terça-feira, 25 de janeiro de 2022

Caixa de ferramentas





Ao ler um texto de Rubem Alves, "Presente", do livro "Ostra feliz não faz pérola", senti a semelhança da história com algo que vivi junto ao meu filho Felipe, que hoje está praticamente às vésperas de seu 18º aniversário. 

No texto um menino recebe uma enxada de presente quando completa 5 anos de idade. Meu filho Felipe, ao longo de seu crescimento, pode me acompanhar em algumas invenções e construções e aos 15 anos dei-lhe uma caixa de ferramentas.

O menino do texto de Rubem Alves recebeu ali não um instrumento que o induzisse ao trabalho precoce, mas o legado de sua família que vive no e do campo. Foi como passar o bastão, o bastão da responsabilidade, do orgulho de pertencer àquela família e àquele lugar, orgulho literalmente da origem. Seus pais, tios e avós também receberam uma enxada da mesma forma.

Felipe, meu filho, depois de me acompanhar nos sonhos e projetos, recebeu de minhas mãos aquilo que representaria a minha história, as minhas raízes. Independente dos diplomas que ele venha a adquirir, haverá de se lembrar sempre de suas origens. Simplicidade, dedicação e amor. Essa é a nossa essência.

Eu sempre gostei de aprender, de fazer e acontecer, inventar, reciclar, criar, e tudo isso principalmente através de coisas e objetos descartados e que não se utilizam mais. Encontrar beleza onde ninguém mais olha. Dar leveza e sentido em detalhes que o mundo ignora. Esse é um diferencial em nossa coexistência de Pai e Filho.

Rubem Alves sempre me desperta para as maravilhas do simples, do profundo, da poesia perdida nas belezas descartadas pela correria e pelas tecnologias.

A semelhança nos gestos ao dar o presente aos filhos, tanto o menino que recebeu a enxada como meu filho que recebeu a caixa de ferramentas, são gestos que se perpetuam no amor, que dispensa preços mas está carregado de valores eternizados em nossas vidas.

Eu tenho guardado comigo algumas ferramentas que foram dos meus avôs. Verdadeiras relíquias que foram empunhadas por homens íntegros, justos, honestos e dignos. Nessa caixa de ferramentas eu dei muito mais do que meros objetos de utilidades para o dia a dia do meu filho. Dei-lhe sentimento de pertença, a continuação da nossa história e do nosso legado. Dei-lhe o meu carinho e amor, e onde quer que esteja, na profissão que escolher, vai usar as ferramentas certas da mesma forma, com dedicação, amor e justiça. Passei-lhe o bastão da confiança regado de amor e poesia e um dia também será passado ao Joaquim. 

Meu chão de vermelhão


Foi naquele chão de vermelhão 
Que tanto brinquei, engatinhei, andei
A felicidade dispensava o ter
A magia da criação num quintal de terra 
E possibilidades me fizeram crescer 
Frente ao amor que me viu nascer
Meu berço eterno
Tesouro sem igual
Que dispensava riquezas 
Mas que ao redor da mesa 
Se fartura na simplicidade

Carrego memórias de uma vida feliz
Sou parte viva dessa história
De orgulho e raiz
Minha herança?
A sabedoria aprendida 
Ora com o olhar
Ora como silêncio dos meus avós
Quantas lembranças
Quanta saudade
Quanta sabedoria 
Que nenhum diploma poderia me conceber
Quanto orgulho

Suas vozes ressoam pelo tempo
Reverberam em minha vida
Meu sangue carrega o seu legado
E a cada dia me espelho nas lembranças
Para melhorar
E transbordar 
O que de melhor me deram
Naquele chão de vermelhão
Vermelhão de tanto amor


quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

Desenhos de Manuella


 
Hoje minha sobrinha e afilhada, Manuella de 7 anos, estava fazendo desenhos para vender. Mostrou-me vários e perguntou se eu queria comprar algum. O preço tava meio fora do mercado mas eu sugeri algo que fosse possível para ela vender rápido. Um real cada desenho tá bom para um início de carreira como desenhista mirim. Ela então se empolgou e até sua irmã mais velha, Lara, também se motivou a entrar na onda dos desenhos.

