domingo, 25 de dezembro de 2022

Papo de irmãos: "despojar-se de si"



Véspera de Natal de 2022. E como de costume, tradição, eu e meu compadre Fábio, falávamos ao telefone. Nossa comunicação é constante e é como aquele livro gostoso de se ler ou aquela série que nos prende, não importa se paramos alguns dias de ler ou assistir, quando nos conectamos não existe hiato temporal em nossa amizade. Vale ressaltar que somos compadres por duas vezes, fui seu padrinho de casamento e ele padrinho do meu primogênito Felipe. Entre brincadeiras, zoeiras, palavrões vulgarmente carinhosos de amigos e felicitações, caímos em mais um papo sagrado, mas dessa vez sobre O Sagrado. Como parceiros, amigos, companheiros e irmãos pela vida, outras vidas, noutras épocas pelo tempo dessa estrada, nos reservamos o direito de falar aquilo que percebemos faltando ou sobrando no outro. Sempre achamos o meio certo de expor a nossa percepção, esta que se insurge em nosso íntimo em forma de um cuidado especial. Sempre descobrimos um sentido diferenciado que as vezes só percebemos ao longo dos dias. 

E como irmãos, presente da vida para a vida, o ato de preocupar com o outro nos dá as condições necessárias de chamar a atenção quando necessário pois, elogiar quem a gente gosta é fácil mas, ter coragem de puxar a responsabilidade de cuidar do outro é para poucos. Cuidar implica também ser contra, questionar, chacoalhar no sentido de alertar os prós e contras da inércia em que nos encontramos, seja um engessamento no lugar, seja um movimento desenfreado, ambos com riscos iminentes. 

Entre papos e frases aleatórias que trocávamos, eis que surge um questionamento do meu amigo sobre a minha espiritualidade, o contato direto com o Sagrado sem adentrar o quesito religião, ou seja, religiosidade sem denominação religiosa. A abordagem direta de sua parte foi sobre minha crença em Deus e a possibilidade de dar-me o direito de ausentar-me do mundo e conectar-me com o Sagrado, sem envolvimento com trabalhos, apenas eu e o Divino. 

Suas dúvidas em relação ao meu pensamento sobre tal assunto eram palpáveis, explodiam em seu olhar e se manifestavam em palavras ditas com muito cuidado, carinho e sentimento. Adentrar num terreno desses, um terreno amigo porém alheio, em que se mexe no íntimo do outro, não é pra qualquer um. Mas, nossa amizade tem uma potência que ultrapassa barreiras e isso não abala as estruturas. Ele tinha a necessidade de saber como estava minha vida longe do contato com o Sagrado, que a seu ver, necessita de uma intimidade maior e a sós com o Divino, longe do mundo. Expliquei-lhe que tenho uma conexão com o Sagrado mas de outra forma, na figura de cada próximo que cruza meu caminho e isso está longe das paredes de qualquer instituição religiosa. 

Mas, com toda sensibilidade e respeito, ele me contou de sua experiência e isso foi concreto para mim, Trouxe-me um alento de esperança para uma reconexão com a Vida, o Divino, o Sagrado, Deus. Ele ainda falou algo que, com certeza, poucos entenderão: "precisamos nos reconectar com aquele Deus da Cantizani". Comunidade de Nossa Senhora Aparecida, na vila Cantizani, Piraju-SP, foi o local onde demos nossos primeiros passos dentro da igreja Católica. Missas, catequese, grupo de canto, grupo de adolescentes, grupo de jovens, retiros, encontros, coordenações, teatros, vigílias, serenatas, trabalhos diversos, enfim, muita experiência que é a nossa base para os dias atuais. Entendi então o convite através de sua experiência: resgatar o "eu", ainda certamente inocente para a vida, mas com ânsia de viver, que não se afastava do Sagrado, das raízes, do alicerce... Não podemos esquecer os passos dados dentro da travessia de nossa história.

O que ele me contava era mais que uma história ou experiência, mas um convite a viver algo íntimo, de reconexão com o Sagrado, em que possamos ser apenas o "EU e DEUS", sem pretensões extras em qualquer tipo de envolvimento dentro da comunidade religiosa. E claro que, dentro de nosso momento de pura transcendência num simples diálogo de amigos, percorremos por várias direções do pensamento mas a linha mestra que norteou esse tempo que nos demos um ao outro, foi no intuito mais puro desse meu irmão dividir algo que ele já sabia, poderia ser grandioso para mim também tanto quanto tem sido pra ele. 

