Há um tempo em que o tempo não para.
Continuar a vida sem a presença de um
ente querido que partiu é tarefa árdua, penosa. Sofridão inexplicável. Dor
incurável em que o próprio tempo torna-se paliativo companheiro e traiçoeiro.
Não há respostas porque não há o que se questionar. É o ciclo da vida que nos
dá e nos tira de cena. Deus, como autor e diretor deixa-nos o livre arbítrio
para protagonizarmos nosso caminho e nossas escolhas. A vida é o palco e nós os
meros responsáveis da atuação.
Seria possível não considerar a
ausência da pessoa uma perda? Se não entendemos como perda é porque existe
esperança de um reencontro na eternidade do paraíso, seja este aqui ou não. Ao
contrário, se considerarmos como tal, então estamos reféns da derrota eterna.
Teremos o amargo gosto do fim em doses homeopáticas nos dias que a nós
restarão.
Quantas mortes existem? Diria que
apenas uma. E mais, há quem tenha sobrevivido à ausência de quem partiu mas
abdicou-se de sua própria vida por não suportar o deserto do solo caminhar.
Reorganizar a vida, a casa, os móveis,
a rotina e o próprio tempo passa a ser a pior de todas as tarefas. Em cada canto visualizamos a imagem da
pessoa que partiu. Enterramos o corpo mas a história permanece na memória. Não
dá pra mantê-la ao centro da sala, velando-a todo dia. É preciso permitir que
se cumpra a ordem natural das coisas. É preciso despedir-se da matéria e orar
pela alma.
Existe também a morte de quem preferiu
partir de nossa vida sem deixar um elo de contato. Julgo como o "doce
abandono". Quem se foi muitas vezes nem lembra do que deixou, do que
plantou e não cuidou, ou do espaço que teve para cultivar e nada fez. Creio que
seja a pior de todas as mortes. É a morte de quem continua vivo. É a morte do
sonho e o rompimento do elo de ligação. É a morte de quem não morreu mas deixou
de co-existir em sua vida. Quem fica é como se permanecesse sentado no balanço
aguardando as mãos para o empurrar. Não há mais quem embale o balançar. Talvez,
a morte real seja de quem permaneceu sofrendo e ainda não encontrou forças para
superar a ausência.
Os possíveis reencontros que ainda hão
de ocorrer é como um sonho que te traz a lembrança e a saudade da pessoa em
questão e depois quando se acorda a realidade te leva diretamente ao vazio da
existência, ao deserto. Mais uma noite, um novo dia em que resta apenas amargar
o desarranjo. Os móveis, as fotos, as lembranças, tudo desorganizado. A vela
parece reacender na sala do velório, o coração.
Quem assim partiu, o fez consciente. É
a pior de todas as perdas. Perder, não para a morte natural a qual todos estão
sujeitos, mas para a morte cotidiana da relação que nunca firmou-se.
Assistir o tempo passar é um velório eternal que perdura e acompanha cada cena,
cada ato. Um romper é preciso, mesmo que seja o golpe de misericórdia. É preciso
criar forças para embalar o balanço da vida. A sensação e o sentimento só serão
experimentados se houver o primeiro ato. E que este seja para sua redenção e
superação.
"Todo homem morre mas nem todo
homem vive!" Morrer é o ciclo natural da vida. O contrário não é
verdadeiro. Viver é... sentir a brisa do balanço que vai e que volta... é
encontrar, após o doce e amargo abandono, o doce e suave ombro, o sentimento de
estar vivo, e as pessoas por quem vale a pena toda a vida.
Há um tempo em que o tempo não para: nunca!
Há um tempo em que o tempo não para: nunca!