sexta-feira, 8 de maio de 2015

Cartas do Calabouço - Parte VIII - final



Não quero falar do tempo
Nem do tal amor...
Já não o sei que bicho é este
O que será?
De onde vem?
Como que se pega?
Dói e remedia, sim
Mas, já não sei como é que é
Se é ou não é
Se um dia eu amei
Se ao menos amar eu sei...
Na verdade não quero falar de nada mais
Trago aqui o meu despir
Despindo minhas máscaras
E despedindo por esta carta
Tenho um desejo, sei
De carregar o desejo livre
E isso é despojar-se do mundo inteiro
Tudo ao redor
Nada ao dispor
No voo da liberdade
A solidão é companheira no céu
Aquele culpado e inocente
Assentado como réu
Refém de seus algozes
Paixões do repente ferozes
Assim cá estou
Desmedido de meu eu
Corpo e alma se golpeiam
Razão e fé se contradizem
Minha vida nesta cela
De ossos, carne e sangue
Anseia um respiro mais puro
Sentir o enigma da montanha
Além dos sonhos e da esperança
Alimentar esta criança
Com a bruteza da doce natureza
Cá estamos num diálogo eternal
Sem fim mas que agora encerro
E um dia, quem sabe retomaremos
Sei que estás em mim
E eu em ti
Somos tal corpo e tal alma
Somos tal emoção e tal razão
Somos eu e meu eu
Imagem da imagem
Côncavo e convexo
Que em determinados pontos se contrapõe
Que em momentos vários se esquivam
Que em estações afora embarcam separadamente
Que por inúmeras vezes exigem a separação total
Mas não acontece
Porque somos corpo e alma
Minha cela está aberta
A tranca era de dentro
Valeu-nos as experiências trocadas
De maneira como se separados fôssemos
Hoje o silêncio foi possuidor de tudo
Esse mérito é nosso
Despeço-me daqui
Mas não me entristeço
Porque sei que este silêncio inquietante
É o sinal de que ainda fazemos valer a pena
Entre consciência, alma e corpo...
Pássaro só é livre quando voa
Bons céus para nós!