domingo, 21 de março de 2021

Preces sob o tempo, sobre o rio, a Deus



Quando penso no tempo

No que já foi e no que há de vir

Sinto-me como um rio

Que passa por entre margens

Redescobrindo paisagens

Contornando obstáculos

Seguindo seu destino

Mesmo sem visualizar o caminho

Mas sabendo do fim

Reencontrando com o mar

Voltando para casa

Se o mar é Deus

Que minha casa seja o céu

E que lá, quando me achegar

Eu possa misturar-me com outras águas,

Almas antigas e queridas

Fartando-me de saudosos abraços

E de água, de lágrimas...

 

Quando penso no tempo

Olho pelo caminho das águas

Toda a travessia

Em noites enluaradas

Manhãs de sol

Bem como os dias sombrios

E as noites escaldantes

Momentos em que o rio

Quase agoniza 

Sem forças para prosseguir

E em algum momento

Do céu vem o retorno

Vem água, a chuva, a esperança

E os leitos se enchem

E tornam a vida ao seu redor

Menos sofrida, mais alegre

Mais viva

 

Quando penso no tempo

Olho para o horizonte

E vislumbro novos sonhos

Sonhos repletos de sentimentos

Esses que não cabem no peito

No leito

E transbordam para além de si

Para além da terra, da alma

E o maior de todos os sonhos

É o de reencontrar-me

Com outras águas de minha própria fonte

Este que ainda corre pequeno

Inocente, sereno...

 

Quando penso no tempo

Nesse tempo de agora

Por vezes, sem forças 

Nem coragem de prosseguir

Sigo também empurrado

Por outras águas, outras almas

Rios irmãos que correm comigo em paralelo

Ora se cruzando na travessia

E dando força na correnteza

Ou apenas sendo minha única força e certeza

Ora sendo conduzido pela memória e esperança

Para fortalecer as águas

Que nasceram de minhas entranhas

E então seguirei em paz, pelo amor

Em todas as estações

Celebrando o reencontro

Reencantando-me com as águas dos meus...


terça-feira, 16 de março de 2021

Seu sorriso em versos

Seu sorriso...


O sorriso no retrato que sela o tempo inerte

congelado sobre ondas de alegria e de calor

acompanhado de olhares flutuantes e intencionados

revela segredos que pairam num recanto sagrado

 

O sorriso, porta voz da empatia

que abstrai-se da paisagem e do contexto

a emoldurar-se em gotas de transparência

e notas de doçura, ternura e essência

 

O sorriso que se desnuda para além do que se mostra

só é enxergado por quem vislumbra além do que se vê

o encanto abstrato na dança dos lábios que se tocam

reafirmam o silêncio que invade e aos sons dispensam

 

O sorriso teimoso que acompanha os batimentos

traindo a alma, a pele, a voz e os nós

no capricho de seus atos ataca em notas diminutas

encarando de frente a batida com sua alma gêmea desnuda

 

O sorriso disperso e fixado pela lente da frente

que foge das dores, mas conquista as flores

que não arranca os espinhos mas se liberta do passado

e se abre em amores quando seu semblante é desnudado

 

O sorriso, o seu sorriso que me desarma e me congela

me faz voar sem asas, pulsar em brasas

me faz refém do seu capricho e da sua ousadia

onde em silêncio te encontro numa química sintonia

 

O sorriso, o seu sorriso e tudo o que ele alcança

que me envolve, enlaça, arrasta, e ao sonho devolve

de forma abstrata, sensata, intensa e extensa

é meu vício que a outros remédios dispensa

 

O seu sorriso, motivo de todo o meu desconserto

que desfere golpes de alma, certeiros e silenciosos

que desbrava meu forte, meu recanto, meu mundo

onde ninguém ousou me sorrir tão profundo

 

O seu, que também já é o meu sorriso

no enlace dos tons, dos sons e das cores

num pertencimento surreal de eternidade

já não sorri sozinho porque precisa da sua metade

 



domingo, 14 de março de 2021

Nossas raízes, histórias e memórias



Hoje fui surpreendido com algumas fotos enviadas pela esposa do meu primo Carmelino, a Otília. O pai dele, tio Carmo, falecido ano passado, é irmão do meu avô materno Joaquim, também já falecido em 1997. 

