domingo, 31 de dezembro de 2023

Brevitudes e Brevidades: um novo tempo

 


Sobre a brevitude do tempo, sobre a brevidade da vida, sobre , em especial o que não deu certo. Porque é a partir da experiência do que não deu certo, que construímos nossa base, solidificamos nossas estruturas e nos fortalecemos para a vida. As experiências positivas são sempre colocadas num quadro e mostradas, muitas vezes feito troféu. Já, o que não deu certo, e que precisou ser ressignificado fica no calabouço do nosso íntimo e, vez ou outra, abrimos a porta desse quartinho secreto e revisitamos o passado como quem vê um álbum de fotografias, passando por algumas fotos de maneira rápida e noutras se deleitando, nostalgiando, sentindo a emoção, a dor, a saudade, e o que de fato causou sofrimento. Afinal é um quarto de despejo do nosso íntimo e que vez ou outra requer uma visita, uma limpeza e um esvaziamento. Alguns fardos precisam ser jogados para fora.

Último dia do ano, e lógico que paramos para repensar em alguns passos dados, outros que poderiam ser evitados. Fazemos isso sempre, mas parece que nessa data, final de ano, esse processo é mais intenso e a reflexão alcança um passado mais distante. Somos seres que carrega marcas, histórias, cicatrizes, etc.

Fato é que, fazendo nossa auto análise, sempre nos cobramos mais e mais. Poxa! Poderia ter feito assim ou assado, poderia ter virado à esquerda ao invés da direita, poderia ter parado, respirado e retornado até o ponto inicial e quem sabe recomeçar de forma mais tranquila. Muitas vezes focamos tanto na chegada ao topo da montanha que esquecemos de apreciar a paisagem ao seu redor, em cada volta. Como disse Guimarães Rosa em Grande Sertão Veredas, "A vida se dá é no meio da travessia".  Entre começos, recomeços, partidas e chegadas, é que tudo acontece. De que vale focar tanto no futuro se o presente está passando despercebido, sem vida e sem a devida atenção?

De fato qual o sentido de tudo isso? Qual o sentido em acordar, seguir as rotinas, dia após dia, nos relacionar, objetivar ganhos, lucros e conquistas, se tudo acaba sendo tão passageiro? Voltemos à frase de Guimarães Rosa: a vida se dá... E aproveito para uma frase que ouvi de um grande sábio da vida: "nessa vida, nesse mundo, somos uns pelos outros." Pode até soar como demagogia, e pode ser se assim você sentir. Mas, ao contrário, para mim tem um valor grandioso, pois quem me disse não foi nenhum filósofo renomado, nenhum doutor certificado, foi um simples carpinteiro que me socorreu quando um cano de água estourou. Sendo vizinho, ele não quis me cobrar pelo serviço, fora de hora e em dia de domingo. Mesmo forçando colocar um valor no bolso de sua camisa ele apenas me disse essa frase que, com muito carinho, levo para a vida. Esse é o sentido de tudo.

E é a partir das relações que criamos ao longo dos dias, dos anos e do tempo que aprendemos o valor das coisas simples, como o de uma boa amizade regada de grandes risadas, ou mesmo uma companhia para os momentos de silêncio e solidão. Aprendi muito esse ano, descobri novas aptidões, fiz novas amizades, desfiz algumas que considerei desnecessárias, uma vez a relação é como um barco de dois remos, é impossível navegar pelo mar da vida remando sozinho. Você gira em torno de si mesmo.

Faculdade e academia estão no topo da minha lista de grandes realizações. Considero como essenciais para o meu dia a dia. Estar no ambiente acadêmico é tão prazeroso quanto estar na academia malhando. Conhecemos pessoas, construímos relações, nos identificamos com os gostos alheios, nos afastamos quando não há empatia e, está tudo certo. Existem convergências e divergências e, novamente, está tudo certo. Gostos são gostos, e cada um tem o seu, bem como preferências de pensamentos, de comida, de time, etc. E ainda bem que existem as diferenças na forma de pensar e de ser, pois imagina um mundo inteiro apenas na cor cinza! Que caótico seria! Para além das divergências necessárias, o respeito é tudo. Respeitar o gosto alheio, o espaço e as opções é o que nos move para uma travessia mais completa, serena e em paz.

Se for olhar para o saldo, o meu em particular, penso que foi mais baixo do que alto, mas considerando as relações construídas durante a travessia de 2023, sinto que fui grandemente abençoado. E nesse último dia do ano, deixo aqui os meus sinceros votos de felicidades, paz, sabedoria e amor. Obrigado pelos momentos vividos, pelas palavras deixadas ao longo dos dias, pela presença, pela companhia, pela empatia ou simplesmente pelo "bom dia".

Obrigado amigxs da Performance!
Obrigado amigxs da Psicologia!
Obrigado amigxs das Tardes Leves!
Obrigado amigxs da Vida!
Obrigado meus filhos, sobrinhos, família!

Que venha 2024!

terça-feira, 12 de dezembro de 2023

E quem disse que deu certo?



E quem disse que deu certo? 
Temos a grande mania de julgar, se uma relação se inicia da noite para o dia e parte para um envolvimento mais sério, nós julgamos. Se uma relação demora muito tempo para se efetivar, e partir para algo mais sério, como noivado e casamento, nós também julgamos. Qual é o tempo certo? Qual é a nossa média padrão, e baseada em que? Se for aquela média baseada nos nossos familiares mais antigos, pais, tios e avós, que tiveram relações duradouras e, talvez, a única relação em suas vidas, 30, 40, 50 ou mais anos de convivência, de matrimônio, isso significa que deu certo? Sim. Mas, pode não ter dado certo também.  

Quem disse que ser duradoura significa que deu certo? 
Sabemos o quanto as relações foram sufocadas pelas regras sociais e familiares impostas, em épocas em que o conservadorismo falava muito mais que o próprio sentimento; épocas em que era muito mais valorizada a moral, os bons costumes sociais e familiar, na qual as relações eram obrigadas a se manterem em pé, disfarçadas, porém não vivas, mesmo que fosse ao custo do sacrifício e da infelicidade, principalmente, da mulher. 

E quem disse que deu certo? 
Isso não é um convite tampouco uma instigação às relações curtas e sem compromisso, ao contrário, é uma convocação à reflexão de que tudo o que não gera felicidade, não gera paz, e acaba se tornando uma prisão, está longe de ser uma relação. Portanto, partindo da reflexão, partindo da escolha pela liberdade de viver sentimentos libertadores e com reciprocidade, envolve muitas vezes, mudanças radicais, cortes com regras sociais para então ressignificar sua vida, sua existência, e se permitir viver o seu propósito, criando o seu próprio padrão de existir. 

Apesar da febre ultraconservadora, as lutas em diversas áreas e seguimentos, tem proporcionado mais voz a quem antes não tinha sequer o direito de voto. Isso não é apenas romper padrões. Isso é romper com o silêncio sentenciador imposto pela sociedade patriarcal, com base forte na religião e na política. Hoje já conseguimos saber de relacionamentos com 30 ou mais anos que romperam. Gerações mais novas estão mais fortes para essa tomada de decisão, quando necessário. 

E quando essa atitude é considerado necessária? 
Quando o respeito é deixado de lado, principalmente. Quando o desrespeito impera, o sentimento já era. Se não houver algo que interrompa esse ciclo constante e impeça a reincidência, para o bem da relação, a tendência é uma espiral descendente para um fim único, de agravos e até possíveis tragédias. 

