terça-feira, 30 de setembro de 2014

Perseguidor do Desconhecido



Pelos lugares onde passo, observo e sinto uma familiaridade no ar, tal qual aquela saudosa sensação da infância. Dia de domingo, as pessoas perambulam sem pressa pelas ruas e calçadas do bairro. Um sol timidamente quente arde a pele de quem o encara. Em contraposto o ar frio das sombras chega cortante numa brisa que teima sem se tornar vento forte.

Carros com seus sons altíssimos e suas rodas rebaixadas fazem um passeio lento e incomodante. Cruzam lombadas numa lentidão que tira a paciência até mesmo das tartarugas. As motos, com seus escapamentos potentes ou sem eles arrebentam o pouco do silêncio que ainda resta.

Há terremos, baldios, verdadeiros depósitos de lixo. A educação e a falta de senso e responsabilidade social e higiênica impera. Há quem se salve neste processo mundano sei lei.

Não há uma única moda nas ruas, estas que se tornam passarelas a céu aberto. Os desfilares são bonitos, em sua maioria, esquisitos. A moda predominante é a liberdade de se sentir à vontade num lugar que seja "seu". O bairro tem essa magia, esse poder de dar a sensação de liberdade, coisa que nos grandes centros não acontece. A liberdade é tanta que as mínimas regras de boa convivência, por vezes, ficam esquecidas.

Os meninos e meninas do tráfico são figuras fáceis nas noites solitárias. Seus pontos já são bem conhecidos por todos os habitantes do local. Ninguém mexe com ninguém. O pessoal levado da breca vive um sub-mundo à parte do mundo em questão. Nem mesmo a política nem a polícia põem fim ao esquema. O esquema é literalmente forte.

Pelas manhãs, traficantes que também são usuários ziguezagueiam feito zumbis. Há os super-sinceros que pedem dinheiro e já o dizem a finalidade: "sim, é pra comprar um baseado."

A praça, com grama e árvores, (faltam flores!), poucos bancos,  vez ou outra tem suas sarjetas repintadas de branco para, no mínimo, dar um ar de bem cuidada. Os caras-de-pau que pediram votos nos templos sumiram!

Ela (a praça), é também lugar não só de famílias mas o ponto de encontro, da compra e venda de drogas. Brinquedos não resistem, não existem. Não existe quem volte os olhos para os bairros, principalmente os mais afastados.

Um jogo de futebol amador acontece no campo. Várias pessoas assistem. O tiozinho do espetinho serve um assadinho com cerveja aos torcedores. Lembrança das vezes que ia ao estádio com meu avô Joaquim...

Diferentemente dos shoppings, aqui a moda é outra. Não há a necessidade de se usar muita máscara, roupagens modernamente medievais, muito menos em se falar corretamente. Aqui, a vida simples, simplesmente acontece.



A tua inebeleza


A tua beleza está no fato de que não há em ti beleza alguma estereotipada pelos padrões alheiamente impostos. Não há beleza no andar, não há beleza no olhar, não há charme, não há... Não há nada que te coloque em evidência perante as outras. E é justamente pela ausência do normal, do formal, do cotidiano e do legal que te destacas dentre os demais. A inexpressão é a tua beleza; o descompromisso do que jaz padronizado nas outras é o teu charme; o desprendimento das etiquetas e do comportamento adestrado considerado normal... Teu sorriso é natural, tão natural que tão belo se torna quando se alarga em tua expressão desigual... És única, não comentada, não requisitada, não desejada... Raras belezas são assim encontradas nesta imensidão...

O tempo passa e nem tudo fica



Dias atrás, na data do meu último aniversário, eu e meu primo Kleber nos deparamos numa conversa que sempre se repete nessas ocasiões. "O tempo passa..."

Percebemos e frisamos: o tempo passa e a gente cada vez mais acelerado. O tempo passa e a gente reclama de não ter tempo pra mais nada. O tempo passa e nos distanciamos de pessoas queridas, não por querer, ao contrário, simplesmente porque não temos mais tempo. É fácil entender que as estradas que seguimos nos levam a lugares cada vez mais distantes de nossas origens: relacionamentos, casamentos, filhos, trabalhos, etc, nos colocam em caminhos diferentes. Ainda assim, sentimos que poderíamos fazer algo a mais, desacelerando um pouco que seja de nossas árduas jornadas.

Pior mesmo é quando nossos encontros ocorrem forçadamente diante de algum fato onde a morte, que chega sem avisar, tira do nosso meio pessoas que tanto amamos. Eis que a consciência nos cobra sem piedade. E assim choramos, lamentamos e intimamente nos condenamos pelo excesso da correria e da falta de tempo.

O tempo passa (...) e a gente mais uma vez se acostuma com a correria e se vira com a falta dele. E novamente num aniversário próximo estaremos nos cumprimentando e mais uma vez nos cobrando pela nossa incansável correria que tanto tempo nos consome.

Do mais, seguiremos caminhando, ora correndo, ora andando, apreciando o que a vida nos proporcionar...

