quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

O ministério carismático, o pastor, a quenga, o travesti e o pai-de-santo.


O relógio da catedral badalava as vinte e uma horas. A praça de frente a igreja estava deserta. Alguns moradores de rua ziguezagueavam pelos canteiros. Seus cachorros corriam e pulavam no lago para se refrescar do calor. As lojas ao redor, todas fechadas antes das dezenove horas para se evitar qualquer tipo assalto, deixavam aquele lugar mais deserto do que realmente era.

Faltavam alguns minutos para as vinte e duas horas quando um grupo de aproximadamente oito rapazes de moto pararam no estacionamento da praça e começaram a correr atrás dos moradores com pedaços de madeira e corrente. Na correria, dois que eram mais de idade caíram e não conseguiram escapar do linchamento. Um verdadeiro massacre. Covardia sem precedentes por motivo nenhum. 

Realizada a sessão de tortura saíram às gargalhadas em suas motos. Outros três mendigos retornaram e encontram seus colegas desmaiados e repletos de sangue. Ligaram para a polícia que nem sequer apareceu no local. 

Aflitos, foram até a catedral, aonde, no salão de reuniões, estava um grupo de pessoas que fazia parte de um ministério de música e oração. Os moradores da praça chamaram mas nenhuma das pessoas se ateve a atendê-los. Estavam ocupados demais com seus preparativos que seria impossível parar para ver o que estava acontecendo. E se tratando de desocupados que vivem de cachaça não haveria de dar tanta importância.

Enquanto isso, do outro lado da praça, um pastor despedia-se de alguns fieis na porta de seu templo. O culto de cura e libertação havia terminado. Iniciaria a sessão de descarrego em prol da prosperidade financeira. Outros dois moradores de rua foram até lá e pediram socorro mas o pastor com veemência repreendeu-os dizendo que ali era um lugar sagrado e de respeito e por eles estarem cheirando a cachaça Deus haveria de castigá-los.

Voltaram para junto dos dois feridos e com  garrafas pet's transportavam água para limpar os ferimentos. Neste momento, uma garota de programa que passava pela praça para chegar ao seu ponto notou algo estranho entre os moradores de rua e se aproximou. Ciente da gravidade do problema foi até uma farmácia 24 horas e comprou diversos remédios para fazer curativos. 

Passava de carro por ali um travesti, amigo da garota de programa, que fez questão de parar e dar um apoio. Ainda sem recobrar a consciência, os feridos eram cuidados sobre a grama da praça. 

Já se passava da meia-noite quando três pessoas de branco cruzavam aquele que havia sido palco da brutal covardia. Era um pai-de-santo com mais dois amigos. Diante de toda aquela cena de guerra também foram solidários. Concluíram então, o travesti, a quenga e o pai-de-santo, que o melhor a se fazer era levar os feridos para uma UAI. E assim o fizeram. Acompanharam todo o procedimento e depois de liberados, por volta das 4 horas da manhã, foram todos para a casa do pai-de-santo.

Nessa noite, a rotina dessas pessoas foi quebrada. Dois deixaram de trabalhar e o terceiro deixou de passear com seus amigos. Porém, todos foram solidários e praticaram a verdadeira caridade com amor ao próximo. 

Talvez, essa história não esteja nos moldes bíblicos mas se lerem e relerem a passagem do "bom samaritano" compreenderão que foi apenas reescrita em nossa contemporaneidade. Tirem suas conclusões. 



Ailton Domingues de Oliveira
Adm ∞ 
Teo ΑΩ 
Psic Ψ (acadêmico)
Escritor & Poeta
*Pós Graduando: Psicanálise, Coaching, Docência do Ensino Superior