A cultura atual, tem ajudado as mulheres e outras minorias a conseguirem visibilidade, voz e vez. Com tanta exposição de casos fatídicos de relações com fins trágicos e, outros casos em que se conseguiu quebrar as correntes da prisão tóxica e se libertar para a ressignificação da vida, têm contribuído para que as pessoas, em especial as mulheres, não se permitam mais viver sob a custódia de um pseudo-conservadorismo que facilita a vida do homem, mantém o estigma do patriarcado que, por sinal, é retirado aleatória e ignorantemente de contextos religiosos (bíblicos) e validado por uma política machista ultrarradical que deturpa o real significado do que é relação e família, enquanto a mulher ainda é mantida no cárcere da submissão, da insignificância sob a tutela de um discurso falido, medíocre e hipócrita.

Por outro lado, deu certo sim. Deu certo enquanto houve reciprocidade, enquanto durou e até o momento em que não houve danos colaterais.


Ailton Domingues de Oliveira
Adm ∞ 
Teo ΑΩ 
Psic Ψ (acadêmico)
Escritor & Poeta
*Pós Graduando em Psicanálise, Coaching e Docência do Ensino Superior
@psicriarts_ailton
@escritos_em_tempos
@teologia_para_insatisfeitos

terça-feira, 5 de dezembro de 2023

Resenha: Léo e Croods 2

Vejo a correlação entre assuntos, ou entre abordagens, ou entre ciências como uma verdadeira arte, seja para que se validem diante de suas convergências ou discorram nos contrapostos em suas divergências. Tudo pode se tonar um lixo ou um luxo, um descarte ou uma arte. E isso vai depender única e exclusivamente do olhar despojado de estereótipos mas enriquecido de sensibilidade. É coisa de alma que movimenta a carne.

Sem mergulhar nos detalhes das cenas de ambos os desenhos, deixo isso para quem ainda não assistiu de maneira intensa e que o faça sem ressalvas de ser feliz, tal qual a expectativa de uma criança, me proponho a focar apenas nas mensagens que tocaram de forma simples e profunda. Rubem Alves sempre traz a importância de enxergar o mundo pelo olhar inocente das crianças, que criam seus próprios mundos imaginários, de fantasias e são livres e felizes para realizarem seus maiores sonhos ali em suas brincadeiras. Que assim seja para todas e todos que se permitirem a percorrer esses desenhos.

Croods 2 é extremamente divertido e ressalta sempre, na maioria das cenas, a importância da união, da reciprocidade, do cuidado com os que amamos, e em especial sobre o estar não apenas sempre juntos mas unidos sempre. Para além dessa mensagem, algumas situações de relações entre pessoas e povos diferentes, preconceitos e até discriminação perpassam pela trama animada. Quando a ganância prejudica a natureza, tudo entra em desequilíbrio, o que só é restaurado diante da ajuda mútua, da cumplicidade, do respeito, da amizade e do amor. 

Leo é um lagarto quase octogenário que vive numa espécie de aquário sem água, ao lado de seu amigo tartaruga que também se encontra na terceira idade. Eles são parte integral de uma escola infantil e atualmente estão na sala da turma do quinto ano. Outros pequenos animais ficam em outras salas. Na necessidade da atual professora ser substituída, devido à sua gravidez avançada, uma outra professora, autoritária, com pedagogia arcaica e pouca paciência, assume a turma. Em dado momento, a professora substituta faz com que cada aluno leve um dos animais para sua casa no final de semana. Até então a relação criança e bichos era simplesmente natural. O lagarto foi o primeiro a ser escolhido e levado e é aí que começa toda a trama de fato. A interação do bichinho com as crianças se dá de forma didática, educativa e ele acaba sendo uma espécie de psicólogo para com cada um, inclusive com a própria professora substituta. 

A arte da correlação vem agora, no sentido de me permitir enxergar o quanto é importante e saudável cultivar boas relações que nos permite crescer, evoluir e voar, se preciso. Bons alicerces nos dão segurança para voos cada vez maiores, mais altos. Tudo o que não serve para nos libertar, corre o risco de nos oprimir. E é com essa leveza do olhar da criança que devemos sempre questionar os passos que deveremos dar, bem como nossas escolhas. Nada melhor do que a pureza e a sinceridade infantil para nos ajudar a nortear nosso caminho e nossa existência, para que não seja em vão. Permita-se viver! Permita-se à alegria de viver! Permita-se...

Um dedo de prosa, um cheiro de rosa



Um dedo de prosa
Uma dose de café
Companhia para um silêncio sem destino
Uma gota de água da chuva que cai
Na inocente pétala, no deserto, da rosa 
Que não esconde seus espinhos no pé
Ora indecente, atrai com seu cheiro traquino
A companhia de um olhar que ao seu encontro vai

Rosas e prosas, espinhos ou carinhos
Nem melhor, nem pior
Nem futuro, nem passado
Nem de longe, nem ausente
Na solidão, um abraço pelo caminho
Pra reconectar o que há de melhor
E deixar os excessivos fardos de lado
E agarrar a alma de quem se faz presente

Sem luto pelo que morreu sem ter vivido
Do que plantou ausência não resta nem pó
Eu luto, a batalha, no aqui e no agora
Vivo a esperança no olhar que cativa
Não me importa mais o elo perdido
Nem quantas léguas eu andei só
Não me importa quantas guerras eu vivi lá fora
O que importa é quem está comigo na trincheira da vida

quinta-feira, 30 de novembro de 2023

Resenha - O Martelo das Feiticeiras


Essa obra retrata, logo em suas primeiras cinquenta páginas, o quanto a mulher tinha um maior papel de destaque e importância em outras épocas, e aborda sobre como o patriarcalismo foi tirando-a de seu protagonismo, deixando-a em segundo plano, e colocando o homem como centro de tudo, seja na sociedade, na família, na política e em especial nas questões de fé e nas religiões. Vale muito a pena essa leitura, sem contar que esse livro retrata como e porque muitas mulheres foram consideradas bruxas e, por tal, condenadas e sentenciadas às mais diversas penas de morte, como a fogueira, forca e outros mais atuais como o apedrejamento. Sendo tudo isso de responsabilidade da famosa "Santa Inquisição", ministério da igreja católica na idade antiga e média, e atualmente extinta. Em sua segunda parte, esse livro traz o manual da inquisição:  como reconhecer as consideradas bruxas, sentenciá-las e aplicar-lhes a pena devida.

quarta-feira, 29 de novembro de 2023

Resenha - O velho que acordou menino


 

Rubem Alves é sinônimo de leveza, nostalgia, saudade, simplicidade e vida. Nesse livro ele faz uma verdadeira travessia pelas coisas de antigamente, com assuntos de família, fé, brincadeiras de criança, superação, curiosidades e muitos causos ouvidos e recontados. Uma leitura tão fácil quanto saborosa que nos remete a pensar e refletir sobre o quanto podemos ser felizes degustando da companhia dos que amamos. É nesse seio de amor, amizade e companheirismo que as histórias se tecem e se ajuntam ultrapassando gerações. Uma verdadeira colcha de retalhos de histórias vividas e que nos coloca como protagonistas em cada cena descrita.

segunda-feira, 27 de novembro de 2023

Resenha - O universo tem uma queda pelos corajosos



Tenho certo receio com livros de auto ajuda porque quase não há nada de novo. Mudam as fórmulas de trocadilhos, alteram alguns verbos e no final a soma dos catetos é simplesmente igual a hipotenuza, e pronto. E ponto! 

Porém, tenho imenso respeito quando alguém tira um tempinho pra escolher um livro e me enviar. Mais carinho e admiração se essa pessoa já leu a obra e identificou frases, pensamentos, pontos importantes que considera me interessar. Dar um livro é dar um pouquinho de si, um pouquinho do que gostou, cativou, sentiu... É dividir o que está além de gestos e palavras.

Nessa obra, dois detalhes importantes a seguir: 
✓ Primeiro, achava que era mais um autor do tipo que surfa as ondas midiáticas com frases de efeito, estratégia muito usada por celebridades do colching (ismo) de impacto. Confesso que me enganei, "Wandy Luz" é escritora e jornalista. Já gostei demais. 
✓ Segundo, o conteúdo traz uma pegada artística, leve, fácil de degustar, devorar e compreender. Há retratos escritos de caminhos já percorridos pela autora e de outras que a precederam. Um verdadeiro resgate de auto estima ao ser humano e um olhar especial e dedicado às mulheres. 

