terça-feira, 1 de abril de 2025

Resenha Crítica: "1883"



1883, série da Netflix, retrata a saga de uma família em busca de um pedaço de terra para construir sua morada. Nessa travessia ela se junta a imigrantes liderados por dois oficiais que irão guiá-los nessa jornada. 

O cenário, repleto de lindas paisagens, montanhas verdejantes, planícies abertas e rios de água cristalina, se dá no tempo do velho oeste norte americano, tempo esse em que as divergências se resolviam na bala e na flecha. 

Batalhas realistas que trazem à tona tanto a justiça quanto a crueldade humana marcam momentos de tensão nesse drama. 

Amores improváveis entre pessoas de raças diferentes consolidam a audácia e a coragem do amor resultando num clima romântico.

Além dos diálogos intensos sobre a esperança e a dor, o futuro e a incerteza, a coragem e o medo, a vida, a morte e o luto, a narrativa da jovem personagem que desbrava não apenas as terras ao lado de seu pai e sua família, mas toda a liberdade a que tem direito, contribui para uma reflexão ainda mais profunda.

Ainda sobre a vida, os capítulos finais retratam o morrer e o luto antecipatório de forma marcante e intensa, o que nos leva a uma viagem interior em busca de sentidos próprios para a verdadeira essência de nossa existência.

Sábias filosofias épicas, que discorre em pensamentos e diálogos, mergulham no mais íntimo do ser humano. Brutos se amansam, medrosos se levantam, ambos regados da coragem em transpor suas próprias muralhas. 

Um grande e verdadeiro espetáculo em forma de drama que traz a pureza, a sabedoria, a dificuldade e a honra no velho oeste americano. 

quarta-feira, 12 de março de 2025

Resenha Crítica: Os enviados



O enredo, de forma geral, traz uma mistura de tramas que perpassam a fé, a ciência e uma discussão que ora converge, ora diverge entre ambas. Nas busca pela verdade entre o que se supõe ser milagre, fantasia, fraude ou realidade, dois padres com especialidades são enviados pelo Vaticano para investigar os casos e suas repercussões numa cidade mexicana. "O que a ciência não pode provar é milagre", e foi essa a frase que enfatizou grande parte das discussões entre os enviados. 

Não bastasse, a série também traz à tona a influência do poder nas estruturas religiosas do catolicismo, desde os altos escalões às bases mais remotas das periferias e cidades pequenas e esquecidas, social e politicamente. Demonstra-se aí que para que a "verdade do poder" seja mantida, qualquer coisa é feita e a qualquer preço. 

Nesse sistema estruturalmente político de religião e poder, a corrupção se escancara de forma ardilosa. Até que se esclareçam os fatos, a verdade é imposta a qualquer custo. Valem-se das regras a bem de sua reputação institucional, mesmo que pessoas precisem ser silenciadas. E o poder, se infiltra de forma meticulosa influenciando psicologicamente em todo canto da cidade. 

A linha tênue entre o que pode ser algo espiritual e o que pode ser uma doença da alma é a espinha dorsal da história. Os padres, um advogado e outro médico, confrontam o tempo todo o que é real e o que é fictício. Doenças psicológicas e possessões são temas que aguçam e nos prende a atenção do começo ao fim. A medicina e a religião, que traz o exorcismo como ponto forte, são extremos que aos poucos se aproximam e se afastam de uma resposta mais assertiva. Vale a pena!

domingo, 2 de março de 2025

Eu preciso ir a tantos lugares



Eu preciso ir a tantos lugares
De outonos intensos 
A verões selvagens
Caçar tantos cheiros
encontrar tantas saudades

Eu preciso ir a tantos lugares
De invernos aconchegantes
A primaveras esquecidas
Deslizar por nuvens de insensatez
E percorrer vielas de ilusões

Eu preciso ir a tantos lugares
Passados de dores
Futuros de flores
Pintar novas telas
Acender algumas velas

Eu preciso ir a tantos lugares
Ao céu da imaginação
À cadeia da solidão
Ao inferno das guerras
Ao calabouço das feras

Eu preciso ir a tantos lugares
Lutar minhas batalhas
Amolar minhas navalhas
Encarcerar meus demônios
Voar com meus anjos

Eu preciso ir a tantos lugares
Mas não me resta tanto tempo assim
Eu preciso navegar meus mares
Mas não me resta tanto rio assim
Eu preciso viver meus olhares
Mas não me resta tanto sonho assim

quarta-feira, 22 de janeiro de 2025

O caos na calmaria do sistema



Doce caos nesse mundo sem calmaria
O que me falta?
Não mais que alegria
Não menos que ousadia
O que eu tento é todo dia
Uma nova alquimia
Nessa sobrevivência
Sem latência
Muita querência
Mas eu, Ah!
Eu sobrevivo!

Preza, presa, preso
Nessa cela
Com esse selo
Ileso
Cela de carne, de ossos, de sangue
Selo da marcação
Da contramão
Na irritação
"Dos patrão"
Mas eu, Ah!
Eu sobrevivo!

