Na contramão da rodovia
Sigo caminhando a um destino
Sigo caminhando a um destino
É o trajeto
das máquinas que se opõe
Fios e
tecnologias que atravessam
Despontam
não sei aonde
E desembocam
na casa de quem tem
Lá por cima
ou por baixo
É desviado
da mazela
Os marginais
que peregrinam de cela em cela
Quanto mais
vagueio em pensamentos e passos
Sinto o
cheiro do restante virgem mato
Se
misturando com a borracha
Dos pneus
queimada no asfalto
Sou
caminheiro errante
Em busca de
um sentido irrestrito
Filosofia e teologia
se introduzem na vida
Sentidos
sentido a cada paisagem
Poesia viva
que revigora a utopia
Meu destino,
pelo menos por hoje, é certeiro
Talvez,
nessa estrada eu seja o derradeiro
Os marginais
desta terra de ninguém
Estão abaixo
do que possa parecer
Muito além
do que eu ainda vá perceber
Ali, aqui,
acolá, da linha que margeia estão aquém
Ao longe
vislumbro a montagem
São cabanas,
mosaicos coloridos. contorcidos
Desprovidos
de qualquer proteção
Erguidos
para qualquer direção
A poeira que
se levanta no passar do caminhão
O chão de
terra batida
Tem cheiro
de gente sofrida
Esse povo
caminheiro
Que margeia
a rodovia
Tem mais
vida e poesia
Do que as
cadeiras que esquentei
O Deus que
os mais velhos entoam
Dá-lhes a
esperança em cada amanhecer
Dá-lhes a
sustança em cada anoitecer
Revigora o
brilho de seus olhos
E os
enobrece com o suor de suas labutas
Entre a
cerca e a estrada
Lã estão
esses migrantes
Gente
simples de palavra cumprida e forte
Do lado de
lá da cerca o gado do rico engorda
Na marginal
os carros cortam o vento em velocidade
E quebram o
silêncio com seus potentes barulhos
Ninguém se
vira para olhar os aquém da margem
Entremeio a
cerca e a rodovia
Cá estão os
desbravadores doutores
Da vida
vivida e sofrida como ninguém já viveu
Diante de tanta
incerta esperança que ouvi
No meu
certeiro regresso marginalizador
Só me pus a
cantar:
"Como posso me calar?"
"Como posso me calar?"
"O Sertão é o sozinho,
É dentro da gente
Está em toda parte.
Deus e eu no Sertão."
(Guimarães Rosa - Victor e Léo)