Em suma, as linhas dessa obra são pinturas, versos sem rima, uma verdadeira poesia anunciadora, libertadora e protetora, capaz de dar notas, cores e atitudes transformadoras a quem assim se permitir.

terça-feira, 21 de novembro de 2023

Costuras, tempo e psicologias

Fonte: https://patchworkdasideias.blogspot.com/2011/08/patchwork-de-ideias.html

Chegamos aqui no acaso de uma travessia
Destinos de vidas forjadas na dor, na alegria
Protagonistas das lutas de nossas histórias
Presenças, ausências e sonhos em nossas memórias

Nascemos, crescemos, vivemos mas, nunca a sós
As dores do mundo não poupam a nenhum de nós
Recortes do tempo vivido se tornam retratos
Momentos, partilhas, amigos: colcha de retalhos

Costuras são laços que a vida nos deu de presente 
Sentimentos de cores, tamanhos, formas diferentes
Lá fora perdura o que aqui se viveu de verdade
Assim escrevemos as linhas da nossa amizade

A vida tem ciclos, janelas, portas e passagens
Sentidos, perdidos, vividos com luta e coragem
Daqui ficarão as lembranças, nossas alegrias
Teatros, provas, relações: psicologias 

Aqui nesse mundo que só cultiva aparências
Mais caro e mais raro é quem mostra sua essência
Estamos aqui porque existe um sentido de fato
Somos uns pelos outros, cuidando e sendo cuidado

Enfim, não importa dinheiro, nem crença e origem
Mais certo que o certo é a morte, não escolhe roupagem
A terra é a mesma pra todos que a deitarão
Vivamos a vida, e que a morte não seja em vão

Direitos humanos pra humanos repletos de dor
Com pouco se faz quando a alma carrega o amor
Na luta dos que não tem voz somos resistência,
Esperança e mudança, uma chama de sobrevivência

Nascemos, crescemos, vivemos mas, nunca a sós
As dores do mundo não poupam a nenhum de nós
Recortes do tempo vivido se tornam retratos
Momentos, partilhas, amigos: colcha de retalhos

Momentos, partilhas, amigos: colcha de retalhos

Momentos, partilhas, amigos: colcha de retalhos





sexta-feira, 13 de outubro de 2023

"Não há cura para o que não é doença"



A frase, que é título desse artigo, "Não há cura para o que não é doença!", faz parte do texto do Núcleo de Diversidade de Gênero da Comissão de Direitos Humanos¹, que também fez parte da pauta da campanha criada pelo Conselho Regional de Psicologia do Paraná (CRP-PR) em 2017, ressaltando a importância de colocar a Psicologia a serviço dos Direitos Humanos e contra o conservadorismo

A campanha também se pauta na Resolução 01/99 do Conselho Federal de Psicologia², assinado por ninguém menos que Ana Maria Bahia Bock, presidente-conselheira na época. Tal Resolução "Estabelece normas de atuação para os psicólogos em relação à questão da Orientação Sexual".

Ainda, após grandes conquistas pela e para a Comunidade LGBTQIAP+, erguem-se grandes barreiras e obstáculos discriminatórios e preconceituosos, oriundos da falta de conhecimento científico bem como um estridente negacionismo para se conservar padrões sociais ultrapassados e que deixam à margem todas as pessoas que não se encaixam nas formas de relações consideradas normais.

Tanto no âmbito político quanto, e principalmente, no religioso, existem prós e contras. Não é uma luta em prol da vida e da dignidade humana diante do que a pessoa realmente é e da forma que escolhe viver mas, sim uma luta por poder, como descreveu Michel Foucault em Vigiar e Punir (1975) e Microfísica do Poder (1978): o poder de mandar e desmandar sobre os atos alheios. Não é uma luta de defesa mas  sim uma guerra de imposições. Imposições que vêm regada de ameaças de punições religiosas e sanções sociais com avais políticos. 

São várias formas de prosseguir esse texto, provando biblicamente, teologicamente, filosoficamente, psicologicamente, poeticamente, que simples e puramente "toda vida importa". Assim como o maior princípio deixado como guia para todxs os que seguem sua religião e ou filosofia de vida é o "amor ao próximo", o segundo maior mandamento bíblico, o grande erro que nos leva a um desrespeito por esse próximo é simplesmente o "não amor". E, esse "não amor", que restringe a empatia e o respeito ao próximo, por conta de suas orientações, escolhas, fé, etc, podemos chamar de "pecado" também. Sendo assim, "Pecado é não amar" (Cá de dentro - 2015).

E onde pode chegar a falta de uma orientação responsável seja de cunho religioso, político, social e principalmente profissional, para quem de fato esteja vivendo na corda bamba da vida, entre lapsos de sobrevivência neste mundo e a busca pela libertação de suas dores ocultas através da morte? Em que pese, como já dito acima, tudo pode beneficiar a vida humana ou ser um gatilho para que o pior aconteça. 

Um caso recente que me chamou a atenção foi o suicídio da influenciadora Karol Eller, 36 anos, que, suicidou-se no dia 12/10/23. Apoiadora política da extrema direita, acabou polemizando quando manifestou-se contrária às causas defendidas pela comunidade LGBTQIAP+. Segundo a imprensa, Eller, que era lésbica, "anunciou que tinha passado por "cura gay" no último mês. Ela estava participando de retiros religiosos e disse havia renunciado à sexualidade."³

Conheci uma pessoa no interior de SP, vítima das drogas, fez um retiro espiritual de três dias consecutivos e no final considerava-se liberto e convertido literalmente no caminho do cristianismo. Comentava que sua meta era ser um pregador da boa nova de Jesus Cristo. Até aqui tudo certo e bonito de se contemplar e apoiar. A questão é que, era urgente um acompanhamento de profissionais que lhe dessem o suporte e a direção adequadas para sua sustentação na luta pela libertação do vício. Não o fez, não teve, não buscou e, talvez, não soubesse... Mas o resultado foi que, em menos de dois meses ele estava de volta às drogas e dessa vez, muito pior. 

Karol Eller passou pela experiência religiosa de sentir-se, não curada, mas disposta e apta a renunciar aquilo que é considerado errado para os padrões normais da sociedade e pecado para o cerne de algumas religiões de cunho fundamentalista e ultra conservador. Mexer com questões dessa dimensão implicam muitas coisas, entre elas a responsabilidade por parte de quem lidera tais encontros e cultos. Isso começa com a liderança e vai para altos escalões da hierarquia religiosa. Todxs são responsáveis diretos e indiretos. 

É preciso entender a dor, o trauma, a angústia e os anseios do ser humano antes de prescrever alternativas para uma cura, uma pseudo cura, uma renúncia de si, antes de traçar caminhos únicos, regras propriamente ditas, com o intuito de manter a pessoa enclausurada em si, com dores inimagináveis diante de seus flagelos de renúncias. Cada ser em si é único e merece o devido respeito em sua jornada. Não há uma fórmula comum para padronizar a todxs. Entender que um encontro, ou um retiro espiritual de vários dias, em que todxs os presentes se fortalecem diante do objetivo, se sustentam mutuamente é uma coisa, mas quando encerra-se a euforia dos dias de cantos e orações, aí começa a realidade. Não é uma crítica às religiões, nem à forma de seus cultos mas sim uma crítica direta do conteúdo que é colocado de forma as vezes covarde na tentativa de fazer a pessoa caber dentro de padrões aceitáveis de uma ala da sociedade. 