Questionei a Manu para saber o que aqueles desenhos copiados significam para ela. A pergunta foi complexa e acabei ajudando na resposta. Será que a cruz significa algo relacionado a Jesus e a do coração e da mão significaria o amor? Ela ficou pensativa e concordou. Pedi para olhar mais para os desenhos, pensar e depois me responder novamente. 

Para alguns religiosos donos da verdade talvez a cruz com uma touca de papai Noel seja uma heresia. Nesse caso "eu fico com a pureza das respostas das crianças" que, sem saber como expressar sua motivação e encantamento por aquele desenho, viu nele algo de especial e belo, ainda que não saiba explicar suas sensações e sentimentos. 

Dentre vários desenhos que ela me mostrou, fiquei com esses dois acima. Por mais que os desenhos foram copiados, além da intenção dela em ganhar algum dinheiro com essa tarefa prazerosa de desenhar e pintar, penso no que a motivou a escolhê-los. Não pode ter sido apenas pela facilidade em copiar. Há algo a mais, inexplicável em sua cabecinha, mas ainda assim que seus olhos vislumbraram uma beleza que chamou sua atenção.

Um dia, num futuro próximo, mostrarei os mesmos desenhos e farei a mesma pergunta: "o que esses desenhos significam para você Manuella?" Para mim, há um mix de simplicidade, inocência, dedicação, amor e belo nesses desenhos. A cruz com o gorro, uma mistura de fé, sonho e possibilidades. A mão que com dedos nessa posição, simbolizando um coração, tão simples quanto o amor deveria ser. 



Te amo princesa!

terça-feira, 11 de janeiro de 2022

Recortes & Rascunhos I - Partes inteiras



Triste palco

Meu palco sem luz

À meia luz

Ilumina minha metade

E espera minhas partes

Para eu ser todo

Não se vive um monólogo 

 

Agonia I

Aperto em meu peito

Uma agonia esmagadora

Falta ar, falta vida

Falta meu pequeno

 

Agonia II

Acompanha essa minha agonia

A falta de minha pequena alegria

Que cresce longe de minha companhia

 

Amor que dói

Meu silêncio é todo amor

Mas também lembranças de dor

 


Recortes & Rascunhos II - Lágrimas



Chuvas e lágrimas

Chuva cai lá fora

Minhas lágrimas aqui dentro

Ambos escorrem

Lavam

Levam dores

Regam lembranças

 

Tempo e desconstrução

Eu, por um momento 

Volto no tempo

Desconstruindo maldades

Com sólidas verdades

Preenchendo o vazio

Com amor

 

Mágoas e lutas

Mágoas geram dores

Que geram sofrimentos

Que criam raízes

Que corrói e destrói

Que enlouquece

Mas o morto ainda vive

E luta

 

Fria e seca

Não nasci pra esse mundo

De covardes e mentirosos

A ****@ fria e seca

Jogou o jogo da mentira

Manipulação e morte

Porque nunca teve amor

Nem de berço

Nem o meu

 


Recortes & Rascunhos III - Partidas e Despedidas



O equilibrista

A vida vale a pena 

Mas eu entendo a dor e a necessidade

De quem antecipa sua partida

 

Travessia

Pego o trem 

Desta vez da partida

E parto como se já não precisasse chegar

Meu lugar não está na partida

Nem na chegada

Vivo o pouco que me resta

No meio dessa louca travessia

 



Recortes & Rascunhos IV - Amore's



Êxtase

Minha pior e maior embriaguez 

Foi a de amor

A melhor também...