O caminho que ele fez para chegar no lugar de onde fala precisou sim se desconectar do mundo, dos afazeres, das atribuições e cargos que ocupa para ser simplesmente ele, aquele menino crescido na Cantizani, com uma fé enraizada na simplicidade e, assim, se reconstruir a partir de experiências da base, do alicerce e do presente. A palavra que, por unanimidade, marcou esse bate papo foi "despojo". Despojar-se de si para adentrar o solo sagrado da pura intimidade e privacidade com Deus. "Ali eu sou apenas o Fábio, da Cantizani, sem pretensões a não ser o de agradecer, rezar, pedir junto a Deus e Nossa Senhora Aparecida", disse meu amigo. 

Apesar de estar sempre me conectando com o Sagrado, Deus, através da intimidade com o próximo que cruza meu caminho, que ao meu ver é um ato concreto de manifestação do Divino, senti na experiência retratada no olhar e no tom de sua voz, do meu querido compadre, algo mais que especial que iam além das palavras. E foi esse sentimento, o do "despojar-se de si", que me fez refletir sobre o meu momento atual e, a partir daí, dessa nossa conversa, senti a necessidade de me permitir experimentar, sem amarras e sem ambições, uma nova forma de viver a experiência do despojo de si para encontrar o Sagrado que habita em mim. 

Papo de irmãos: pra sempre. 








sexta-feira, 23 de dezembro de 2022

Espelhos: portal, retrato e conexão



Na inebeleza das imagens refletidas nos espelhos
Qualquer um que me faça deparar com pensamentos
Sinto e enxergo a reciprocidade do olhar encontrado
Côncavo e convexo numa dança de sentimentos

O espelho que se tornara portal dos olhares
Transmitindo o fogo cruzado do desejo e da paixão
A necessidade ardente do contato imediato
Sem perder a essência, somente a razão da emoção

Em qualquer espaço em que a imagem se reflete
O pensamento acelera e se transporta no tempo
Num tom de miragem a saudade se converge
E corre ao encontro, aquele encontro que não se encerra num momento

O espelho foi a comunicação não verbal mais profunda
Que perpetuou tantas declarações em olhar
Em meio às aparências frias de gente sem essência
Enquanto nós fizemos do amor o nosso altar

Na sensual dança dos corpos, côncavo e convexo
As peles se deslizam enquanto as almas se enamoram
Os corpos se entrelaçam e se encaixam despretensiosamente
Enquanto a respiração se ofega e os corações se descompassam

O espelho é o retrato que revive cenas de olhares e sorrisos
Que coravam tua pele no disfarce displicente
E hoje me alivia quando miro em meu olhar refletido
E reencontro seu semblante em paisagem à minha frente



terça-feira, 6 de dezembro de 2022

De almas e de rios, encontros



E quando me recobro da realidade
Sentindo-me deslocado da sociedade
Que padroniza religiosamente seus seguidores
Que crucifixa descaradamente seus opositores 
Escondendo suas fraquezas em recalques e tabus
Mantendo firmes suas regras, suas guerras 
Exalando preconceitos em nome de pseudorreligiões 
Condenando a pecados de dor, sem amor
Tudo o que não se enquadra em seus hipócritas padrões

E quando me reencontro dessa dura realidade
Sem padrão que me enquadre
Sem religião que me prenda
Sem senso que me cale
Sem preconceito que me oprima
Sem sombra que me pese
Sem dogmas que me ceguem
Sinto apenas o saldo das labutas
Sangue, suor e lágrimas de tantas lutas

E me vejo um forasteiro privilegiado
De tantas amarras libertado
E o que sobrou é tudo o que carrego
Aquilo que sou na minha mais íntima essência
Recortes de alegria, de sorrisos, de amigos
Amor, amores, cheiros e sabores
Porque o sentido desse mundo é sermos
Especialmente, uns pelos outros
O que seria dessa travessia sem a devida empatia?

Do mais, não quero ter aquilo que possa me definir
Nem status nem poder, nem matéria nem miséria
Principalmente aquela que mata de fome a alma
Quero continuar sendo o que sempre fui
"Nem melhor nem pior, apenas diferente"
Ser voz onde falta vez
Dar vez onde falta olhar
Ser olhos onde as palavras cegam
Verbalizar onde tentam calar a voz

Sou partida e sou chegada, mas antes de mais nada
Sou travessia e estripulia, intensidade e movimento
Sou deserto, sou paisagem, sou montanha, sou passagem
Sou verbo, de ação e ligação
Sou razão mas, emoção e coração
Encontro constante, de rios e de almas 
E de tudo o que já fui, só quero continuar sendo
Eterna construção do melhor que eu possa ser
Sou poeta e menino protagonizando meu próprio tempo