Espiritualidades, religiões e religiosidades, são caminhos, signos, travessias, opções, possibilidades, de reconexão entre o humano e o sagrado, com propósito de bem maior que envolve a dignidade de si e o respeito ao próximo. Cuidar da vida, é premissa de qualquer instituição. Respeitar é obrigação de todxs. Aceitar só cabe a quem de fato é, ou seja, muitos já travam sua guerra de auto-aceitação e não precisam de mais ninguém para fazer peso contra. Mais uma vez, a todxs, só cabe o respeito. 

E assim sendo, ressalto novamente a importância da Psicologia para acolher e ajudar a pessoa a se aceitar, tomar consciência de si e de toda sua potência, redescobrindo-se enquanto ser único e de opções múltiplas nesse universo de infinitas travessias, protagonizando empoderadamente sua vida sem medo do que as sociedades impõem. A bem da verdade, toda vida importa, o amor salva, a paz de si liberta e a Psicologia está aí para dar voz, vez, luz para essa jornada chamada vida. 


¹ https://crppr.org.br/nao-ha-cura-para-o-que-nao-e-doenca/
² https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/1999/03/resolucao1999_1.pdf
³ https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2023/10/13/morre-a-influenciadora-karol-eller-aos-36-anos.htm


Ailton Domingues de Oliveira
Adm ∞ 
Teo ΑΩ 
Psic Ψ (acadêmico)
Escritor & Poeta
*Pós Graduando em Psicanálise, Coaching e Docência do Ensino Superior
@psicriarts_ailton
@escritos_em_tempos
@teologia_para_insatisfeitos

quinta-feira, 5 de outubro de 2023

Falsos pastores midiáticos e seus demônios de araque


 Essa imagem foi printada de um vídeo que está rolando nas mídias sociais. Um pastor, que não aparece no vídeo, a mulher e sua personagem endemoniada, uma outra mulher de vestido nas costas, que deve ser figurante de suporte, e a plateia que interage em meio a vozes de crianças. Só pelo fato de ter crianças presentes nessa situação, acredito que o Ministério Público deveria ser acionado e consequentemente até o Conselho Tutelar. 

A dramatização em si, da ordem da quinta categoria abaixo de zero, traz a voz de um pastor, que na trama exerce o papel de mediador e invocador de entidades. Ele pergunta à mulher possuída qual o nome da entidade que tomou posse do corpo de alguns nomes da política. A mulher responde, com uma voz forçada, movimentando a cabeça e os cabelos, assim como fez aquela Janaína Paschoal, certa vez, num palco de comício. Mesmo que virasse a cabeça em 360º sobre o pescoço, ainda haveria muitas dúvidas sobre a veracidade dos fatos. 

Teologicamente essa encenação fere princípios éticos sociais e de outras religiões e religiosidades, ao usar nomes de entidades que não pertencem a essa denominação. 

Religiosamente, o cristianismo verdadeiro não carrega esse fetiche de evidenciar o demônio para tirar proveito próprio: status midiático para saciar o pecado do ego. 

Casos raros de pessoas endemoniadas e a prática do exorcismo não são jamais midiatizadas e, tampouco, tratadas como um teatrinho infantil; os ritos utilizados no exorcismo, criados no seio cristão, especificamente no catolicismo, são tratados de forma rigorosa, ética e principalmente científica, e posteriormente, como questões de ordem religiosa e de fé. 

Psicologicamente pode haver alguma explicação para os protagonistas em questão, o pastor, a endomoniada e a plateia: "uma espécie de psicopatologia que oscila entre o dinamismo psicótico-paranoide-delirante e o dinamismo psicopático-perverso". 

Cinematograficamente não serve nem pra comédia, nem pras pegadinhas do Silvio Santos. 

Juridicamente, acredito que tudo se encaixa bem no artigo 171 do código penal.

Vídeo: https://www.brasil247.com/midia/pastor-bolsonarista-faz-suposto-exorcismo-em-fiel-e-diz-que-demonio-controla-lula-e-janja-video

Ailton Domingues de Oliveira
Adm ∞ 
Teo ΑΩ 
Psic Ψ (acadêmico)
Escritor & Poeta
*Pós Graduando em Psicanálise, Coaching e Docência do Ensino Superior
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quarta-feira, 4 de outubro de 2023

Sobrecargas que não me pertencem mais

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Das dores que ficaram pelo caminho 
Da saudade do que não se viveu
Existe um corte temporal que delimita meu papel 
Diante do que era meu herói, amigo e protetor. 
A distância machuca, mas cicatriza 
E a dor vira companhia costumeira 
Até o dia que o analgésico das lágrimas de saudades se torna dispensável.
É bom não precisar recorrer à caixinha dos paliativos. 
Evolução, independência, amadurecimento...
Passado encaixotado num álbum de fotos imaginário
Que só reprisa em minha mente o que poderia ter sido
O que se poderia ter vivido, sentido...
Carrego culpa?
Não mais!
Já busquei meus erros diante de uma relação que não tive relevância.
Já chorei dores de saudade, da falta de uma presença importante.
Mas, olhando essa trajetória
Fica as lacunas na travessia dessa história
Onde a figura jaz perpetuada na memória
De uma infância até muito tranquila 
E dali, só ficaram resquícios
Interstícios de estações
Lacunas de inverno a verões
Versos desconexos sem melodia
Sem outonos, sem a inocente fantasia
O tempo não apenas passou, mas me abraçou
E fui me descarregando das tralhas durante a viagem
Não conseguiria sobreviver com tantos fardos
De uma presença que nunca se fez presente.
O que ficou disso tudo, entre esperas e primaveras
É a visão de que não se paga uma ausência
Recriando versões de uma vida não vivida
Com aqueles em que você se permitiu.
Não fez questão de uma história subtraída
Sem o seu papel.
Importou-se porém em aplacar sua consciência
Recriando versões de uma vida, conosco, não vivida.
E por tal, sem sua benção matinal
Sem sua companhia fundamental
Velejo no mar dos meus dias e da vida 
Entre brisas, tempestades
Horizontes e calmarias
Com sua figura numa longínqua paisagem
Num sonho, num plano em que você não faz parte.
Você divide seu ego num espaço que não me pertence.
Justifica seus erros comigo e conosco
Em gestos paternais com sua então família.
Já não dói
Já não sinto
Já não espero
O milagre da sua presença.
Só não me cobre jamais pela minha despretensiosa ausência.
Essa herança, foi você que testamentou.
Não carrego mais, jamais, a sobrecarga de suas escolhas
Lamento, mas o tempo, ah! o tempo...
Foi meu bandido, mas também meu herói.
Ciclos se encerram, se fecham
Se findam...
O tempo passa
O tempo leva
O tempo lava...

Ailton Domingues de Oliveira
Adm ∞ 
Teo ΑΩ 
Psic Ψ (acadêmico)
Escritor & Poeta
*Pós Graduando em Psicanálise, Coaching e Docência do Ensino Superior
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domingo, 1 de outubro de 2023

De setembro a setembro: refletindo o amarelo em todos os dias do ano

Setembro Amarelo é uma campanha que ocorre uma vez ao ano. O restante dos meses ingressamos em outros movimentos de relevante importância e comprometimento social, de saúde e conscientização. Enquanto estudantes de psicologia poderíamos fazer um pouquinho a mais, esticando esse movimento para uma campanha de prevenção ao suicídio *DE SETEMBRO A SETEMBRO*. Algo a se pensar.

Porém, antes, vale uma pergunta de autorreflexão: *A DOR ALHEIA ME IMPORTA?* Obviamente não sabemos se uma pessoa próxima está passando por alguma dificuldade. Também não conseguimos mensurar o tamanho da dor de alguém, que no momento esteja atravessando problemas de várias ordens. 

