terça-feira, 9 de novembro de 2021

Análise do filme "Vida Maria" de Márcio Ramos

 


Trabalho apresentado à disciplina de Psicologia Social para obtenção de notas parciais. 1º e 2º Períodos de Psicologia.

Professor: Daniel Vieira da Silva Brant

COGNIÇÃO E PERCEPÇÃO SOCIAL

O curta metragem “Vida Maria” transborda um misto de dura realidade, esperança, desgosto e sonho. No olhar puro da criança Maria o reflexo da esperança e o sonho ao escrever seu nome é nítido. A própria música tem um papel importante ao dar um tom diversificado entre o sonho e a realidade, a alegria e a tristeza.

A voz da mãe e sua atitude trazendo a criança de volta à realidade age não apenas como impedimento do sonho, mas uma espécie de desconstrução que se dá ainda na base, no alicerce, na infância. Um ciclo de vidas que basicamente tem a função de passar o bastão de geração em geração.

Quando Maria se torna moça e carrega um balde de água, para sob uma sombra de árvore e balança a cabeça em forma de negação, talvez aí, um desgosto pela rotina cíclica que não lhe permite mais sonhar com outras possibilidades. Um questionamento incutido no gesto e no olhar: “o que estou fazendo da minha vida”? Ela respira fundo e prossegue.

Antônio lhe arranca um ar diferente e um sorriso, o único momento que seu semblante se alegra, mas sua fisionomia vai mudando com o passar do tempo. Olhando para o céu infinito ela se vê cansada e desgastada. O olhar triste perdido no e pelo tempo, numa aparência sisuda com um certo ar de desgosto pela vida sofrida. Uma vida marcada desde o nascimento.

As mulheres estão fadadas a serem um tipo de engrenagem fixa nessa realidade apresentada pelo filme, enquanto que aos homens é permitido outras possibilidades. Eles vão e vêm, as “Marias” permanecem. “Maria”, em qualquer fase, revive o que suas antecessoras fizeram e viveram. O caderno é a prova de que todas sonharam, um verdadeiro ícone que atesta a ordem naturalmente cíclica da história narrada.

Sendo a Cognição Social um processo cognitivo, por meio do qual somos influenciados por tendenciosidades, esquemas sociais, heurísticas, podemos perceber que a criança Maria ao ser adentrada no ambiente que a rodeia, no caso o familiar, sofre estímulos que em nada lhe possibilita pensar diferente do que suas antecessoras fizeram e viveram.

Por mais que Maria, já moça, tenha noção do ambiente que a rodeia, do que pode e do que deve fazer dali por diante, por mais também que ela já consiga ter um autoconceito, infelizmente todo o meio não lhe permite quebrar o ciclo rotineiro e ela se torna esposa, dona de casa e mãe, não apenas vivendo o que sua mãe viveu, mas também apresentando e repetindo os mesmos comportamentos.

O filme em si é um recorte puro e profundo que ainda é realidade em muitos cantos do nosso país e do mundo. O processo de construção das “Marias” praticamente não existe. Nascem para serem mães e donas de casa, mantendo uma rotina marcada, de geração em geração.

A sociedade, neste recorte não lhe dá outras opções. O comportamento vai mudando desde o olhar da criança que sonha, cresce, se torna moça, se questiona, mas depois não vê alternativas e logo está cumprindo o papel que já fora de sua mãe. Não há uma empatia nas Marias enquanto mães. Não conseguiram quebrar esse ciclo e mudar, nem mesmo com pequenas atitudes de carinho. As relações são apenas de ordem e respeito.

Talvez, uma possível correlação com o poema “E agora, José?”, de Carlos Drummond de Andrade, nos faça refletir o filme numa óptica mais acentuada de questionamento e motivação: “E agora, Maria? E agora, Marias? E agora...?”


