sexta-feira, 2 de setembro de 2016

Manhã de um dia qualquer


7:00 horas. Manhã de um dia qualquer que se encaminha na costumeira rotina. Crianças e adolescentes marcham entre a calçada e o sono rumo à escola. Alguns pais acompanham seus filhos. As padarias de portas escancaradas recebem seus fiéis do sagrado pão. As igrejas ainda repousam no silêncio. Ao longe os caminhões rasgam a rodovia fazendo serenata contra o vento. 

Os aviõezinhos do tráfico encenam o protocolo de recolhimento. A noitada no relento é solitária. A movimentação não é intensa por parte da clientela que oriunda de diversos cantos da cidade. Estão sempre no mesmo lugar a partir de determinada hora entre o fim da tarde e a chegada da noite. Suas aparências são de zumbi. Magros, descuidados, com olheiras profundas e sem nenhuma higiene. Figuras conhecidas no bairro. 

Pouco ou quase nada se vê de ações concretas por parte do Estado para acabar com as drogas no bairro. As patrulhas de polícia também conhecem os distintos jovens que fazem parte do esquema de tráfico de drogas. São peixes pequenos, a ponta que tem o papel de vender e entregar o produto para os clientes. A maioria dos que estão nesse meio são usuários viciados. 

Difícil mesmo é colocar as mãos no grandão que comanda o esquema pesado. O cara tem poder. Poder e dinheiro. Carrões, lanchas, imóveis e botecos de fachada. Todo mundo sabe. A polícia também. Nada acontece com o cara. Mas para que o braço armado do Estado que dá as caras no bairro haveria de se preocupar com um sujeito que nem aparece na cadeia alimentar do esquema? Esse sujeito é liso. E a polícia faz de conta que não o conhece...

Enquanto isso um adolescente de cabelo alisado, com um violão pendurado nas costas, aguarda do lado de fora da sua casa a chegada do corpo de bombeiros para então seguir rumo à escola. Sua mãe sofre depressão, tem síndrome do pânico e precisa ser amparada pelo socorro neste dia. Porém, quem chega no local é uma viatura da PM. 

A abordagem do soldado é espetacular. Com ar de ironia pergunta se o garoto é gay. O rapaz lhe responde a altura dizendo que não mas se fosse não seria de sua conta. Enquanto isso a mãe do garoto aparece no portão chorando. Não lhe bastassem os problemas que carrega ainda tinha que ouvir o policial fazendo um desserviço e descumprindo o papel que lhe é devido. 

Pré-julgado por manter um cabelo alisado, que deve fugir aos padrões que estão incutidos na cabeça do policial, o garoto se revolta mas não perde o foco de seus objetivos. Palavras sua. 

Os valores se inverteram e o problema real é deixado de lado através do olhar da hipocrisia social. Respeito? Só com o traficante!