O que podemos fazer, primeiramente, seria mudar o nosso jeito, ativar o nosso *ser humano* e nos atentar para detalhes que antes não prestávamos tanta atenção. *COMO?* Quando começamos a fazer parte de algum ambiente, lugar, movimento, grupo (trabalho, faculdade, comunidade, bairro, igreja, família, etc), obviamente passamos a perceber as pessoas ao nosso redor. Cumprimentos básicos de "bom dia, boa tarde, boa noite" podem não apenas quebrar o gelo mas abrir possibilidades de aproximação. Perguntar se "está tudo bem" pode não ser nada, não representar nada para nós e simplesmente recebermos como resposta "sim, tudo e você?" Mas, pode ser, que esse cumprimento, seguido dessa pergunta, seja a única coisa positiva que impediu uma pessoa de atentar contra sua própria vida. 

Acredito que muitos de nós conhecemos pessoas que tiraram sua própria vida. Talvez não conhecemos de perto mas, já ouvimos falar de conhecidos distantes, pessoas que um dia fizeram parte de nossa vida e acabamos perdendo o contato. As redes sociais nos mantém atualizados, principalmente quando o assunto é tragédia. 

*TERÍAMOS NÓS ALGUMA RESPONSABILIDADE SOBRE A VIDA DE OUTRA PESSOA?* Sim e Não. Sim ou não. Cada um sabe de si. E em diálogo com uma amiga, falando sobre suicídio, logo após participarmos de um evento no dia 15/09/23, justamente sobre esse tema, o qual refletimos sobre o filme *ORAÇÕES PARA BOBBY*, chegamos à nossa conclusão de que temos sim responsabilidade e que podemos fazer nossa parte. Novamente: *COMO?* Acolhida, empatia, respeito, etc. Podemos, enquanto seres humanos, fazer um pouquinho a mais nesse sentido. Independentemente de crenças, fé e religiões, a qual acreditamos que todas pregam *AMOR À VIDA E AO PRÓXIMO*, podemos e queremos ressignificar o nosso papel aqui neste plano, no aqui e agora, de forma a contribuir COM A SAÚDE, COM A PSICOLOGIA, COM A VIDA. 


Ailton Domingues de Oliveira
Adm ∞ 
Teo ΑΩ 
Psic Ψ (acadêmico)
Escritor & Poeta
*Pós Graduando em Psicanálise, Coaching e Docência do Ensino Superior
@psicriarts_ailton
@escritos_em_tempos
@teologia_para_insatisfeitos

quarta-feira, 27 de setembro de 2023

Marx, Freire e o Marco Temporal

Protesto contra marco temporal em Brasília 
Foto: Brenno Carvalho/Agência O Globo

O que me motivou a escrever esse artigo, ou manifesto, ou simplesmente um desabafo, foram alguns comentários que ouvi acerca do "Marco Temporal". Antes gostaria de falar o que seria esse marco e porque ele está em evidência no cenário social, político e obviamente no religioso.

"Marco temporal é uma tese jurídica segundo a qual os povos indígenas têm direito de ocupar apenas as terras que ocupavam ou já disputavam em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição" (Fonte: Agência Câmara de Notícias). Aqui no site da Agência Câmara de Notícias podemos saber melhor sobre essa questão: https://www.camara.leg.br/noticias/966618-o-que-e-marco-temporal-e-quais-os-argumentos-favoraveis-e-contrarios/

Bom, a ideia sobre a questão do "Marco Temporal" é usar como linha de corte o dia, mês e ano em que a Constituição Federal Brasileira foi promulgada, 05/10/1988. E isso implica que as terras consideradas indígenas, só serão de fato dos povos originários, as que constam até essa data da CF. Após essa data, todas as questões de terra seriam revistas e, inclusive, haveria de mexer no que já estaria acentuadamente acordado e resolvido. 

Agora, imaginem que algumas questões de terra já tenham sido resolvidas no ano subsequente à promulgação da CF, no caso em 1989. Povos originários assentados em suas terras e, de repente, com a aprovação do Marco Temporal, eles poderiam (e com certeza seriam) retirados de seu habitat novamente. Uma guerra iminente seria provável. Há quem seja favorável ao marco mas há muito mais que lutam contra. Há quem se beneficie com a aprovação desse marco, e com certeza "peixe grande" mas, há quem seja contrário por simples razões. Não tem como se beneficiar com nada sendo contrário ao Marco Temporal. E, a partir disso, claro que estou do lado contrário ao tal "marco". 

Aprovar isso seria jogar o destino e a vida dos povos indígenas ao léu. Já existe uma invasão sem limites acontecendo, totalmente descontrolada, que ganhou força no governo anterior (que não faço questão de mensurar o nome, uma vez que só intensificou o ódio, criou o caos e gerou mortes a partir do ódio e do caos...) e isso, independe de fiscalização e policiamento. Invadir terras indígenas, a maioria regada de riquezas naturais, é algo não apenas fácil mas lucrativo. E quem sempre ganha são os que continuam ganhando, os que estão lá no cume do topo da pirâmide: latifundiários por exemplo. 

"A história da humanidade é a história da luta de classes." Sim, Karl Marx tinha razão, porque a força propulsora da história se baseia na história da luta de classes. Quantos e quantas que, emergiram da pobreza, tiveram suas dificuldades durante a jornada em ascensão e ao atingir um novo patamar social, tornaram-se algozes de quem ficou num patamar inferior? Não são poucos, aliás, são incontáveis os casos em que o "sonho do oprimido de se tornar opressor", e nisso Paulo Freire também tinha total razão, se justifica na história passada, recente e presente. 

Durante o curso de Teologia, fiz um trabalho sobre a situação dos Guaranis-Kaiowás que, expulsos de suas terras por fazendeiros, eram obrigados e sobreviver acampados às margens de rodovias. Muitos jovens dessas tribos, diante da dureza da vida longe de seu habitat, do sofrimento e da falta de recursos, sem voz e sem vez, e frente à tristeza de ver os seus perecendo cruelmente, acabavam tirando sua própria vida como forma de aplacar a dor; um verdadeiro protesto, à base do seu sangue e da sua vida, para que as autoridades tomassem as devidas providências.

Caberá à Justiça resolver a questão e os casos diferenciados. Concordo que pessoas que tem o seu pedaço de terra para subsistência e, que em sua maioria adquiriram as posses de forma não regulamentada, muitas vezes compradas de usurpadores, deverão ter um olhar atento para sua situação. Bem como, os que adquiriram suas terras para projetos de lazer em áreas de preservação ambiental e território indígena, que cientes das circunstâncias e riscos iminentes, devido à irregularidade da aquisição, poderão perder o investimento. Há aqui um grande contraponto entres os dois exemplos que mencionei. Os que foram enganados e lesados mas que dependem da terra e os que não foram enganados, assumiram o risco e investiram seu dinheiro mas, porém, podem ser desapropriados e assim, lesados. E quanto a esses que entraram conscientes, não há inocentes. 

E, nesse momento, a luta é contra o "Marco Temporal". Seria desumano e injusto mexer numa demarcação que já está corrigida e resolvida. Voltar ao ano de 1988 para refazer as demarcações seria uma violência contra os povos originários. Se, em nome da ganância e do poder, os defensores do moralismo seletivo justificarem seus atos de ódio contra as minorias, conforme aconteceu nos últimos 4 anos, para continuarem invadindo, matando e expulsando os verdadeiros donos das terras, invocamos aqui a questão religiosa como uma força de origem centrada capaz de manipular ou libertar o indivíduo. Nem social, nem política e nem religiosamente, não há viés plausível para a aprovação do marco temporal. O que justifica essa ganância de poder pode ser visto sob a história da luta de classes e sobre as lutas entre oprimido e opressor. 

domingo, 24 de setembro de 2023

Crítica: Sex Education


A série, que mistura comédia, drama e realidade no mundo adolescente-jovem, tem em seu enredo um mix de assuntos próprios da idade: descobertas; conflitos pessoais, de relação e familiares; escola e bulling; mudanças hormonais; dúvidas sobre o futuro; responsabilidade precoce; sexo e sexualidade; inclusão e discriminação; religião e aceitação; LGBTs; etc.

