quarta-feira, 25 de março de 2015

Cartas para o calabouço - parte I


Aprisionado estás amigo infiel
Num cárcere erguido, destruído e reconstruído
A visão que te turva a alma é cega
Não enxergas mais além daquilo que se vê
O ópio em teu corpo surra-lhe a essência alheia
A matéria que te cerca, te impede o caminhar
Os ossos de teu corpo em teu corpo ossificado estás
É rígido e deturpado o seu querer
O resto que lhe sobra enxerga nos pequenos detalhes

Entregue estás amigo infiel
À jornada eterna do porvir
À busca desenfreada da felicidade
Ao encontro do colo de Teu Pai Criador
Quem sabe Ele te alivie a dor
Quem sabe Ele te permita o amor
Quem sabe você não se extingua
E no raiar reencontre a brisa santa
O sussurro inspirador
Da alma o libertador

Condenado estás amigo infiel
No canto empedernido deste calabouço
Sem janelas nem portas
Onde o pulsar mais forte
Não se escuta do lado de fora
A tranca é de dentro
O mundo é de fora
O corpo é a grade
O coração é a cela
A alma sua prisioneira

Levante-te de si amigo infiel
Rasgue-se as vestes
Existe aresta pois a brisa se faz chegar
Encontre e alargue a passagem
Esvazie-se
Permita-se
Alongue-se
A prisão é interna
A entrega é opção
A condenação é sua
O sentido que procuras
Nem no dia nem no escuro do silêncio hás de encontrar

Ai de ti amigo, ai de mim, ai de nós
Levanta, anda e corre
Vês, o rio ainda não morre
Segue o leito e se mistura ao mar
Sem se importar se sua água vai mudar
É o ciclo, é a vida, a morte é certa
O calabouço que te enclausuras
Não tem paredes nem fechaduras
A árvore que sombreia a terra
Foi semente e impotente,
Dor sofreu e sobreviveu
Perdeu a casca, se entregou
Para um bem maior se renasceu
Onde estás meu caro infiel?

Ah, meu bom caro infiel...
Não te cales
Na opressão de teus longos medos
Não teimes em se fazer refém de seus segredos
Nada há de maior que o peso que teimas carregar
Nada há de mais insensato que o querer se entregar
Se amar é sofrer
Que tu sofras amando
Se sofrer faz doer
Que a dor seja por amor
Por mais que a vida seja cíclica
Jamais passará pela mesma medida
A espiral que se gira
Nos permite um olhar sobre a história
E um outro para o horizonte

O calabouço te sucumbe bom amigo meu
Que de si, tornastes infiel
As algemas não existem
A luz que não enxergas
Se escondem ao fechar dos olhos seus
A guerra que travaste
E tão épica a tornaste
Petrifica sua alma
Congela o teu sangue
E aprisiona a tua vida
És de si, o único libertador
Com sua fé no seu Senhor
Hás de vencer o medo
A morte, a história, e sua dor
Destranca-te e vem para a vida...