quinta-feira, 30 de março de 2023

Até breve, Vôlei - carta


Venho aqui hoje pra deixar um "até breve"! As aulas da faculdade recomeçam semana que vem e aí vai ser complicado participar dos rachas. Mas, se eu puder permanecer aqui no grupo, sempre que tiver uma oportunidade (depois que cuidar dos meus ombros) com certeza eu irei (se não puder, também entendo). A gente chega pelo vôlei mas permanecemos pelos vínculos de amizade que se criam. Além disso, a dinâmica do grupo, as brincadeiras e os assuntos tem um astral positivo.

Aproveito também para agradecer a todxs pela alegria, pela receptividade, pelas brincadeiras e em especial pra quem teve um plus de empatia e humildade na hora dos rachas e soube "falar de boa" quando as levantadas não saiam de acordo. Afinal mais de 16 anos sem entrar em quadra a gente fica enferrujado. E o tempo não perdoa ninguém... O respeito é para com todxs mas, alguns nomes, com certeza, levo com grande carinho e admiração, não pelo nível de vôlei desenvolvido em quadra, mas pela sua "essência" enquanto ser humano, a empatia, o respeito, a paciência, a alegria e a boa energia.

Cheguei aqui através de um amigo da faculdade, o Victor Carvalho e, já que ninguém me tirou, eu fui ficando e contrariando alguns olhares de desaprovação. Com 4.6 no currículo, e contrariando também as restrições do ortopedista que, devido a uma tendinite crônica inicialmente no ombro direito (agora no esquerdo também), havia o risco da lesão se agravar e aí somente cirurgia pra "tentar" resolver, é hora de dar um tempo e tentar amenizar essas "ites" da vida e do tempo. 

Os ombros estão como uma engrenagem de moinho de café que, quando vc gira a manivela, sente o atrito dos grãos sendo moídos. No caso, sinto o atrito das articulações estalando e isso dói muito. Mesmo seguindo a risca todas as outras orientações médicas (musculação, fisioterapia, pilates, antiinflamatórios diversos, gelo,...), o fato de ter insistido no vôlei trouxe uma piora na inflamação. 

Joguei assiduamente até os 28/30 anos mas, devido a diversas mudanças de trabalho, de cidade e na vida, o vôlei acabou ficando de lado. Entrar em quadra novamente (desde setembro/2022), depois de tanto tempo, me fez sentir como uma criança entrando num parque de diversão. Foi ótimo, maravilhoso, uma verdadeira terapia num momento "foda da vida". Claro, tudo isso em especial pelas pessoas que fazem parte do ambiente dos rachas. 

A pandemia deixou sequelas e fez a gente se reinventar e repensar sobre tudo e todxs. Não bastasse, cada pessoa ainda teve que lidar com seus anjos e demônios particulares. Comigo não foi diferente. Mas não cabe falar aqui. Problemas todos temos e quando não damos conta de resolver sozinhos, é necessário correr atrás de ajuda, colocar a cabeça no lugar e se conscientizar de que não temos a resposta nem a solução pra tudo. Família, amigos são muito importantes. Espiritualidade, fé, ciência (medicina) e o esporte, principalmente, estão aí pra nos socorrer. 

Paciência e aceitação, essas são as palavras da minha autorreflexão. Sendo seres limitados e com prazo de validade, uma hora a conta chega para todxs. Nos últimos rachas senti uma piora significativa. Em alguns movimentos a dor é tanta, que chego a perder a força seja pra dar um simples toque na bola. Sacar já me exigia muito e atacar é impossível! Isso gera uma sensação de incapacidade absurda, pois vc sabe o que fazer e como fazer, vc quer fazer, mas está limitado... É foda! 

Vale lembrar também, que muita gente busca diversas alternativas para equilibrar a vida entre os dias de luta e os dias de glória. O vôlei, como todo esporte, é uma das melhores que já conheci e participei. Importante ressaltar que, muito além do jogo em si e da disputa, existem outras prioridades que, as vezes, passam despercebidas: empatia, acolhida, respeito e inclusão sempre. Isso é o esporte. Esse é um dos legados do vôlei. Nem tudo está no fato de ganhar ou perder. Acredito que o tempo pode trazer um pouco mais de leveza para cada um e cada uma em particular.

Bom, desculpem-me pelo textão e desculpas tbm se, por brincadeira ou no calor do momento, disse algo que soou de forma negativa. Tenho 2 filhos, Felipe e Joaquim, e por eles eu me empenho em ser uma pessoa melhor a cada dia, agindo com empatia e respeito com cada pessoa que cruza meu caminho seja no trabalho, na faculdade, na rua ou em quadra. A gente se vê por aí nas esquinas da vida, nos bares, nas lutas ou nas quadras. 