A linguagem, ora descolada, ora exagerada, intercalando cenas sensíveis, sexo explícito e diálogos emocionantes, da realidade ao fantasioso, são elementos que já vimos e ouvimos falar. O diferencial que o cinema traz é algo que podemos assistir sem as cobranças moral e religiosa, mas com senso-crítico, refletindo e extraindo o melhor para a construção de novos pensamentos e deixando de lado aquilo que não nos agrega.

Relações de classes sociais, conflitos entre pais e filhos, disputas das mais diversas possíveis dentro desse universo adolescente-juvenil, temperados com sentimentos de medo, ousadia, angústia, solidão, rejeição, descobertas, traição, vão deixando o sabor cada vez mais envolvente e viciante para quem gosta de uma boa trama. 

Vale ressaltar que um dos pontos fortemente de destaque na trama é a busca por orientações sexuais e de sexualidade. Tudo parte da premissa da descoberta, seja solo ou numa relação. Há também um devido cuidado para deixar uma mensagem positiva em evidência, pois algumas coisas que correm soltas na série podem e ou devem ser evitadas enquanto que outras devem ser contempladas e trazidas para o contexto real.

É possível distinguir o exagero do socialmente aceitável, bem como perceber que a ficção é uma pintura da realidade mas, cada um pode adaptar o seu olhar crítico para o cotidiano a que pertence. Vale a pena assistir! 

Crítica: Dexter


Dexter, a melhor série que já assisti, conta a história de um
serial killer que era agente policial (perito), que diante de sua sede conseguia unir o desejo quase incontrolável de matar ao que ele considerava fazer justiça com as próprias mãos. Em suma, matava assassinos, psicopatas, serial killers, etc. Guardava uma gota de sangue de cada uma numa lâmina de vidro de suas vítimas,  como um troféu. Era inteligente, sedutor e definia o seu instinto assassino, a sua necessidade de matar, e a justiça com as próprias mãos como características do ser que o habitava: passageiro sombrio, nome que seu pai adotivo deu a essa personalidade de Dexter, depois de perceber que o filho se tornaria um psicopata, um seriado killer sedento por justiça. Foi o pai adotivo que ajudou Dexter a canalizar seu desejo. Essa série foi uma das primeiras que assisti. A construção do enredo, a trama toda em si faz você se apaixonar pelo politicamente incorreto, ou seja, o policial bonzinho, inteligente e cativante que, no seu contraturno age como um justiceiro que tem suas regras e rituais para livrar a sociedade da escória que a justiça não deu conta de fazer. A série é composta de 8 temporadas e recentemente lançaram a 9ª para dar um final descente ao personagem e à trama. Confiram! 

sábado, 16 de setembro de 2023

De setembro a setembro


Um olhar humanamente teológico sobre as pessoas que perderam o encanto pela vida, o sentido da existência e a esperança no mundo. Setembro Amarelo deveria ser uma luta de todos os dias e não somente quando as mídias jogam os holofotes para o assunto. É positivo entrar nessa campanha de mobilização e prevenção ao suicídio. Porém, mais belo do que estampar os perfis de amarelo e cobrir com frases de efeito é necessário se atentar para o nosso papel social enquanto indivíduos de um sistema que oprime, desqualifica, exclui, negligencia e ignora os verdadeiros motivos que têm levado algumas pessoas a pensarem na possibilidade de atentar contra a própria vida e outras, de fato, na esperança de se curarem das dores da alma, infelizmente, executam seu plano. 

Se a dor de quem fica é grande, imagina a dor de quem preferiu não viver mais. Não existe covardia nem heroísmo nesse ato, ou, dependendo da óptica, também pode ser ambos. Pecado? Talvez. Olhando pela bíblia cristã, o quinto mandamento diz "não matarás". Sendo assim, tirar a própria vida, segundo a bíblia cristã é um pecado. Porém, ainda segundo a mesma bíblia cristã, não é algo digno de condenação eterna e sem direito a perdão. Esse é um pensamento popular que ganhou força nos redutos das igrejas mas que não tem fundamento bíblico. Segundo o livro sagrado cristão, o único pecado que é causa de condenação eterna ao inferno é o de "blasfemar contra o Espírito Santo". 

Se considerarmos as pessoas que dão sua vida em prol de uma causa religiosa, conforme algumas religiões ultra radicais, que as instigam a se tornarem verdadeiros homens ou mulheres bombas, as mesmas são consideradas mártires com promessas e garantias de uma vida eterna e digna no Paraíso, no Céu, etc. Durante as guerras surgiram os camicases que, não tendo mais o que fazer, lançavam-se com seus aviões no território inimigo na tentativa de abater o maior número de adversário possível. 

O que difere cada ato de tirar sua própria vida: uma causa, uma esperança, uma promessa, um sentido? Ou, talvez, a falta de cada uma dessas possibilidades ou, todas e mais um pouco? A esperança que um homem bomba tem ao se permitir explodir em prol de uma causa político-religiosa não seria a mesma esperança que uma pessoa, que perdeu seu sentido de viver, tem para amenizar sua dor da alma? Essa última perdeu o sentido da vida, mas está sobrecarregada de dor. Tirar a vida não significa covardia mas, livrar-se da dor que ninguém sabe que existe nela, e por mais que saiba não consegue entender.  Como não teremos jamais a resposta sobre o motivo de tal ato, sempre dialogaremos a partir dos relatos deixados de sua caminhada. A cadeira vazia será apenas um cenário de dor e luto por parte de quem ficou sem respostas. 

E qual seria o nosso papel social, religioso, político ou simplesmente humano (o mais importante) para contribuir com essa luta de prevenção ao suicídio? Estamos numa era em que as informações que nos chegam são como uma tempestade em nossos pensamentos. Creio que não percebemos mas, muita gente se encontra esgotada mentalmente pelo excesso de informações que são oferecidas aos milhões, minuto a minuto. Esse excesso também pode contribuir para o desequilíbrio emocional, o que afeta diretamente as relações diretas e indiretas de cada pessoa. 

A sociedade egoísta que ignora; as religiões com suas regras morais que exaltam as leis em detrimento do ser humano e da vida; as políticas, sejam as públicas que são falhas por conta do dinheiro que se desvia e não chega aonde precisa, sejam os representantes escolhidos pelo voto nos Estados e municípios, que se esquecem do seu compromisso com o povo e legislam em causa própria. Junte-se a isso a falta de recursos para coisas básicas. Muitos "próximos" sucumbem à tentação de deixar de existir num mundo onde não apenas se sentem invisíveis mas são tratados como escória. 

Numa pesquisa de trabalho realizado durante o curso de Teologia, nos deparamos com índios da tribo Guarani-Kaiowás que preferiam tirar sua própria vida a viverem fora de suas terras, que naquele momento foram tomadas por latifundiários. A dor de viver fora do seu habitat, da sua casa, e sobreviver nas beiras das estradas, era um dos motivos de desordem emocional e desonra para si. 

A dor alheia é algo que não conseguimos mensurar. Seja uma dor física ou, pior ainda, uma dor da alma, aquela que não se vê mas que mexe com todos os sentidos. Para a dor física existem remédios de resolução imediata. Para a dor da alma, existe uma demora para se chegar num ponto satisfatório de entendimento para então, de forma lenta e gradativa organizar as coisas que estão fora do lugar em seu pensamento, em seu íntimo, em sua história e na falta de expectativa. 

