo desde as
cinco da tarde!" Bingo! Chamei um dos bombeiros de canto e repassei as
informações.
Pronto.
A situação agora estava devidamente encaminhada. As pessoas que mais precisavam
de oração e conforto naquele momento não era a moça que encheu a cara e teve
uma crise nervosa, mas sim a senhora sua mãe e os filhos que assistiram tudo.
Óbvio que no momento oportuno um acompanhamento espiritual e religioso serão
necessários. Agora, porém, apenas uma santa dose de glicose expulsaria o
causador dos males.
Vivemos
num momento em que uma mega onda pseudo-religiosa tem requerido veementemente
um "demo" para pagar a conta pelos serviços prestados.
Marketeiramente várias denominações religiosas tem exposto em suas vitrines
verdadeiros absurdos, os quais chamam de milagres. Este tornou-se um
sub-produto da fé que os falsos profetas utilizam em seus shows e
dramatizações. O que deveria ser fonte de libertação é na real de alienação.
Tudo em nome de Deus, inclusive o oportunismo financeiro-religioso.