 

Vento

Bate o vento sobre a pele

São toques sutis 

Que a saudade me trouxe

 

O equilibrista II

Entre a dor e o amor

Entre a saudade e a solidão

Amar e não poder amar

Desejar e realizar

Somente no sonho

Ao morrer para a realidade

 

Solitude

Amo em silêncio

Na solidão de meus desertos

Sorrio em meio às dores

Choro quando as luzes se apagam

É aí que eu me acabo

Morro

E por destino, insistência ou penitência,

Às vezes renasço

 

Águas

Pudera eu simplesmente ser água

Seguir para o rio

Do rio para o mar, 

Ser eu em meio a tantos 

E de repente

Nessa imensidão de água

Te encontrar 

E me afogar

 

Vida por trás das vidas

A dor que o sorriso esconde

O tempo do amor que espera

São vidas paralelas e de essência

Em meio ao caos da aparência

 

 

 


quinta-feira, 6 de janeiro de 2022

Amor não se cria, ou se tem ou é vazia



Vagueia perdida entre os escombros da vida

Minh' alma que se recupera das lutas vividas

Na escaldante solidão dos desertos incertos 

Em que no sonho irreal a dor é o concreto 

O grito interrompido pela espera no tempo

As lágrimas que banham minha face ardente

Face ao veneno trazido escondido

Nas facetas da vil e ardilosa frieza

Que sem pudor usurpou sem meu consentimento

Cenas e capítulos da minha "pequena" alegria

Jogou injúrias e calúnias ao vento

Mas jamais teve a impetuosa destreza

Para punir a quem de fato lhe causou sofrimento

E cobrar a quem lhe virou as costas no momento

Preferiu transferir a sentença

Por saber que seu próprio jeito frio de ser

Ao meu amor jamais conseguiria fazer frente

Pois a mim que fui criado no amor e na simplicidade

Daria e dou minha vida a bem da verdade

Mas para aquela que nunca soube amar

Porque nunca fora amada

Sobrou-lhe da vida a desilusão

E mesmo que tenha lutado 

Para viver uma vida ao meu lado

Não passava de mentira inventada

Para realizar seus caprichos

Às custas do amor que tenho aos meus

Mas para aquela que nunca soube amar

Porque nunca fora amada

Pois ao invés de ser protegida e cuidada

Por aqueles que deveriam

Fora simplesmente abusada e desacreditada

E um dia será desmascarada

O preço justo no tempo pagando

E em seu próprio veneno se afogando

A vida dá, a vida ensina

A vida tira, a vida é traquina

Se tem algo que o ser humano pode é poder

Mas o que ele não pode é ferir para se satisfazer

Passe o tempo que passar

Que eu tenha que morrer

Um dia a cobrança irá lhe chegar

E onde quer que eu esteja 

Estarei assistindo sua derrocada com certeza

Brindando com meu próprio sangue

À luz de vela, ou de minha alma...

Tentou inventar amor mas falhou sem alegria

Amor não se cria, ou se tem ou é vazia


Fragmentos de vida e de morte


E como seria "uma vida pós suicídio"? 

Seria esse um tema para se discorrer após a partida antecipada? 

Causada pela injusta e cruel desumanidade e frieza?

Ninguém nunca saberá quem de fato

Ou o que de fato, aconteceu aqui dentro...

Minha vida sempre será uma incógnita... talvez!? 

Meus amores, minhas dores, em fragmentos, em porções 

Só se revelam por inteiro a quem de fato o amor merece: 

Meus filhos e àquela que me tentaram proibir...

Mas dentro das prisões que nos cercavam 

Nós fomos libertados em cada minuto de conversa, 

De olhar, de encontros 

Possíveis encontros que nos transportavam

Para uma dimensão única

De alegria, de paz, de amor

De deleite e desejo, paixão, de trocas e cumplicidade 

Em que nenhuma atmosfera externa podia nos afetar...

Dentro dos meus fragmentos eu sou inteiro, 

Eu me refaço, me multiplico

Em doses de amor para quem eu amo, 

Ou em doses de ódio para os meus algozes 

E a ela que jogou o jogo mais sujo

Por ter sido vítima de seu próprio pseudo-herói

O meu total desprezo

Quem vê apenas meus recortes

Estampados em sorrisos e olhares

Jamais consegue enxergar meus cortes...

Quantos cortes existem aqui dentro...

Quantas dores, 

Quantas batalhas, 

Quantas lágrimas empoçadas 

Lá no fundo da alma

Que talvez só a dor da morte

Para a plena libertação para vida...