Enquanto seres humanos, não nos custa levar um pouquinho de alegria, ou no mínimo ouvidos para as pessoas ao nosso redor. Não temos condições para salvar o mundo, mas podemos contribuir dando um mínimo de atenção para aquela pessoa que antes sorria atrás de um balcão e hoje se quer solta um "bom dia". Familiares que passam a reclamar da vida mesmo não faltando nada. Solitários ao nosso redor, regados de silêncio, timidez, e dificuldades de interação, dentre outros tantos, não custa acolher. Acolher no sentido de deixa-la sentir-se vista, notada, ouvida. Não precisa de muito. Um simples "tá tudo bem?" pode ser o essencial para salvar o dia e os pensamentos de alguma pessoa próxima que vive seus dias de tribulação.

Não importa a orientação sexual. Pecado é não amar! E, não há cura para o que não é doença! Antes da piada, antes da crítica, pense que uma palavra pode ser a melhor ou pior coisa que a pessoa com ideação suicida pode ouvir naquele momento e você nem sabe. Não sabemos quantas guerras habitam na pessoa com quem cruzamos todos os dias de nossa jornada. Por isso, empatia e respeito, é a melhor acolhida que podemos dar. 

Para quem sempre cita a bíblia, em especial as rígidas leis do Antigo Testamento, eis que me deparo com um pensamento, o qual desconheço seu autor, mas que simplifica e alivia quando me deparo com pregações grotescas e de ódio: "Jesus não voltou durante a escravidão. Não voltou durante o holocausto e nem durante as cruzadas. Mas, vai voltar agora por causa do gênero de alguém."

Uma igreja que não acolhe as minorias e suas diversidades já perdeu seu papel aqui na Terra. Uma política que não cumpre com sua função de bem comum só serve para alimentar os lobos no poder. Uma sociedade que não percebe a dor alheia, já deixou de ser humana com seus semelhantes. E por que esse discurso em meio à campanha Setembro Amarelo? Porque tudo isso pode ser causa, mínima ou máxima para alguém que está desacreditado de si, sobrecarregado de dores, cometer suicídio. 

Há inúmeros fatores que levam as pessoas a buscar o suicídio: a inundação da dimensão de sombra, transtornos psicológicos, doenças incapacitantes, profundas decepções e prolongadas depressões. Mas mais que tudo, a perda do sentido da vida que suscita nas pessoas vulneráveis o impulso de desaparecer. Não raro, tirar a própria vida é uma forma de buscar um sentido que lhe é negado nesta vida (franciscanos.org.br). E "Não é a maneira como uma pessoa morre que determina se ela é salva ou condenada" (https://teologiabrasileira.com.br/o-suicidio-da-razao/).

Somos corresponsáveis direta ou indiretamente pelas vidas ao nosso redor. A omissão é algo que poderemos somar na cartilha da consciência como culpa, frente ao que poderíamos ter contribuído mas não o fizemos. 

A imagem desse texto foi utilizada como convite para o evento do dia 15/09/23, na Casa das Cenas, em Uberlândia-MG, para um encontro realizado com pessoas de diversos segmentos da sociedade. Um público misto em todos os sentidos. Através do Psicodrama e Cinema, trazendo uma ótica da Psicologia pela minha colega Ana Elisa, enquanto eu, da Teologia, discutimos o suicídio dentro do contexto do filme "Orações para Bobby". É um filme que está disponível no youtube, portanto de fácil acesso. Ali, sentimos o peso da falta de apoio familiar diante da homoafetividade por um dos membros dessa família, o peso do conservadorismo religioso que passa a manifestar um moralismo seletivo, a sociedade que exclui, os familiares que se afastam, as auto condenações por conta do que se considera pecado conforme os ditames de sua religião, até a ideação suicida. Deixo aqui, como forma de continuidade nessa reflexão, um convite para que assistam ao filme. 

https://www.youtube.com/watch?v=IIYNfCoGgUQ



sexta-feira, 1 de setembro de 2023

Poema da madrugada: nessa vida, nesse mundo


Nessa vida...
Ora pacífica, ora repuxada 
Uma colcha de retalhos sem fim
De cores,
Sabores
Cheiros e toques
Sensopercepções e ações
Ou, talvez, omissões
Imaginada e criada
Costurada e forjada
De acordo com a necessidade 
A de manter o calor dos corpos
Das relações que nos permeiam
E, que promovem a nossa existência

Nesse mundo...
De afinidades e diferenças
Convergências ou divergências
Nos afastamos pelos díspares
Nos ajuntamos pelos afins
Nos ajustamos pelas costuras
De sentimentos, 
De lembranças
E necessidades
Que significam nossa travessia
Que selam nossa existência

Somos uns pelos outros...
Ressignificando sempre
A nossa vida
O nosso mundo
Dando sentido à travessia
Quando nossos caminhos cruzam 
Outras vidas
Outras histórias
Fazendo memórias
Entre chegadas e partidas
Lágrimas pela dor alheia
Que nos ensina sobre o amor
E nos torna humanamente gente

quinta-feira, 10 de agosto de 2023

Compensações



Pela falta de presença na vida dos filhos, alguns pais compensam o amor que faltou aos seus, através dos netos. Quando os pais se separam, geralmente quem constrói uma nova família tende a compensar os filhos dessa nova relação fazendo o que não se dispôs a fazer aos filhos da relação anterior. A maioria nem percebe que age assim. 

Algumas pessoas, em seus diversos tipos de relações sociais, de amizade, e em especial de namoros à casamentos, também buscam compensar sua ausência e, por vezes, o desinteresse, esbanjando um cuidado virtualmente próximo ao mesmo tempo que a presença física e de pensamento se mantêm numa distância crescente. Seria uma forma de buscar um auto perdão ou amenizar o peso da consciência, e ou ainda, se redimir com o seu. 

Compensação pela ausência, pela falta de tempo, pelas falhas evitáveis, pela falta de coragem em deixar a outra pessoa, este que seria um sinal de egoísmo claro, uma vez que não se define e muito menos para a pessoa que prende a si. 

O único risco de uma ausência constante é que o solitário pode reencontrar-se com o amor próprio e assim o ausente pode acordar tarde demais. Ninguém sobrevive ao relento de uma espera sem fim na estação. Um dia, quem tanto esperou, pode embarcar num novo rumo, uma nova vida, um novo amor... É o preço das ausências compensadas. 

quarta-feira, 9 de agosto de 2023

Depois




O depois
O meu depois
O seu depois
Depois, se der, a gente vê
Depois, quando der, a gente vai
Depois, se der, a gente faz
Depois, quando der, a gente lê
Depois, no tempo que der
Depois, se der tempo
Depois, se eu ainda quiser
Depois, no meu momento
Depois, que o vento me tocar
Depois, que a vida te der um reprise
Depois, se a sua saudade apertar
Depois, se eu ainda te amar, a gente vive
Não sou lembrança
Não sou espera no tempo
Sou presente, presença
Que passa, que para, que fica
Onde tem sentimento

sexta-feira, 14 de julho de 2023

Adão & Eva: o peso da culpa recaído sobre a mulher e outras teorias.

 


O texto de hoje na verdade é um diálogo que se iniciou quando o jovem Mateus (*), estudante de psicologia na mesma instituição em que também estudo, procurou-me com alguns questionamentos que aguçaram e muito o meu pensamento. A partir daí, a conversa foi se desenrolando. Fiz questão de colocar tudo da forma como se deu para não perder nenhum detalhe. E, como eu disse ao próprio Mateus, "esse bate-papo merece destaque".


Mateus: Bom dia Ailton, estava procurando o seu contato pra falar a respeito de uma teoria que pensei enquanto estava com insônia.

Ailton: Bom dia. Tudo bem?

Mateus: Tudo jóia. Enquanto eu estava com insônia, estava pensando a respeito de Adão e Eva e minha teoria tem a ver com isso e, por você ser Teólogo, vai saber me falar se faz sentido ou não.

Ailton: Claro, vamos decifrar seu pensamento... rs. Bora. Se preferir mandar áudio, fique à vontade.

