sábado, 9 de abril de 2022

Antessalas

O medo cresce enquanto a hora marcada se aproxima. Imagino que essa seria a nossa sensação se soubéssemos o dia exato de nossa travessia final. O ambiente de espera aparenta não deixar o ponteiro do relógio girar. Não estou só. Ao meu lado está minha irmã. No meu coração, meus filhos, sentimentos, saudades, esperança. E, por mais que seja um simples procedimento, segundo a própria medicina, o medo de não voltar para as pessoas que amo é grande. A vida é boa, apesar dos obstáculos e contratempos. Meu nome é chamado por um senhor, o maqueiro. Sou conduzido para um quarto para me preparar. Banho, roupão de hospital e maca. Um atraso de mais de hora possibilitou-me um cochilo e isso de certa forma me tranquilizou. Minha irmã sempre junto. Novamente sou chamado. Dessa vez era chegada a minha vez. Deitado na maca sou conduzido por corredores até chegar numa antessala. Nesse momento me despeço da minha irmã. Um aperto por estar só. O pensamento sempre conectado pelo amor e pela saudade. O maqueiro abre uma fresta de uma porta de vidro à minha frente e fecha outra porta atrás de mim. Acima dessa porta tem um crucifixo. Sinal de fé, esperança, proteção, algo que não se explica, apenas se sente. Imagino quantas pessoas passaram por essa porta. Quantas puderam retornar para suas vidas. Quantas partiram (...). Ambiente frio e silencioso. Fixo meus olhos no crucifixo. O momento me permite uma reconexão: amor e saudade, vontade de viver, de lutar, reencontrar. Peço, diante desse silêncio, para que tudo ocorra bem. Penso fortemente em meus filhos, no amor (...). Enfermeiras passam por mim. Cruzam de uma porta à outra e me cumprimentam. Todas atenciosas. O local necessita disso, de atenção, de cuidado, de empatia, de força, necessita mais do que excelentes profissionais, mas de pessoas extremamente humanas. Enfim chega a pessoa que vai me conduzir até o centro cirúrgico. A enfermeira pega uma prancheta que está aos meus pés na maca, pergunta meu nome e verifica meus dados. Tudo certo. Ela abre a porta de vidro e enfim sou conduzido para o meu destino, o centro cirúrgico. Luzes fortes, extrema claridade, muitos aparelhos e acessórios, cinco enfermeiras, anestesista, cirurgião e assistente. Cenário perfeito de um filme. A anestesista fala comigo. Novamente verifica meus dados. Ela recebe um aviso de que em breve a minha cirurgia começará. Então, me prepara para a anestesia, a geral. Muita movimentação. O cirurgião brinca para relaxar. Tudo se volta e se resume nesse tempo: fragmentos intensos da vida e da memória. A saudade aperta. O medo de uma partida iminente incomoda. Medo de partir sem despedir (...). Um esforço interno para encontrar um pouco de tranquilidade por fora. Penso em meus avós (...). Não me sinto só. O clima está muito frio e eu recebo um cobertor. "Braços ao longo", foi essa a expressão usada pela enfermeira, conforme o pedido do médico. A anestesista termina o preparo de uma dose que será injetada em minha veia. Uma enfermeira coloca agulha na veia da mão. O líquido injetado dói. A anestesista coloca uma máscara em meu rosto e pede pra eu respirar profundamente. O cheiro é forte, remete a um éter. Começo a ficar sonolento. Reclamo da dor em minha mão. Minha voz fica fraca, minhas pernas adormecem. Um adormecimento estranho vai tomando conta do meu corpo. Sou orientado a focar na respiração e a fechar os olhos. Meu esforço ainda consciente para manter-me acordado é em vão. Não resisto... Não consigo... Não dá... Tudo escurece enquanto perco meus sentidos. Segundo o tempo do relógio, foram quase três horas apagado, sem noção da realidade, da vida, nada. Um sono profundo e silencioso. Acordo com uma voz me chamando. Estou de volta. A vida continua e a luta também.