sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Desencapetamento na enxurrada


Então, uai! Era ontem, umas 21 horas e chovia muito. Eu voltava da missa. Passei por uma rua e escutei uma gritaria. Fui devagar e logo avistei uma cena, que está ficando comum aqui no bairro. Três pessoas embaixo de uma árvore enfrentavam a chuva e o "demonho". Uma delas ainda lutava contra a forte enxurrada.

Uma mulher fortona e um homem seguravam uma outra mulher deitada no chão. Ela se debatia, chorava, e falava esquisito. Deve ser porque a enxurrada estava muito forte e vinha de encontro à sua cabeça. Isso mesmo. A cena foi num palco improvisado. Sem muita plateia, porém. Apenas duas vizinhas que saíram ao portão e eu, transeunte novamente agraciado por mais um episódio da série "desencapeamento total". Estou colecionando essas pérolas. Já é a terceira ou quarta, se não me engano.

Como desconheço as pessoas vou sugerir alguns nomes para identificá-las na minha narrativa: a "Fortona" que com certeza deve ser a pastora exorcista (redundante né, pois todo (a) pastor (a) se auto intitula exorcista); o "Assessor", que é o rapaz que ajudava a segurar a outra mulher; e a terceira, que é a "Vivi", abreviatura íntima de "vítima".

A Fortona gritava e gritava muito bem no pé do ouvido da Vivi. O Assessor apenas cumpria sua função enquanto a pastora dava um banho de enxurrada na vítima aos som das velhas frases clichês: "Sai capeta! Sai demonho! Eu te ordeno, em nome de Jesuiz!"

Para saber o desfecho precisei passar pelo menos três vezes no local. Como da última vez o capeta saiu com a chegada do bombeiro que aplicou uma glicose ungida na "possuída" (pelo álcool), resolvi acompanhar mais de longe. E o medo da Fortona me jogar na água suja da enxurrada, hein?! Até explicar que não tava encapetado, já teria engolido muita água suja!

Enfim, na última passada pela cena, os três protagonistas já estavam em pé. Vivi estava abraçada com o Assessor e ambos agradeciam e se despediam da Pastora Fortona. Acho que o desencapetamento foi concluído com sucesso. Bom, não tinha muita opção para a vítima, porque ou mostrava melhora ou se afogaria com capeta e tudo. "Só sei que foi assim..."

Recortes do olhar: silêncio imperfeito


No silêncio imperfeito do meu quarto
Refaço minhas poesias empoeiradas
E entoo um canto improvisado
Que meus próprios ouvidos não entendem
Sem o tempo que me cobra 
Desfaço minhas tramas sem demora
Fotografias viraram gravuras em meu peito
E no sonho sou o dono do destino
Parei o tempo ao que meus olhos fitaram
E recortei os pormenores descartados por aí
Dei a eles as minhas reverências
E embriaguei-me nas nuances de cada céu

segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

Senhor do destino


Ela, em seu tempo, vai perdendo suas asas
Tão feliz quanto a certeza de ter voado em liberdade
Quisera eu viver com tanta destreza
Sem ser refém do mundo ou de minhas vaidades

Ah, esse tempo, maldito seja
Endiabrado, infiel, ladrão
Carrega para longe o pensamento
Distancia o coração

Mas não é o tempo, é o homem
Que persiste nas insanas travessias
Na rebuscada investida pelos dias
Desertos, consertos, utopias

Do tempo ao tempo, alegria ou tormento
É o desejo, é a escolha, emoção e razão
Asas que se desfazem pelos céus desta vida
Libertaram-se para o destino da imensidão

É o tempo, chegado o momento
As cores empalidecem sobre a asa
Nada perdura, tudo se eterniza 
E a alma retorna pra casa