Mateus: A minha teoria é a seguinte ... O "fruto proibido" nunca foi um fruto e a "cobra" era Lúcifer. E na minha teoria o fruto proibido seria o sexo. Eva transou com Lúcifer porque foi tentada pela "cobra" kkkkkkk. Com isso ela fez o mesmo com o Adão. Tiveram o primeiro filho que seria o Caim. Que é filho de Lúcifer e Eva. E pela essência do pai dele, ele acabou cometendo o primeiro assassinato no mundo contra o meio irmão. Botou o pé na estrada. E fez filhos.

Ailton: Certo. Vamos por partes...

Mateus: Como diria o Jack Estripador ... Vamos por partes.

Ailton: Em primeiro lugar é necessário compreender que Adão e Eva na verdade não passa de um conto. Não chega nem a ser uma lenda porque nunca existiram de fato. São personagens fictícios criados para contar a história do nascimento humano, do universo e da vida em si, a partir de uma teoria religiosa construída desde há muitos milênios atrás, muito antes de Cristo.

Ailton: Desculpa se estou sendo muito detalhista, mas vou tentar descrever de uma forma que, seria o jeito que explicaria para qualquer pessoa, independente do seu grau de conhecimento, fé, crença ou coisa do tipo. Então, desculpa se eu disser coisa que talvez, vc já saiba...

Mateus: Tranquilo.

Ailton: Sua teoria é interessante mas não tem embasamento nas histórias descritas no único livro que a conta, que no caso é a Bíblia (seja ela de qualquer religião cristã). Talvez, numa outra religião ou seita, sua teoria já até tenha sido mencionada e estudada. Quanto a isso não posso dizer, porque desconheço.

Ailton: A cobra no caso, tem muitos pensadores e teólogos que trazem diferentes interpretações. Eu, ainda penso, que ela (a cobra) seja apenas o nosso pensamento. E, como tal, o pensamento está incutido em nós, faz parte do nosso ser. Temos no caso a possibilidade de pensar coisas positivas ou negativas, e consequentemente bota-las em prática. Ou, podemos dizer que temos o anjo bom e o anjo mau, ou ainda, o lobo bom e o lobo mau. Basta saber qual devemos controlar e qual devemos acessar.

Ailton: Sua teoria seria perfeita para uma continuidade da série Lúcifer. Pois, seria algo a ser explorado a fundo por pesquisadores que se desdobram para construir uma ficção em cima de algo que, há muito tempo, faz parte da crença, da fé e da religiosidade de grande parte da população mundial.

Mateus: Nunca assisti essa série. Por preguiça kkkkkkk.

Ailton: A cobra representa o mal, entre Adão e Eva no paraíso. Seu papel é o de instigar o casal a fazer aquilo que não deveria ser feito. Por outro lado, pense, se o sexo já existia desde sempre para a procriação, por que ele seria algo considerado como fruto proibido? Ou seja, o sexo, como parte da criação também deveria ser algo abençoado por Deus. E é, sem sombra de dúvidas. Então vamos além...

Ailton: O que de fato estava impedido de acontecer, que era considerado o pecado dos pecados seria o "prazer". O prazer conseguido através do sexo. E por que a mulher em si, no caso EVA, que foi a que ousou comer desse fruto proibido? Porque na verdade, desde sempre a mulher era proibida de ter o seu prazer; ela, sequer, tinha direito a qualquer tipo de expressão na sociedade de sua época. Se ainda hoje temos essas diferenças, imagina a 2000 ou 5000 anos atrás !?

Ailton: É interessante, sátiro, a forma que a série recoloca o Lúcifer no papel da sociedade. Te indico pra assistir com olhos abertos e pensamento livre, encarando como um gênero de humor e com questionamentos que até o momento nenhuma religião foi capaz de fazer.

Ailton: Naquele momento somente o homem sentia prazer. E percebemos que isso ainda acontece nos dias de hoje. A história bíblica conta que a mulher saiu da costela de Adão. Mais uma história de submissão e pertencimento. A mulher pertence ao homem. A história foi escrita por homens e não por mulheres. Até mesmo algumas histórias bíblicas, em que a mulher é protagonista, foram escritas por homens. Ainda existem países e religiões em que a mulher não tem vez, nem voz, e tampouco pode sentir prazer. Alguns lugares ainda mutilam as mulheres para que não sintam prazer, cortando seus clitóris.

Ailton: A bíblia, demonstra o tempo todo que a mulher devia exercer apenas um papel de submissão. Nem nos templos ela podia entrar. Colocaram essa conta nas costas da mulher, que o pecado entrou no mundo quando Eva deu ouvidos à cobra e cedeu a tentação. Consideravelmente um pensamento machista.

Ailton: Eu acho inviável que essa teoria (a sua) seja uma possibilidade dentro do contexto bíblico em que o texto foi descrito, levando em conta principalmente a insignificância do papel da mulher na sociedade da época. 

Ailton: Por outro lado, acho uma teoria muito interessante, porque se de fato ela transou com a cobra, essa cobra teria se materializado feito homem, então não havia apenas Adão e Eva, mas muitos Adãos e muitas Evas, ou seja, era uma sociedade. Então Eva, impossibilitada de ter prazer com seu parceiro, encontrou prazer nos braços de outro homem, o que a fez descobrir-se enquanto mulher e, dessa forma pode conhecer o prazer. Foi descoberta e de certa forma amaldiçoada. E, pode ser, nesse caso, dentro das perspectivas de sua teoria, que esse primeiro filho tenha sido fruto de um adultério, ao mesmo tempo, fruto de um amor extraconjugal no qual ela descobriu-se enquanto mulher.

Ailton: Irmão, o baguio é loko! rsrs. 

Ailton: Já viu um vídeo do pastor Marco Feliciano dizendo que a África era amaldiçoada? Vou te mandar. Cara, olha a que ponto chegam os idiotas! Isso porque são líderes religiosos...

Ailton: https://www.youtube.com/watch?v=e9QGVliE-p8

Ailton: Bom, não sei se pude contribuir com seu pensamento, com sua teoria, mas de qualquer forma te agradeço pela confiança em partilhar. Questionamentos assim fazem a gente parar e refletir. Sua teoria me auxiliou a rever alguns conceitos. Obrigado. Qualquer coisa me chama aqui. E quero saber o que você achou de tudo isso acima

Mateus: Caraca ... Explodiu minha mente kkkkkk.

Ailton: Espero que junte tudo de volta e de forma turbinada rs.

Mateus: Perfeito ! É exatamente por isso que eu vim atrás de você ! Acho você uma pessoa muito mente aberta e muito inteligente e acabou abrindo a minha mente pra novas teorias também kkkkkkkk.

Mateus: Me senti recebendo uma aula! E que aula ... Assim que eu entrar no horário de almoço eu dou uma olhada, mas eu acredito que eu já vi esse vídeo e fiquei em choque com o que foi dito quando vi pela primeira vez

Ailton: Que isso irmão! Somos todos aprendizes. O simples fato de você me questionar, me aguçou a pensar. E pode ter certeza, o papo de agora é único, pois nunca o tive com ninguém. A aprendizagem é sempre uma via de mão dupla. Seu questionamento me fez ter percepções que até a pouco estavam apagadas ou nem as tinha de forma elaborada na minha mente. Pode ter certeza que eu aprendi muito mais...

Mateus: Um bom mestre é um eterno aluno

Ailton: Obrigado Mateus, por me propiciar esse momento de aprendizado mútuo. O mundo, a sociedade em geral, precisa de pessoas com senso-crítico, que pensem e questionem antes de aceitarem toda história contada como verdade única. Parabéns, jovem!


* Mateus de Souza Barbosa
21 anos
Estudante do 4º período de Psicologia Ψ - Unitri 
Insta: @mateussouzabarbosa


Ailton Domingues de Oliveira
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Escritor & Poeta
*Pós Graduando em Psicanálise, Coaching e Docência do Ensino Superior
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