quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Aos 7 anos - medos



Estava na primeira série, antigo primeiro grau. Tinha 7 anos na época. Minha professora se chama Leni. Exigente. Eu a considerava brava. A gente tinha medo dos professores mas havia muito respeito. Caso houvesse reclamação por mau comportamento, com certeza o castigo da minha mãe seria escrever os números de 1 a 1000, perdendo assim o tempo de brincar. Que trauma!

Pior do que isso era pensar que meu pai poderia ficar bravo e me dar umas palmadas. Até essa idade eu só havia apanhado uma única vez por conta da birra no dia da quadrilha do pré. Eu queria cachorro quente antes de dançar. Ele só me daria após terminar a quadrilha. Devia ser para evitar que eu me sujasse todo. Enfim... odeio cachorro quente!


Engraçado como carregamos alguns medos durante toda a nossa vida. Um desses medos era o de ficar só. Desde pequeno ele me acompanhara. Quando tocava o sinal do Moreira Porto, que na verdade era um sino, eu já começava a me apavorar ao imaginar que ninguém da minha família estaria ali me esperando. Eram minutos que pareciam uma eternidade.

Alguns pais adentravam no pátio da escola. Outros aguardavam no portão. Fato era que eu tinha medo de ficar preso na escola. Imaginava a noite como devia ser assombroso ficar ali naquele complexo sem meus amiguinhos, sem professores, só e abandonado... 

Passavam mil coisas pela minha cabeça, nesse espaço de tempo que meus olhos percorriam cada centímetro daquele lugar, desde que pisava além da porta da sala de aula. Ficar trancado ali sem ninguém era um medo meu e não adiantava meus pais me garantirem na presença do diretor e de outros funcionários da escola, que ela não fecharia porque a noite haveria a turma do ginásio, antigas 5ª à 8ª séries. Não adiantava.

Eu saia em disparada e quanto mais eu corria em direção à saída maior a ansiedade e o medo. Era uma verdadeira manada de crianças fazendo esse mesmo trajeto. Claro que nem todas tinham esse medo e muito menos sabiam do meu. No portão eu via e sentia que em poucos minutos a escola se fecharia porque o movimento de crianças e pais diminuía. Era uma lógica natural na minha cabeça, por mais que insistiam em me explicar o contrário. A sensação de alívio e conforto se dava no momento que meus olhos encontravam um semblante familiar.

Um belo dia fazendo o mesmo trajeto, com os mesmos anseios e medo, da sala até o portão, após os badalos do sino nas mãos do Sr. Luís Teixeira ou da dona Iara, eis que a chuva caia. Da sala para o pátio do recreio. Do pátio até a porta da biblioteca, local onde se via claramente o portão de saída e aguardando, com as mãos no bolso da minha jaqueta de nailon de touca e com a mochila nas costas, o primeiro rosto familiar aparecer.

Acontecia naquele momento a realização do meu medo. As últimas crianças saindo e ninguém pra me apanhar. A chuva estava forte e a todo momento eu corria até o portão e voltava para a frente da biblioteca. De repente, só a responsável pela arrumação das salas andando de um lado para o outro. Eu tinha certeza de que ela me trancaria ali dentro e eu não voltaria mais pra casa naquele dia.


Fui até o portão e ali fiquei debaixo de chuva. Nesse momento, água da chuva lavava meu rosto de choro repleto de lágrimas. Uma angústia inexplicável. Vivia ali um pesadelo. Sentia-me abandonado. E agora, será que não verei minha família nunca mais? Fui caminhando até as árvores do outro lado da calçada. Descumpria ali a regra que meus pais me deram, de não sair da escola até a chegada deles. Eles também descumpriram a promessa que me fizeram, a de estar ali me esperando quando o sino badalasse. 

Já todo ensopado com aquela chuva, eu debruçava sobre meu braço e chorava encostado na árvore. Alguém que fora buscar seu filho na escola, que não faço ideia de quem seja, parou perto de mim e com pena se colocou pronto a me ajudar chegar até em casa. Naquele tempo eu nem sabia voltar pra casa sozinho.

No carro de um estranho, aguardava-o voltar com seu filho para que me levasse embora. Batendo o queixo, tremendo e já sem lágrimas imaginava como seria reencontrar minha família. Ele retorna e com um homem alto que me parecia familiar. Era meu pai... Nesse momento eu já não sabia qual medo era maior, o de ficar só e esquecido ali na escola ou da expressão de braveza que ele me dirigia. Não importava mais. Eu estava a salvo.

Entramos no carro e lá estava meu tio, seu irmão. Eu já estava todo sorridente, apesar de ter me acabado em lágrimas e chuva e quase ter ido embora com um estranho que naquele momento era um anjo. Meu pai, lembro-me bem, questionou-me tentando conter sua ira, o porquê de não tê-lo esperado la dentro. Apenas respondi que tinha medo de ficar trancado lá...


Esse fato, já passado a exatos 30 anos, reaparece na caixa da memória de forma clara e nítida. Medos que adquirimos ao longo da vida, desde o útero materno e durante toda a nossa travessia. Alguns, conseguimos despachar pelo caminho, enterrando ou afogando. Outros persistem, os controlamos ou deixamos que nos controlem. Não importa, medo é medo. Cada um tem o(s) seu(s). 

O que vale nessa reflexão é a devida atenção que dispensamos a quem está sob nosso cuidado. Não posso condenar meus pais por não terem compreendido melhor a dimensão desse medo de ficar trancado na escola. Hoje, isso é fato cômico a ser lembrado ao redor da mesa quando nos encontramos. Esse medo já não me perturba mais. Ficou pelo caminho, enterrado não sei onde. Tenho outros, com certeza, mas que não permito que dominem minha razão nem a emoção. Respeito meu ser, meu espaço, meu tempo e não forço o impossível para além dos meus limites. A superação de cada um se faz no momento certo, com entendimento e compreensão, paciência e persistência.