quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Concertos de Mestres - Parte I


1994, aproximadamente. Eu tentava insistentemente atravessar uma corda de náilon de uma ponta a outra pela parte superior da rede de vôlei. O canal era estreito e a corda enroscava. Sem isso não poderíamos amarrar a rede aos mastros. Desisti. 

No quintal da casa do meu avô Joaquim, irritado por não conseguir o feito, eu já me preparava para levar corda e rede ainda separadas para o local onde jogaríamos uma partida de vôlei. Ele, meu avô, observando minha chateação aproximou-se e perguntou o que eu queria fazer. Expliquei-lhe mas sem esperar que pudesse dar-me alguma solução.

Meu avô era um homem do tipo bruto e carinhoso, estopim curto, de poucas palavras mas de um amor sem precedente pelos netos. Eu, sendo o primogênito, tive a honra e o privilégio de sentir e viver esse amor incondicional, base forte de minha criação e educação. Meu berço é este. Sou praticamente um filho de avôs e avós. Com muito orgulho por sinal.

Seu Joaquim, como era chamado pelos vizinhos e amigos, não sabia ler nem escrever. Saíra de casa aos quatorze anos de idade. Casou-se com minha avó Iolanda e teve três filhos: Carlos, o mais velho; Claudete, minha mãe; e Clóvis, o caçula. Ele tinha um caderninho onde treinava sua assinatura. Gostava de passar um tempo debruçado sobre o caderno na mesa repetindo aqueles garranchos. Lembro-me que quando aprendi a ler e escrever por vezes tentei ensinar-lhe algumas letras e palavras. Não obtive sucesso algum exceto a atenção dos seus olhos amorosos, que, mesmo ciente de que não daria conta de aprender nada, ainda assim, mantinha-se firme com total atenção e dedicação paternal de vô.

Bom, vô Joaquim, andou pelo quintal e voltou com um galho de árvore de uns trinta centímetros. Analisou-o atentamente e com uma faca afinou uma das pontas. Tratou também de tirar algumas imperfeições. Em seguida amarrou a corda na outra extremidade da madeira. Sua ideia foi simplesmente genial. Ele criou ali uma agulha improvisada, ou melhor, um guia para fazer a corda atravessar pelo canal superior da rede de vôlei. Deu certo. 

É com saudade e orgulho que me recordo de momentos assim. Eu estava lá, presenciando, vivenciando, aprendendo a consertar pequenas coisas com improviso. Ele foi um verdadeiro mestre que fazia de seus consertos um verdadeiro concerto para a vida. Sem estudo, mas repleto de uma nobre sabedoria que até hoje me norteia na caminhada, seus feitos simplesmente são uma obra de arte que perduram na eternidade da lembrança, no melhor canto do meu coração. Sou grato a você meu avô, apenas por ser e estar sempre presente em minha vida. 

Joaquim Rosa da Silva - in memorian.
* 17/05/1.933
+ 14/10/1.995