CONSIDERAÇÕES FINAIS

O curta metragem “Vida Maria” nos possibilita a imersão numa realidade instalada em vários cantos do nosso país e, a partir daí, podemos destacar recortes importantes e analisar sob a óptica de vários construtos da Psicologia Social, conforme descrevemos nos subtítulos anteriores.

Este caso, retratado a partir de uma família habitante no grande sertão cearense, nos traz fortes referências de um modelo estrutural e seus modos de sobrevivência mergulhados num sistema arcaico de vida, que impossibilita quebrar o ciclo repetitivo.

Apesar de alguns psicólogos, como Jean Piaget (2019), “nos mostrar as possibilidades de um futuro construtivista, onde cada cidadão tem o direito de construir um futuro de acordo com sua vontade e se tornando assim um cidadão mais ativo para viver em sociedade”, o filme traz contrapontos fortemente destacados por apelos e tentativas frustradas que impossibilitam mudanças e até mesmo sonhos, tais como: desigualdade de direitos entre gêneros; tradicionalismo; modelo hierárquico patriarcal; submissão da mulher.

Além dos aspectos que fazem parte internamente do modelo familiar analisado no filme, destacamos também os fatores externos que contribuem para a continuidade dessa cultura enraizada e que dependem não apenas da vontade e necessidade de mudança de uma família e seus membros, mas de políticas públicas voltadas para questão em si. Dentre alguns fatores externos destacamos: traços da cultura e dos costumes de famílias pobres do nordeste brasileiro; descaso com a educação escolar; herança cultural; limitações econômicas e sociais; realidade de luta pela sobrevivência.

Dentre “direitos, sonhos e ativismo” já destacado em Piaget (2019), trazemos também Paulo Freire (1987) que em termos de lutas destaca a liberdade. Para tal liberdade, compreendemos que Freire aborda e instiga ao ativismo bem como à própria luta por direitos e a necessidade de sonhar, tendo a luta em comunhão como o melhor caminho para as mudanças necessárias:

A liberdade, que é uma conquista, e não uma doação, exige permanente busca. Busca permanente que só existe no ato responsável de quem faz. Ninguém tem liberdade para ser livre: pelo contrário, luta por ela porque precisamente não a tem. Ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho, as pessoas se libertam em comunhão. (FREIRE, 1987, p.39).

No presente artigo, desenvolveu-se a análise em diversos enfoques e construtos, conforme tudo o que foi estudado durante as aulas da disciplina de Psicologia Social, Profº Daniel, e também pesquisado individualmente. Cada subtítulo em si chegou a uma conclusão prévia a partir do construto ora abordado. Consideramos impossível esgotar o assunto diante do vasto campo que a Psicologia Social nos possibilita analisar. Portanto, não pretendemos esgotar o assunto mas buscamos meios que possibilitassem uma releitura do filme, da realidade e de mecanismos que viabilizassem novos olhares para as devidas e urgentes mudanças que se fazem necessárias em cada meio, em cada ambiente familiar, em cada sertão.


REFERÊNCIAS

ANDRADE, Carlos Drummond. E AGORA, JOSE. Youtube, 06 de dezembro de 2015. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=gqMqK6Supww> Acesso em: 25 out. 2021.

BOCK, Ana Mercês. FURTADO, Odair. TEIXEIRA, Maria de L. Trassi. Psicologias. 15ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2018.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17ª Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

LANE, Silvia T. Maurer. Psicologia Social (O homem em movimento). São Paulo: Brasiliense, 1989.

______. O que é Psicologia Social. São Paulo: Brasiliense, 2009. 

PIAGET, Jean. O nascimento da inteligência na criança. 4ª Ed. São Paulo: Editora LTC, 2019.

RAMOS, Marcio. VIDA MARIA. Youtube. 2006. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=yFpoG_htum4&list=PLHlK9xRm3vMpvY0111es8j0xbNbW--GDS&index=8&t=341s> Acesso em: 10 out. 2021.