Estranho mundo estranho
Já dizia o grande 
Freriano, Freire, Freirão
O sonho do oprimido
Hum
É se tornar opressão
Feito um patrão
Mas eu, Ah!
Eu sobrevivo!

Estranho mundo estranho
Mundo estranho mundo
Tão sujo, 
Tão profundo,
Tão imundo...
E quem se tornou patrão
Subiu na chefia, 
Na diretoria
Hum
Por cima
Pra cima
Sem rima
E opressão

Até mesmo a tal qualidade
Hum
Extorquida
De qualquer jeito
De qualquer vida
Para estar
No patamar
Do vislumbre
De seu altar

Fazem até uma pesquisa de satisfação
Mas não é pra melhorar essa qualidade
Jamais!
É só pra causar perseguição 
De quem está descontente 
Com esse sistema
Podre, imundo, e pago
De opressão
E mesmo pagando
Você não tem mais o direito de exigir
Clareza
Competência,
Qualidade
Ouse, tente, abuse!
Pra você ver aonde seu nome estará jogado
Haja medina!
E não lhes faltam de propina
Porque o sistema é uma jogatina
Interesseiros
Pelo dinheiro!
Mas eu, ah!
Margeado pelos pensamentos inquietantes
Eu mais que sobrevivo
Eu sonho, eu acredito, eu luto.
Luto enquanto vivo
Para que a vida não se torne luto.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

Fronteiras, rios e meu amor



Quando perdi o que nunca tive igual
Encontrei minha alma em versos
E descobri nesse meu íntimo universo
A infinitude do amor incondicional

A força da alma que me atrai 
Se desvencilha do olhar que distrai
O ardiloso arrebentar do rio margeado
Leva e lava meus medos e segredos libertados

Do não-lugar ao que posso estar
Um caos perdura entre lembranças e luar
É o sonho, o desejo, rios e memória
Saudade não vivida, correnteza sem trajetória

Dores do viver, fronteiras do próprio tempo
Cortes do sentimento, limiar do florescer
Vistas do crescer, escritas ao vento
Ao meu amor serei atento, enquanto eu viver

domingo, 12 de janeiro de 2025

Nas gavetas da memória


Numa roda conversa, que mistura boa prosa, belos versos, altos papos e causos antigos, com alguns entendidos no assunto como Rubem Alves, Carlos Drummond de Andrade, Eduardo Galeano e José Lins do Rego, através de suas obras "Sobre o tempo e a eternidade"(1995/1997), "Cadeira de balanço" (1966/2009), "O livro dos abraços" (1991/2022) e "Menino de Engenho" (1957/2001), respectivamente, algo mexeu profundamente em minhas gavetas de memórias e trouxe à luz algumas histórias que ouvi de minha avó paterna Maria Aparecida de Oliveira, a Vó Cida. 

Não dá pra descrever a sensação ao remexer essas gavetas e sentir aflorar tantas memórias. O cenário em que eram contadas, o clima, o suspense, o mistério, o pedido de silêncio e de atenção, a seriedade da dona Cida e o desfecho final que tinha uma mensagem direta e objetiva, uma verdadeira lição de respeito, educação e obediência que me causava um medo sem precedentes. Recordando esses momentos, percebo que na simplicidade de suas falas, típicas de uma pessoa da roça que não sabia ler nem escrever, e da devoção eloquente que fazia de seus causos um verdadeiro retrato, a ponto de me fazer acreditar que ela mesma havia sido testemunha ocular de cada história. Na narrativa de cada causo acontecia um ritual sagrado que acompanhavam as histórias e cabia somente a nós, eu, minha irmã e meus primos ainda crianças, validar com o nossos olhares de pura devoção e medo.

Para adentrar sua casa haviam duas formas, pelo bar que meu pai Derci e meu avô Benedito tocavam, e pela garagem, que acabava sendo uma espécie de antessala com cadeiras para quem ali chegasse prosear. Ali, nessa garagem, fechada com portões de ferro, Vó Cida passava horas espreitando pelos vãos das grades o movimento das pessoas e dos carros pela Avenida Humberto Martignoni. 

E foi justamente nos bancos dessa garagem que me tornei testemunha assídua de cadeira cativa das histórias jamais contadas em qualquer banco de escola. Por mais que fossem sempre as mesmas, não me cansava de ouvi-las. 

Havia um homem muito ruim que vivia a praticar o mal a toda e qualquer pessoa que cruzasse seu caminho. Nem mesmo seu próprio pai, enfermo e acamado, ficou impune de suas maldades. No leito de sua morte, o velho pai lhe pediu água, que num ímpeto de pura crueldade urinou numa garrafa e deu ao pobre homem. Não tardou, seu pai faleceu. O castigo para tanto mal feito não tardaria. Esse homem começava a se transformar fisicamente. Pelos por todo o corpo cresciam e um rabo comprido nascia. O mal homem exilou-se para o desconhecido de um cemitério e nunca mais foi visto. Tornou-se uma lenda.