Silêncios vazios


Meus vazios, ora preenchidos com silêncio
Encurtam as asas do meu pensamento
E escancaram amores, flores, dores
De vidas em sonho ainda esperadas

Meu silêncio, ora preenchido com vazios
Encurtam os pensamentos de minhas asas
E escancaram dores, flores, amores
De sonhos em vida ainda esperados

Minha vida, ora preenchida com silêncios e vazios
Bate as asas do pensamento libertado
Escancarando recortes de cenas
De vidas sonhadas em meio a flores, dores, amores

Minha vida, ora desocupada dos silêncios e vazios
Bate os pensamentos das asas libertadas
Escancarando cenas recortadas
De sonhos vividos em meio a amores, flores, dores

segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

Vôlei: acolhida, empatia e respeito



A palavra é "acolhida". Quem chega numa terra estranha, num lugar diferente, num grupo desconhecido, sempre se vê perdido em meio a tantos rostos novos. O clima, o ambiente, as pessoas, tudo é novo. Geralmente cabe a um líder, ou alguém de mais empatia e sensibilidade quebrar o gelo e dar as boas vindas. 

Empatia, é dar o respeito merecido ao ser humano que chega ou que parte. Um mínimo de olhar para com quem se achega ao ambiente, ao grupo. É isso que geralmente falta em muitas denominações religiosas. 

A partir da teologia, posso dizer que já estive em diversos meios cristãos: linhas de frente, bastidores, grupos de massa (aqueles que querem te converter pela emoção forçada e forjada), e os grupos de base (os quais sempre centraram minha travessia e ajudaram a alicerçar o meu senso-crítico). 

Através da psicologia, venho me atentando, interiormente, esforçando para ter um olhar de acolhida, respeito, empatia, aceitando o diferente que me ajuda desconstruir e reconstruir-me cada vez mais humano.

Enquanto pessoa, luto para ser voz diante de tantas vozes sem vez, fazendo a minha parte num mundo hipócrita que cobra justiça e torce pela guerra. A luta é contra as máscaras-maquiadas que se matam pelo poder, sejam elas religiosas ou políticas. 

Através da poesia, eu me permito sonhar, ter fé, e coragem de lutar. Ela me conecta com as ciências, me  permite a transcendência entre os universos do sonho e da realidade. A poesia me faz ver a justiça em pé de igualdade, é arma de amor contra o ódio estipulado pelas religiões de poder. Ela anuncia, denuncia, ama, abraça, e acolhe as minorias. É a conexão entre ciência, fé, sonho, realidade, amor, coragem, luta e perseverança. 

Trago comigo um álbum de recortes de sorrisos, olhares de empatia, palavras de acolhida, alegria, determinação, em meio a gritos de vitória em cada passe que permite um bom ataque. 

Poesia e esporte, mais uma base que alicerça minha caminhada. Não foi fácil chegar até aqui. Em vários momentos eu me vi parando em qualquer estação da vida, e me encostando sob uma sombra qualquer à espera do tempo e do fim... Mas, não era pra ser assim. E não foi! 

Entre lágrimas de desespero, e abraços de coragem, cá estou. Um sobrevivente de lutas invisíveis, de sofrimentos palpáveis como a de qualquer outra pessoa. Vi muita gente abdicar de sua existência por não se enquadrar em nenhum modelo ou padrão social. Porque pra você existir, ser reconhecido, precisa fazer parte de regras arcaicas as quais os hipócritas julgam ser morais e de bons costumes. Querem nos enquadrar naquilo que os donos do poder consideram como normal e são. 

Não quero ser normal pra me enquadrar. Prefiro a insanidade de quem pensa por si só. Um maluco beleza e pronto. Só quero ter a liberdade de escolher o meu próprio padrão. Não quero seguir modas. Quero só o tempo para viver ao lado das pessoas que me fazem bem, que eu gosto, que eu amo, e juntos praticarmos seja a teologia, seja a psicologia, seja a poesia, seja o esporte, seja um mix temperado com muita alegria, respeito e amor. 

É isso. Voltar ao vôlei me trouxe vida, sobrevida de um tempo difícil. Encontrar pessoas alegres, que deixam suas armaduras de lado quando entram em quadra me fez olhar ainda mais a fundo o ser humano. É possível fazer a diferença com poucas coisas, em pequenos gestos. É sobre isso: acolhida, empatia, respeito. E são essas as palavras que me trouxeram até aqui para agradecer a cada um e cada uma que pisa nessa quadra. 

By 
Vôlei Roosevelt
Vôlei Corujinha