quarta-feira, 27 de setembro de 2023

Marx, Freire e o Marco Temporal

Protesto contra marco temporal em Brasília 
Foto: Brenno Carvalho/Agência O Globo

O que me motivou a escrever esse artigo, ou manifesto, ou simplesmente um desabafo, foram alguns comentários que ouvi acerca do "Marco Temporal". Antes gostaria de falar o que seria esse marco e porque ele está em evidência no cenário social, político e obviamente no religioso.

"Marco temporal é uma tese jurídica segundo a qual os povos indígenas têm direito de ocupar apenas as terras que ocupavam ou já disputavam em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição" (Fonte: Agência Câmara de Notícias). Aqui no site da Agência Câmara de Notícias podemos saber melhor sobre essa questão: https://www.camara.leg.br/noticias/966618-o-que-e-marco-temporal-e-quais-os-argumentos-favoraveis-e-contrarios/

Bom, a ideia sobre a questão do "Marco Temporal" é usar como linha de corte o dia, mês e ano em que a Constituição Federal Brasileira foi promulgada, 05/10/1988. E isso implica que as terras consideradas indígenas, só serão de fato dos povos originários, as que constam até essa data da CF. Após essa data, todas as questões de terra seriam revistas e, inclusive, haveria de mexer no que já estaria acentuadamente acordado e resolvido. 

Agora, imaginem que algumas questões de terra já tenham sido resolvidas no ano subsequente à promulgação da CF, no caso em 1989. Povos originários assentados em suas terras e, de repente, com a aprovação do Marco Temporal, eles poderiam (e com certeza seriam) retirados de seu habitat novamente. Uma guerra iminente seria provável. Há quem seja favorável ao marco mas há muito mais que lutam contra. Há quem se beneficie com a aprovação desse marco, e com certeza "peixe grande" mas, há quem seja contrário por simples razões. Não tem como se beneficiar com nada sendo contrário ao Marco Temporal. E, a partir disso, claro que estou do lado contrário ao tal "marco". 

Aprovar isso seria jogar o destino e a vida dos povos indígenas ao léu. Já existe uma invasão sem limites acontecendo, totalmente descontrolada, que ganhou força no governo anterior (que não faço questão de mensurar o nome, uma vez que só intensificou o ódio, criou o caos e gerou mortes a partir do ódio e do caos...) e isso, independe de fiscalização e policiamento. Invadir terras indígenas, a maioria regada de riquezas naturais, é algo não apenas fácil mas lucrativo. E quem sempre ganha são os que continuam ganhando, os que estão lá no cume do topo da pirâmide: latifundiários por exemplo. 

"A história da humanidade é a história da luta de classes." Sim, Karl Marx tinha razão, porque a força propulsora da história se baseia na história da luta de classes. Quantos e quantas que, emergiram da pobreza, tiveram suas dificuldades durante a jornada em ascensão e ao atingir um novo patamar social, tornaram-se algozes de quem ficou num patamar inferior? Não são poucos, aliás, são incontáveis os casos em que o "sonho do oprimido de se tornar opressor", e nisso Paulo Freire também tinha total razão, se justifica na história passada, recente e presente. 

Durante o curso de Teologia, fiz um trabalho sobre a situação dos Guaranis-Kaiowás que, expulsos de suas terras por fazendeiros, eram obrigados e sobreviver acampados às margens de rodovias. Muitos jovens dessas tribos, diante da dureza da vida longe de seu habitat, do sofrimento e da falta de recursos, sem voz e sem vez, e frente à tristeza de ver os seus perecendo cruelmente, acabavam tirando sua própria vida como forma de aplacar a dor; um verdadeiro protesto, à base do seu sangue e da sua vida, para que as autoridades tomassem as devidas providências.

Caberá à Justiça resolver a questão e os casos diferenciados. Concordo que pessoas que tem o seu pedaço de terra para subsistência e, que em sua maioria adquiriram as posses de forma não regulamentada, muitas vezes compradas de usurpadores, deverão ter um olhar atento para sua situação. Bem como, os que adquiriram suas terras para projetos de lazer em áreas de preservação ambiental e território indígena, que cientes das circunstâncias e riscos iminentes, devido à irregularidade da aquisição, poderão perder o investimento. Há aqui um grande contraponto entres os dois exemplos que mencionei. Os que foram enganados e lesados mas que dependem da terra e os que não foram enganados, assumiram o risco e investiram seu dinheiro mas, porém, podem ser desapropriados e assim, lesados. E quanto a esses que entraram conscientes, não há inocentes. 

E, nesse momento, a luta é contra o "Marco Temporal". Seria desumano e injusto mexer numa demarcação que já está corrigida e resolvida. Voltar ao ano de 1988 para refazer as demarcações seria uma violência contra os povos originários. Se, em nome da ganância e do poder, os defensores do moralismo seletivo justificarem seus atos de ódio contra as minorias, conforme aconteceu nos últimos 4 anos, para continuarem invadindo, matando e expulsando os verdadeiros donos das terras, invocamos aqui a questão religiosa como uma força de origem centrada capaz de manipular ou libertar o indivíduo. Nem social, nem política e nem religiosamente, não há viés plausível para a aprovação do marco temporal. O que justifica essa ganância de poder pode ser visto sob a história da luta de classes e sobre as lutas entre oprimido e opressor.