domingo, 17 de julho de 2011

O cego que vê e o cego que enxerga.

“Cheguei para a celebração como nos domingos anteriores. Fui até o Santíssimo e em pensamento agradeci ao Criador por minha vida e a dos meus familiares. Aprendi que, sempre que visitar uma casa, devo primeiramente levar meus cumprimentos ao dono, ao anfitrião, e assim o fiz.
Como não era dia do nosso grupo de canto atuar na liturgia, arrumei um lugar mais à frente e por lá me acomodei. Antes do início uma moça trouxe sua mãe e a acomodou ao meu lado. Vez ou outra a senhora tateava com suas mãos para os lados ou para frente como que identificando o lugar, e mantinha o rosto sempre votado para o altar.
Uma senhora simpática e carismática que desde o início da celebração mantinha as duas mãos juntas, tal como uma criança que as une para fazer sua oração. Uma cena típica de pintura e quadro.
Nos momentos de ficar em pé, percebia que ela procurava acompanhar mas com uma certa dificuldade, até que pediu-me para avisa-la sobre cada momento. Assim o fiz. Durante o tempo que passamos um ao lado do outro, cochichava no seu ouvido o que haveríamos de fazer.
Lá pela metade, após vários cochichos, perguntei seu nome. Dona Neusa, uma graça de pessoa, deu-me respostas além da pergunta. Sou a primeira moradora deste bairro, fiquei cega por conta da diabete.
Tornamo-nos íntimos por toda a celebração. Naquela altura, eu mais me preocupava com ela que aos momentos ritualísticos. Então, perguntei se ela gostaria de receber a comunhão e sua resposta foi sim. Pedi a um dos ministros que trouxesse à ela.
A forma que dona Neusa participava era mais que uma devoção, era o reflexo da fé e da sabedoria refletidos na humildade.
Eu, ali, vendo todo tipo de movimento e cores e buscando sintonizar-me em Deus, quando na verdade Ele se refletia na fé de dona Neusa. Demorei mas acordei. E como me senti cego!
Dona Neusa, em sua humildade, com fé e devoção, mostrou toda a sua sabedoria enxergando algo que meus olhos não viam, a essência. Eu, com os olhos abertos só via a imagem, e neste momento tornei-me o cego da alma.
Minha emoção duplicou quando no momento da comunhão ela recebia o Corpo de Cristo... algo que minhas palavras não conseguiriam descrever...
Meu dia valeu a pena. Aprendi o quanto sou cego. Aprendi com dona Neusa, fisicamente cega, que não precisa de olhos para enxergar a essência e praticar o amor.”

Ailton Domingues de Oliveira

17/07/11