terça-feira, 12 de maio de 2020

O valor de todas as coisas

Foto: Por do sol - A.D.O. - 2015

Tenho uma certa mania de olhar para coisas descartadas à margem das ruas, nas calçadas, em qualquer lugar e logo imagino no que aquilo pode se transformar. Acostumado desde sempre a guardar objetos sem valor e até sem serventia, tenho acumulado ao longo dos anos um verdadeiro arsenal de futilidades ora deixadas pela natureza ora descartadas pelo ser humano. É certo que qualquer coisa deixada pela natureza acaba se transformando em parte da própria natureza. Em outras palavras "Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma", afirmou Lavoisier (1743-1794)

Trago comigo algumas lições que aprendi com meus avôs e faço questão de sempre lembrar aos meus filhos e amigos. Meu avô materno, Joaquim, num certo episódio quando eu tinha uns 16 anos, ao me ver com dificuldades para atravessar uma corda por dentro da fita de uma rede de vôlei, arrumou um galho de árvore, afinou a ponta e fez ali uma espécie de guia. Em menos de 5 minutos a corda estava passada de ponta a ponta. E pensar que antes dessa mãozinha genial do meu avô, eu levei mais de 40 minutos para passar apenas uns 2 metros de corda... 

Já com meu avô paterno, Benedito, por diversas vezes cheguei de surpresa em sua casa e presenciei ele consertando trincas na parede, colocando amarrações de ferro, arrumando encanamento. Verdadeiros homens não letrados mas de uma sabedoria ímpar. Ensinaram-me, muitas vezes sem dizer uma palavra, apenas com o olhar atento e repleto de afeto, saberes que nenhuma escola me proporcionou. Essa é a escola da vida, da minha vida!

Talvez, diante de tanta lição de vida que me foi deixada no silêncio do olhar e na saudade, é que faço questão de cultivar o simples, o improviso, olhando para as coisas deixadas e descartadas e vendo ali uma possibilidade de mudança, de transformação. Posso dizer que não vejo coisas, eu vejo arte!

E por isso, quando posso, dispenso a facilidade de comprar o pronto. Me nego a aceitar que só exista a opção do já pronto, até porque a maioria é descartável. As coisas não são duráveis. Entendo que a lei do mercado seja essa "vender algo que não dure". Objetos como a mesa e as cadeiras que meus avós maternos ganharam de presente de casamento e hoje estão comigo, perfeitos, intactos, não destruídos pelo tempo, dificilmente são comercializados. Quando se encontra algo assim, de qualidade duradoura, o preço é praticamente inacessível.

Novamente, prefiro a opção imaginada e criada, da construção que se torna única para cada objeto. O caixote que virou mesa, o pneu que virou assento, a casca do coqueito que se transformou em abajur, a tábua de passar que virou carrinho de rolemã, e por aí vai. Sem contar os inúmeros improvisos para consertar coisas, usando apenas objetos desse arsenal de futilidades descartáveis. 

Transformar, construir, lapidar, são ações que provocam mudanças não apenas no objeto em si, mas no cenário, no olhar de quem se presta a enxergar a arte no simples e principalmente no pensamento. Precisamos de tão pouco para essa vida mas acabamos lutando ou brigando por conquistas materiais, que por vezes servem apenas para satisfazer o nosso ego de ter. 

Encontrar valor nas pequenas coisas, transformá-las e dar vida, é mais que arte, é poesia. Sou um verdadeiro amante do simples, da vida... Sou apenas um sonhador do tempo... Nas palavras do grande cantor Vander Lee, na música "Alma Nua"

"A magia de nunca perder o brilho
Virar os dados do destino
De me contradizer, de não ter meta
Me reinventar, ser meu próprio Deus
Viver menino, morrer poeta"