* Não dá pra perder uma boa briga por uma boa causa! Boas prosas sempre me inspiram, geram ótimas ideias, motivações várias e no mínimo me possibilita uma troca de experiência e aprendizagem. Então, me coloco a disposição sempre.

"Nesse mundo somos uns pelos outros." (Essa frase carrego comigo em todos os meus dias. Ouvi de um senhor carpinteiro, que na época era meu vizinho, quando precisei de um serviço seu depois que estourei um cano no quintal com uma enxadada. Ele não quis me cobrar e soltou essa pérola. E assim compartilho com vocês: "somos uns pelos outros.")

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sexta-feira, 24 de março de 2023

Travessia PJ



Entrei no que a gente chamava de comunidade, primeiramente no grupo de canto da Comunidade de Nossa Senhora Aparecida, também conhecida como Comunidade da Vila Cantizani, em Piraju, São Paulo. Eu tinha uns 9 anos de idade e esse grupo de canto era formado por adultos, jovens, adolescentes e crianças. Nesse período comecei a tocar violão nas missas. Os grupos de jovens ainda eram constituídos por muitas pessoas, chegando a somar mais de 100. Lembro da transição feita de grupão para grupos menores, os grupos de base. Quando acabou o Crisma, fui para o grupo de adolescentes. Os roteiros de reuniões ainda eram diversificados, em sua maioria nada dinâmicos. De forma inocentemente engessada, as reuniões eram basicamente estudos em que só o coordenador lia algo, comentava e depois abria para discussões, o que quase nem sempre havia participação. Eu tinha 14 anos. 

A partir de 1996/97, com 20 anos respectivamente, conheci de fato a Pastoral da Juventude, sua estrutura, espiritualidade e modos de ação. Sua história de lutas me encantou. Foi uma história de amor e libertação que se perpetua nos meus dias de travessia. Dentro do ambiente católico também conheci outras linhas de ação de movimentos de massa mas, foi a PJ, sua caminhada de sonho-fé-luta que constituiu toda a minha base de pessoa, cristão, ser humano, de forma especial.

Antes mesmo de conhecer a PJ eu já buscava por algo diferente do convencional, não queria mais do mesmo. E sem saber eu já ansiava por esse "novo" que tivesse uma práxis libertadora. Na época, ainda adolescente e instigado por inquietudes inexplicáveis e questionamentos que me gritavam internamente sobre a estrutura engessada de todo tipo de sistema, eu já era PJoteiro. Era uma questão de tempo para que esse encontro acontecesse. 

1998 foi o ano em que o mergulho nas águas da PJ foi realmente profundo, transformador, libertador e gratificante. O meu marco referencial foi o Curso de Inverno na cidade de Araçatuba (SP), desse mesmo ano. 1998 a 2000 foi um triênio de uma travessia ímpar. Após me afastar literalmente dos trabalhos pastorais da Comunidade devido a questões familiares, em meados de 95 até 1996, meu retorno se deu com um convite para trabalhar com grupo de adolescentes. Fiquei pensativo por alguns dias antes de dar a resposta oficial mas, em meu coração, já havia um SIM. Eu só precisava mentalizar e fortalecer como que trabalharia e me dedicaria nesse projeto com os adolescentes.

Foi uma entrega maravilhosa, com muito amor e dedicação. O resultado foi o crescimento de um grupo de adolescentes repleto de sonhos, alegria contagiante, inquietos, questionadores e com um senso-crítico para lá de aguçado. Era o grupo ABC. Em um ano, esse grupo se tornou uma espécie de referência e havia muita procura de adolescentes de outras comunidades para fazer parte do ABC. Reabrimos o grupo mas foi necessário dividir. Vieram mais de 30 novos integrantes e formamos um "grupão", o que inviabilizava os trabalhos e a dinâmica de um grupo de base. Formamos então o segundo grupo, que ficou conhecido como grupo Águia.

De coordenador de 2 grupos de adolescentes, fui convidado a coordenar a PJ da minha comunidade que contava com 3 grupos de adolescentes e 3 grupos de jovens. Era o ano de 1999. No mesmo ano, assumi provisoriamente a coordenação da PJ Paroquial de Piraju e representava a Paróquia nas Coordenação Diocesana de Ourinhos (SP). Sendo a Diocese de Ourinhos ainda nova, e Piraju nomeada como uma das cidades "região", fiz o trabalho de conectar com as outras cidades que faziam parte da região Piraju. Através de cartas, telefonemas e visitas de carro (com dinheiro do próprio bolso), conseguimos contatar os representantes de cada cidade. 

Na Coordenação Diocesana fiquei como representante da Diocese para as assembleias do Sub-regional. Infelizmente não pude dar continuidade nessa caminhada, não da forma como gostaria. Com minha mudança para a capital paulista no ano de 2000, por conta de uma oportunidade profissional, precisei interromper esse projeto.

