segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

Crises: de fé ou de instituição? - Parte II


Segundo o Dicionário Eletrônico Houaiss (*) a palavra
crise vem do latim crĭsis, is que remete ao "momento de decisão, de mudança súbita". No grego krísis,eōs significa "ação ou faculdade de distinguir, decisão", por extensão, "momento decisivo, difícil", derivação do verbo grego krínō, "separar, decidir, julgar"; a palavra ganha curso em economia a partir do séc. XIX que remete à "fase de transição entre um surto de prosperidade e outro de depressão, ou vice-versa".(*)


A crise de fé pode encontrar diversas palavras para representar o momento específico bem como os meios que a ocasionaram. A zona de impacto, ou seja, o que ocorre fora do âmbito religioso é o que mais gera questionamentos no indivíduo. Ao começar a se deparar com situações que transgridem o "mar de rosas" exposto nos púlpitos sagrados, os questionamentos são inevitáveis. Após os questionamentos vêm as dúvidas e com elas o véu que ora impedia a visão começa a cair. O afastamento também pode ser entendido como uma libertação de um sistema que mantém seus fiéis como reféns da instituição religiosa, muitas vezes usando o medo do inferno como método de alienação e aprisionamento.

 

"Quem come do fruto do conhecimento é sempre expulso de algum paraíso" (Melanie Klein), ou muitas vezes é tido como alguém não temente a Deus, pecador, impuro, indigno, marginal, que pelo fato de escolher não conviver e obedecer as regras institucionais, é tido como inimigo da igreja e do Deus punidor, que, certamente lhe permitirá algo de ruim como forma de castigo devido às suas escolhas e pensamentos. E quem destila esse tipo de punição são aqueles que se sentem os donos da verdade, das regras, dos templos e ousam falar em nome de Deus. Há quem acredite, tenha medo, e até se submeta, mas de certa forma também existe uma certa evolução no sentido de libertação das amarras do poder que aliena. E quem se liberta não gera lucro institucional. O mito da caverna de Platão também pode ser usado para contribuir ao pensamento.


A crise de fé não poderia ser porque a pessoa já alcançou o suficiente para não se apegar em mais nada? Neste caso o desapego é que lhe causa a crise? Tais como:
- crise de identidade espiritual, religiosa e de fé;
- perde-se o sentido de pertença.

Duas possibilidades de crises de fé - zona de conforto X zona de impacto:
- de baixo: mantendo-se na estrutura religiosa, sentindo a necessidade de permanecer nessa estrutura e então encontrar obstáculos na caminhada que facultem essa crise. Considero esse espaço como a "zona de conforto" em que a pessoa não consegue se identificar fora da estrutura e do sistema em que está inserida. Fora dele sua crise seria maior, do tipo síndrome de abstinência. 
- de cima: alcançando um topo que, já não suporta nem sustenta uma continuidade na estrutura, pois ela já se torna indiferente, existe a necessidade de se libertar. Seria essa a "zona de impacto", ou o momento em que a pessoa consegue alcançar o seu fruto do conhecimento, que lhe produz libertação, novos olhares e entendimentos.


Por fim, "Emoção X Transformação": existe um modismo explorado em diversas instituições religiosas existentes, que cultua midiaticamente encenações milagreiras que mexem com o emocional das pessoas. Ao se tratar de emoção os riscos acompanham todo o processo muito mais de forma negativa. Manter o ser humano preso emocionalmente é crime. Há igrejas que operam verdadeiras lavagens cerebrais onde as pessoas são levadas à doar o que não têm para as pseudo obras de seus dirigentes e pastores. Estes enriquecem e esbanjam suas vaidades e aquisições. A conversão pela emoção, de forma apelativamente psicológica, não é duradoura. Existem recaídas que podem levar o indivíduo abaixo do buraco em que se encontrava antes de sua inserção religiosa. Considero que a conversão é algo a ser trabalhada na realidade, sem apelos fantasiosos, pela práxis, fortalecendo a fé em seu verdadeiro tripé de estudo, oração e ação. 

Um breve histórico da palavra "crise": A palavra crise é, em história da medicina, «segundo antigas concepções, o 7.º, 14.º, 21.º ou 28.º dia que, na evolução de uma doença, constituía o momento decisivo, para a cura ou para a morte»; em medicina, trata-se de «o momento que define a evolução de uma doença para a cura ou para a morte» ou de «dor paroxística, com distúrbio funcional em um órgão». Em economia, é «fase de transição entre um surto de prosperidade e outro de depressão, ou vice-versa».

[Fonte: Dicionário Eletrônico Houaiss]

(*) https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/consultorio/perguntas/a-etimologia-da-palavra-crise/28974