Realidade versus ficção
Natureza versus tecnologia
Natureza versus tecnologia
Riqueza
versus pobreza
Sabedoria
versus insensatez
Franqueza
versus hipocrisia
O mundo é um
jogo de opostos
O avesso dos
avessos
Côncavo e
convexo
E no limiar
entre céus e terra
Jaz o sertão
Seja lá,
acolá ou no coração
Já dizia o
grande poeta dos sertões
Guimarães
Rosa
"O
sertão está em toda parte
É dentro da
gente"
E nessa
desventura desprovida de almejo
Na sábia
insensatez e vontade do benfazejo
Sigo o
instinto matuto do agrado imediato
É necessário
abrir novas picadas
Seja no
asfalto ou no mato
No primeiro
contato o olhar inocente
São
crianças, sorrisos e esperança
São gente
que pouca gente vê
Um casal de
irmãos me esperam atentos
Eu, de não
sei de onde oriundo
Caminhando
rumo ao seu mundo
Mostrei-me
amigo e de boa vontade
A confiança
então foi verdade
Conheci seus
nomes
Logo num
chão acinzentado
Pela queima
de lixos e objetos
A menina, a
mais nova, com sua meia vassoura varria
Um caixote
era uma mesa
Uma cadeira
com cordas de naylon descartada ali
E um balde
que era a suposta lixeira
Identifiquei
o cenário e perguntei
Estão
brincando de escola?
Toda tímida
me respondeu com a cabeça que sim
E então ganhei um santinho
A imagem de uma santa, a mãe de Jesus
Seu irmão
sobre a bicicleta ziguezagueava
Davam-se bem
Toda
delicada a garotinha, já vaidosa
Tinha marcas
de esmaltes em suas unhas dos pés
Apenas
algumas
Era rosa
Noutro canto
outras três crianças brincando
Numa piscina
desusada e descartada
Sem água sob
o chão
Posterior,
com alguns copos de água e terra
A bola sobre
a cerca
Vi como um
sonho pendurado
Escondido,
deturpado, roubado
Por quem?
Por todos
nós que nos calamos
E os
mantemos à margem
Marginalmente
aquém da margem
Um telefone
de tecnologia no meio da terra
Bonecas e
cd's abeirando a cerca
Um
caminhãozinho parado sob a barraca inacabada
Todo tipo de
descarte
Que a santa
hipocrisia chama de caridade
Ali se
encrusta os recebidos em cores e amores
Pra saciar o
ego dos doutores
Dando um
paliativo pra tantas dores
Ainda me deparo sob a ponte
Com o nome de Jesus pintado na lateral
Deus no céu que olha
Deus na terra que faz
E alguém pintando o nome de Jesus
Como se olhando estivesse para esses amarginalizados
Imagino que quem isso fez
Sequer olhou pro lado uma vez
E visitou o Jesus no rosto sofrido de cada assentado
Na prosa poética de um estimado meu doutor
Tamanha simplicidade e humildade
Vou saindo margeando meu caminho novamente
E com uma tamanha inquietança
Mas com vontade de fazer mudança
Então, compadre meu, senhor José
A festa ainda há de ser do tamanho de seu merecimento
De tudo que vivi nesse tempo de hoje
Em meio a inocência da infância
"Como
posso me calar?"
"O Sertão é o sozinho,
É dentro da gente
Está em toda parte.
Deus e eu no Sertão."
(Guimarães Rosa)