E que nossos encontros, independente do tempo, seja regado de saudade, de amizade, de alegrias e nostalgias, sempre em família.








segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Doce criança


Doce criança correndo na praça, na calçada
É roubada de sua vida
Emudecida e ferida
Sob ordens sobrevive sufocada

Corre criança de volta ao interior
O portão não se abre por fora
Tens a chave nas mãos e na dor
Cabelos ao vento, o tempo é agora

Canta criança, sem medo e grita
O mundo te espera, o céu te escuta
Desconstrói este muro, está aqui fora a vida
É calor, é amor, é o sonho, é a luta

Criança feliz, ninguém te possui nem te destrói
Ninguém te governa, ninguém te amedronta
A chuva te lava, o amor reconstrói
Teu suor e teu sangue com fé te levantam

Eterna criança, beleza eterna
De olhos tão vivos, tão sincera e serena
Vai ao campo da vida, segue livre o caminho
No interior do teu ser não caminhas sozinha

Há um lugar...  mas que tu saias de ti
Há um vazio mas há vida na travessia
Do outro lado da cerca uma alma em alegria
É o sol, é o amor esperando por ti

"O ser, como ser, sem poder ser como realmente é ou sonha ser. A criança presa ou represada em cada adulto ainda grita, chora e lamenta em seu interior. Interior que carrega a chave e o segredo desse sentimento que também é dor. A liberdade está como o sol a iluminar, basta abrir a porta e as janelas... basta querer."

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

13870 dias ao tempo


As datas cravam na linha do tempo eventos únicos que os olhares puderam registrar. Cada fato, cada ato, independente ou correlacionado assim fica marcado na história que se entrelaça entre as pessoas e seus mundos.

Um certo dia, numa certa manhã, foi assim que o mundo me sorriu em boas vindas. Nada de extraordinário acontecera nas vésperas. Tranquilidade no ar, normalidade na rotina e em sua quebra nos dias que estariam por vir.

Reconheci meus heróis, meus pilares, meus amores, minhas flores... Encantamento que se desabrochava em cada manhã e me colocava a sonhar pelas noites estreladas que acometiam o pensamento do futuro incerto. Heróis que também foram vilões em muitas cenas dessa história. Pilares que sucumbiram de forma a me apresentar o medo. Amores que as tempestades distanciaram, lavaram ou levaram, e por vezes reapareceram em outras águas. Flores perfumadas, maravilhosas, mas que defenderam-se com seus espinhos, e colheram o sangue de meus toques.

Eis o mundo! Tal como ele é: quente e frio, doce e amargo, manso e feroz, presente e ausente... De transeuntes descalibrados e sem ideal, que vivem apenas a diagnosticar e reinventar fórmulas para continuar no topo da cadeia alimentar ou no mínimo em sua escalada... E onde o alimento para tal demência é o sangue escorrido e sofrido no suor de quem não tem voz... nem vez... Foi o que vi, ora apenas assisti, noutras eu interferi, tudo isso durante essa trajetória até aqui.

Mas, a história é maior. Os fatos são incontáveis. Os atos, infinitos. Os entroncamentos das águas e suas bifurcações costuraram terras e céus até o mar em que hoje estou. Muito sonho, muita música, muita poesia... olhos atentos no cenário aberto sob o sol que promove a luz e sob a lua que encanta e romantiza ou espanta e amedronta. 

No balançado do balanço empurrado pelo vento que lembra as mãos de quem deixou saudades e permanece vivo na memória e no coração, no saldo dessa trajetória, ainda em busca da batida perfeita, o segredo sempre estará a espera de ser desvendado. A existência que não seja vã! Entre loucos e espertos, continuo com a sinceridade dos primeiros. E continuarei sendo frente de oposição em prol da verdade libertadora, nem que seja por um exército de meia dúzia de libertados, nem que seja pela Fé no criador tão somente...

Tantas luas, tantos verões, estações por onde passei, mares que velejei, caminhos que percorri, por vezes solitário em meio à presença de todos, banido sem sair do meu corpo, esquecido pelo meu pensamento e querido por um olhar (...) em cada lugar que o tempo me levou. E no tempo de hoje, restabeleço a ordem ao caos ou o vice-versa quando oportuno e necessário for para que a poesia seja vida e sendo viva que o seja desprendida de toda arrogância e norma que os donos do topo impuserem.

Na renovação de cada dia, os votos de agradecimento ao Deus da vida, pela eternidade do tempo de cada momento escrito, desenhado, atuado e poetizado no palco ainda iluminado, se fazem presentes do nascer ao por do sol, da meia luz da sombreada lua ao seu desaparecer. Ao Deus da vida elevo meu coração e agradeço com uma canção em forma de oração, cantando no pensamento expondo em cada olhar que ainda enxergo nesta terra a caminhar... 13880 (*) dias ao tempo... Tempo bom, tempo de saudades, tempo que ainda há de vir e de ser...



(*) 13870 + 10 dias referentes aos anos bissextos durante o período.