Essas fotos, por mais que eu não conheça o lugar, trouxeram-me lembranças e uma saudade da infância e dos meus avós. De forma inexplicável sinto-me parte desse lugar. Uma conexão que não cabe em palavras. 

A simplicidade, a casinha ainda em pé, que remete à infância do meu avô e seus irmãos, em Piranguçu, Minas Gerais. Tudo transcende o olhar. Tudo é de uma beleza ímpar, carregada de humildade, sabedoria, respeito, honra, orgulho e amor.

Nessa casinha habitaram meus bisavôs Sebastião Rosa e Anna Rita Vitalina. As poucas informações que tinha a respeito deles era o que minha avó Iolanda contava. Meu avô Joaquim, um homem muito reservado, quase não falava do tempo que morou ali. 

Em cada foto fico recriando imagens em meu pensamento, de rodas de conversa ao redor de uma mesa simples, brincadeiras num terreiro de terra cercada de muito verde. Tento ultrapassar os mundos, a distância, e observar de longe tudo o que de certa forma faz parte do meu universo.

Não há como descrever a sensação de felicidade ao ver paisagens tão lindas e tão puras. Ouvindo o relato desses meus primos, Carmelino e Otília, a emoção toma conta... É como se eu tivesse visitado ali também, esse lugar que para nós tornou-se um local sagrado da família Rosa.

Não almejo muita coisa mas ainda quero conhecer de perto essa casa, além da famosa roseira, com mais de cem anos, que foi plantada pelos meus bisavôs Sebastião e Anna, dentre outras plantas que resistiram ao tempo e estão lá fazendo parte da nossa história e da nossa memória. 

Isso pode não ter muita importância aos olhos de muitos, mas aqui dentro tem um sentido especial, um significado essencial: família, raízes, memórias, sabedoria, saudades...


 









 

No palco da vida, ensaios reais


No palco da vida, 

abrindo e fechando 

as cortinas diariamente

sigo encenando o dia da vitória

que será seguido 

de aplausos e lágrimas

estas que lavarão a honra, 

levarão a tristeza

e elevarão a alma

revigorando a vida,

curando as dores

revitalizando o amor...

 

No palco da vida

entre rios e montanhas

sigo na travessia

vivenciando cada passo

ora me sentindo sem forças

ora encontrando conforto

nos olhos alheios 

que refletem o amor

rumo à outra margem

rumo ao cume

apreciando as paisagens

suportando os quedas, 

as dores, as fraquezas

as feridas...

 

No palco da vida

por vezes o cansaço

se equipara à vontade de vencer

e noutras vezes me despeço

como se não fosse retornar

para a batalha que será última

entre o corpo e a alma

entre o medo e a coragem

a esperança é o que se sobrepõe

no entardecer de cada espetáculo

e quando a voz perde o tom

quando o único eco 

é ressoado no silêncio da dor

nesse momento olho ao redor

e me deparo com um mar de amigos

que num canto em coro

fazem o coração novamente

bater em compasso

 

No palco da vida

que não permite ensaios

cada ato é real

mesmo diante da surrealidade dos fatos

nada é imaginário

nem a dor

muito menos o amor

não há o que superar

a não ser o tempo e suas angústias

suas esperas e suas mortes

morrer deveria ser apenas

única e verdadeira vez

porque morrer todo dia um pouco

é desumano, é injusto

mas até o último suspiro

até a última gota de sangue

que correndo pelas veias

ou escorrendo para fora do corpo

enquanto houver vida

haverá luta, suor e lágrimas

porque o amor,

ah! o amor vale a pena


sexta-feira, 12 de março de 2021

Preso por dentro e por fora



Preso nesse loop quase interminável
Ora girando por dentro, ora por fora
Sigo sangrando em silêncio
Em minha morada última
Que talvez possa ser
Andando e construindo sonhos
Voando e reconstruindo meu alicerce
Navegando e refazendo a eterna travessia
Num horizonte em que meus olhos contemplam
O tempo que condena os dias

Meu quarto, meu calabouço
Meu silêncio, esperança inquietante,
Santo inquisidor que fere minha alma
Sobrevivo pela necessidade 
De um novo e vitorioso amanhã
Em que o peso do ar seja leve
E então as páginas tristes sejam descartadas
Nesse mesmo tempo que agora jaz no passado
O momento é uma espessa corrente a ser quebrada
E a estrada se abrirá em flores e amor