quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Tempos de busão: Piraju X Ourinhos (SP)

Momentos atrás recordava-me um período de trabalho e faculdade quando ainda morava em Piraju, interior de São Paulo. Trabalhava durante o dia e viajava em média 130 quilômetros, entre ida e volta, de segunda à sexta até a cidade de Ourinhos onde cursava Administração de Empresas. Foram sacrificantes cinco anos, de 94 a 98, mas que valeram muito a pena. Dificuldades das mais variadas possíveis, muitas histórias e amizades que se eternizaram.

Por conta da minha cidade natal não ter Faculdades ela disponibilizava ônibus que transportavam os alunos às escolas técnicas e faculdades situadas nas cidades vizinhas: Avaré (SP), Ipaussu (SP), Ourinhos (SP), Marília (SP) e Jacarezinho (PR). Óbvio que não era de graça. Havia um custo repassado aos usuários do transporte. E mais óbvio ainda imaginar que a maioria dos que necessitavam do ônibus eram jovens que se autossustentavam.

Vale lembrar, com muito orgulho e respeito, que estudei em escola pública nos antigos primeiro e segundo grau, Moreira Porto e Nhonhô Braga, respectivamente. Excelentes professores e claro, não dava para ter a simpatia por todos mas, sem exceção, foram excelentes no cumprimento de seu dever. Uns mais profissionais, outros mais amorosos e aqueles que possuíam os dois adjetivos.

Penúltimo ano de faculdade ou o último talvez. Não lembro ao certo e também não tem muita importância. Estávamos num período de eleições municipais e devido à dificuldade em saber se haveria ou não apoio da prefeitura para contratar uma empresa de ônibus para transportar os alunos às cidades vizinhas nos anos seguintes, mesmo tendo 100% do custo repassado a nós usuários, resolvemos criar uma comissão e questionar os candidatos.

A preparação foi ótima. Na verdade arquitetamos um debate na Casa da Cultura. Posso dizer que a preparação foi melhor que o resultado. Sempre assim, a escalada da montanha traz mais experiência entre cansaço e prazer do que a chegada ao topo propriamente dita. Nós, que tomamos a frente do evento, crescemos enquanto pessoas e literalmente exercemos o papel de jovens cidadãos. Lutamos pelo nosso interesse e pelo de todos os estudantes que utilizavam o serviço de transporte, mesmo não tendo o comparecimento de 10% deles. 

Mas, ainda não era essa a lembrança maior. Não me contendo, pra variar, assumi a responsabilidade num determinado ano, talvez o de 97 ou 98. Enquanto "coordenador do busão" todo final de mês eu fazia um relatório dos dias úteis que utilizaríamos o transporte no mês seguinte e as devidas contas para se chegar ao valor que cada usuário deveria desembolsar. Apresentava o resultado ao então responsável da época, o Sr. Pedro Rocha. Pelo que me recordo, nunca tivemos divergência no quesito valores e o mesmo resultado era apresentado à toda galera do busão.

Era de costume, pelo menos ouvi isso de algumas pessoas, que o coordenador do ônibus não pagava a sua mensalidade. Como ele já assumia toda a responsabilidade em estar à frente das situações, inclusive participar de reuniões com o responsável da prefeitura e intermediar o diálogo entre usuários e a máquina administrativa, seu benefício era estar isento do pagamento. Como o ônibus tinha um preço fixo mensal, acredito que o valor acabava sendo rateado pelo restante dos colegas. 

Sendo assim, quando resolvi assumir a bronca, tivemos uma proposta diferente. Não havia um pagamento mensal fixo. Pagávamos pelos dias úteis utilizados e o valor era razoavelmente variado, mês a mês. Por isso era necessário fazer as contas antecipadamente. Tínhamos um valor de viagem diária. Desse valor multiplicávamos pelos dias que utilizaríamos e desse montante dividíamos pelo número de usuários. Um outro porém: haviam alunos de várias escolas e com calendários letivos variados, o que acarretava uma certa dificuldade na elaboração do custo mensal. No final, foi bom para todos. 

De tudo isso posso dizer hoje, com muito orgulho, que eu paguei todas as mensalidades no período em que estive à frente do busão. As planilhas eram apresentadas a todos. Estava à mostra para quem quisesse conferir. Claro que haviam possibilidades infinitas de burlar as regras, dar um jeitinho, pagar de malandro e deixar de cumprir com a minha parte, afinal eu estava assumindo uma função que me demandava tempo e dor de cabeça. Mas, honrei com meus amigos, colegas de transporte e principalmente com minha consciência. 

Hoje posso contar ao meu filho e dizer o quanto foi bom optar por fazer diferente. Consciência tranquila e a certeza de que fiz a coisa certa em prol da maioria, mesmo sendo essa maioria pessoas que não eram do meu convívio diário. 

Aos meus amigos do busão e do provão:
Cristiane, Carla, Flamínio, Flávio, Cristiano, Soraia, Valdir. 

* Foto: 1º Grito dos Excluídos realizado pela Pastoral da Juventude - Piraju-SP - 07/09/1999.