Em São Paulo, consegui contato com o querido amigo Pe. Raymundo Aristides, e participei de alguns encontros da Escola Bíblica que ele liderava na época. Foi uma experiência maravilhosa. 

Hoje, sou pai de dois meninos, Felipe e Joaquim, que são a minha razão de viver. Moro em Uberlândia (MG) desde 2009. Já participei do grupo de canto da comunidade Imaculada Conceição e até iniciei o projeto de um grupo de jovens no formato da PJ. Fiquei como coordenador durante 6 meses e depois passei a coordenação. Formado em Administração (1998), Teologia (2018) e atualmente cursando o 5º período de Psicologia, sinto cada vez mais que a educação, o estudo em si, é um dos meios mais potentes para contribuir para si e para o mundo no sentido de construir pontes, quebrar paradigmas, e libertar para a vida plena que cada ser humano tem direito e merece. Afinal, "estamos nesse mundo uns pelos outros", esse é o verdadeiro sentido dessa nossa travessia. E a PJ, até hoje reverbera aqui dentro questionamentos que me fazem parar, refletir e agir, com senso crítico, justiça e amor. 

PJ não foi um mero caminho. Muito menos ficou perdida no passado. Ela é, continua sendo, caminho, caminhada e travessia. Eternamente travessia.

sexta-feira, 10 de março de 2023

A visita


A instituição em si, no quesito estrutura física, lembra muito os relatos de um sistema institucionalizado. Foucalt descreve isso em Vigiar e Punir. Muros e grades ao redor, portões trancados, segurança para proteger os internos e as chaves sob custódia de um responsável para abrir os portões externos. Escolas, manicômios, internatos, presídios seguem a mesma linha de infraestrutura e organização, porém cada instituição com seus objetivos e finalidades.

Quando adentrei na primeira sala juntamente com meus colegas, já me deparei com algumas pessoas em cadeiras de rodas. A sensação é de comoção, de dó, pena mesmo... Imagino sempre como é perder algo tão vital quanto a liberdade, estar impossibilitado de fazer as coisas que gosta e que tem vontade e, em contrapartida estar dependente de terceiros. É a dor alheia me absorvendo, doendo em mim, e me fazendo refletir além do que vejo. Penso quantas histórias essa pessoa já viveu, o que a levou até este lugar, e o que ainda espera diante do que lhe resta. Esperança, talvez?! Ou apenas, aguarda por sua hora última, em silêncio, solidão, dores, saudades e, talvez, um tanto de consciência sobre esse tempo?

Algumas pessoas tem capacidade de locomoção, mas a maioria requer ajuda. Já na segunda sala, com cadeiras, sofás e cadeiras de roda, estava a maioria das pessoas. Em cada passo meu sinto um descompasso interior. É a minha minha fragilidade se acentuando e minha mente questionando o que posso fazer, o que posso deixar ali... quero muito e não posso nada, essa é a sensação. Um mix de impotência e inquietude que aguçam o querer ir além... Não sei o que eu pude deixar lá além de uns minutos dedicados com olhos, ouvidos, conversas e risos, mas sei muito bem o que eu trouxe aqui dentro. Sei e sinto, que num lugar assim, se não houver incômodo no que se vê, e gana por lutar por quem precisa, então, de nada valeu...

No portão de entrada havia uma senhora de semblante triste e que não media palavras para demonstrar sua contrariedade por estar ali. O que parecia, quando a escutei conversando com uma colega, era que sentia-se só, abandonada. Qualquer pessoa que chegasse até ela e puxasse algum assunto, a reclamação era a mesma. 

Impossível não se comover, impossível não se abalar, impossível calar-me... A experiência não foi nem nunca será um mero cumprimento de dever acadêmico, tampouco uma caridade regada à hipocrisia para satisfazer o ego da vaidade religiosa. Ouvir histórias e entrar na brincadeira, doar-se com o que temos de melhor para o momento, olhos e ouvidos... isso é essencial. Eles sabem, sentem, compreendem quando a atenção é fria ou encenada. 

Cada um com sua particularidade, vi ali uma colcha de retalhos de histórias recontadas. Não pude ouvir todas, mas a partilha com meus amigos e amigas deu-me uma dimensão maior desse dia, com essas pessoas. Há muito o que se fazer por este mundo, e em cada canto, que eu consiga levar além do que aprendi nas experiências acadêmicas, que eu possa ter a sabedoria necessária diante das adversidades, o profissionalismo humano e a empatia, amor e respeito para com cada um que cruzar por essa travessia através da Psicologia. 

Ailton Domingues de Oliveira
Adm ∞ 
Teo ΑΩ 
Psic Ψ (acadêmico)
Escritor & Poeta