Como lenda, essa história era contada e repassada com muito mistério e dúvida. Os anos se passaram e eis que um rapaz dizia a todos que não acreditava e chegava a zombar de quem tinha medo. Muitas vezes se dizia corajoso o suficiente para ir até esse cemitério à noite, com um rabo de tatu em mãos, procurando por esse homem-bicho de pelos e rabo e, quando o encontrasse, lhe daria uma surra bem dada. 

Disse tanto que chegou a apostar com seus conhecidos que iria até esse cemitério para provar que não existia nada, mas se existisse daria um jeito. Certa noite se aprontou e foi. Lanterna numa mão e rabo de tatu na outra. Aproximou-se do cemitério e nada viu. Perambulou e nada. Confiante de que nada havia e que tudo aquilo não passava de uma lenda, virou em retirada. Foi nesse momento que deparou-se com um bicho peludo, alto e de rabo comprido. "Não era tu que me daria uma surra com rabo de tatu? Pois bem, isso é pra você aprender a não duvidar de cruza-ruim." O bicho tomou-lhe o rabo de tatu e deu uma surra no rapaz, que voltou para sua casa desorientado e enlouquecido.

Finalizado o causo, vinha a grande lição, que devemos sempre ter o respeito pelos mais velhos, pelos pais e rezar pedindo a Deus para que nada de ruim nos aconteça. Dona Cida gostava de santinhos. Tinha sobre a penteadeira o seu próprio altar com imagens compradas e ganhadas de parentes e conhecidos. Ali, fazia suas rezas diárias com o terço na mão. Uma fé enraizada na simplicidade, que lhe fora transmitida por sua mãe e adquirida ao longo de sua vida. 

Histórias assim me fazem crer nessa profecia poética de que a vida é sempre um caminhar de volta pra casa, um reencontro com a memória, com a saudade e consigo mesmo. Talvez, eu já tenha ultrapassado a fronteira que ainda permitia manter-me isento de tais pensamentos. Talvez, esteja eu consciente desse tempo, desse retorno eterno que é essa travessia. Hoje entendo minha avó, que no recontar de tantos causos, trilhava um caminho de retorno deixando por ali, simplicidade, carinho, dedicação, amor em prosa e sabor. O tempo que passa nos conecta com as memórias, e nos permite recostar a cabeça no travesseiro, com a leveza de uma criança que descansa seu corpo no colo de seus avós. O tempo e a eternidade, um caminho eterno.


Viajante solitário



Viajante solitário
de seus mundos mais profundos
que no deserto imaginário
Sobrevive eternizado 
no calor do momento
No valor de cada tempo
Alquimista da arte
Protagonista da vida, 
Sua alma grita 
Pelo sonho, pelo gosto
A gana de viver
de sentir o prazer
Não quer mais ser 
a sua própria cela
Quer o doce olhar pela janela
novos horizontes
Céu azul e bonito
de perto, tão mais belo e infinito
Ossos e carnes se contraem
E desacompanham seu pensar, seu querer
Mas o destino, seu algoz
Te faz refém da própria sorte
Entre um risco e o rabisco
Prefere entregar-se ao perigo
Na intensidade que lhe ainda resta
A enterrar-se em vida
Na sentença imposta de sua própria morte

sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

Rios e ventos


E agora, o agora...
Quanto tempo tenho
Quão frágil esse corpo é
Quão intensa pode ser essa vida
Insana, profana, escassa, devassa,
Minguada, sofrida, ou tão bela e vivida
Imagino um momento de inexistência nesse mundo 
Um caminhar para a insignificância dos atos
Que se pairam frente a uma imensidão de céus e mares
Para esse agora, quem sabe uma dose de sumiço
Alquimia sobre o tempo, um poema ou um feitiço
Tenho um tempo que não é meu
Não sou dono, não sou seu
Ao tempo que me resta, que me presta
Que me rouba, que me empresta
E que me faz sentir um forasteiro
Prisioneiro 
Numa terra sem lei, que não é a minha
Num lugar incerto e não sabido
Fora de casa, no céu e sem asa
Pertencente a lugar algum
Verdadeiro estranho entre alheias aparências
Sem cores, sem flores, sem alma, nem essência
O que de fato vale a pena
Deve caber no calor de um abraço
Na saudade que invade
A cela que rouba a cena
De tudo, meus feitos 
Se perduram num tempo e espaço
De sonho e manso regaço
Que acompanha o leito
Rios e ventos destinados a se tocar
Sem se misturar
Levando brisas, tempestades
Até o encontro com a eternidade 

quinta-feira, 2 de janeiro de 2025

Estações e Tempos



Derrama sobre o tempo a esperança e a espera
Entre o ideal e o real, o bem e o mal
O sonho e a luta de tantas estações e primaveras
Querência de um tempo vivido
Que se repita no pulsar da alma
Como no crepitar da chama
O que de fato foi bem visto, bem quisto
Finda-se em algum momento a passagem
Que se eterniza apenas na memória
De quem continua a viagem
Na pressa, sem demora, sem hora
De todos os tempos 
O que mais pesa é não saber onde termina
A história da vida de quem nos ilumina
E num piscar se esvai feito vento