terça-feira, 4 de outubro de 2016

O capeta anda mal falado no bairro

Meu bairro é o bicho pegando. Tem de tudo e para todos os gostos. Gente boa, bonita, rezadeira, trabalhadeira e que pega no batente antes mesmo da lua se esconder. Mas tem também a galera da muvuca, das noitadas, das quebradas, da vadiagem, da fuleiragem, os que gostam da marvada pinga, os fãs do cigarrinho do barato doido e os que incorporam o demonho. E o episódio de hoje é sobre um desses possuídos.

As igrejas neo-pentecostais, aquelas da teologia da prosperidade, bem como algumas alas católicas, têm investido alto na implantação da cultura do medo. Capetizando a torto e a direito, vão massificando os fieis sob a tutela de suas exageradas leis e consequentemente propagando a condenação ao inferno quando os mesmos não caem em suas pregações alienantes. A expansão dos templos, com denominações criativamente diversas, é simplesmente fenomenal e a busca por um lugar que contemple os anseios pessoais de cada fiel se caracteriza na constante migração de uma igreja para outra. Na verdade é um cliente que de fiel não tem nada.

A partir desse ponto e com tanta informação sobre o capiroto (demonização, capetização, possuimento), os fieis são portadores de um conhecimento típico dos pregadores despreparados que usurpam a boa fé das pessoas de bem. 

Chegando no bairro, novamente me deparo com umas trinta pessoas na esquina ao redor de um rapaz que, no exato momento, estava seguro por um outro homem. Perguntei para um telespectador o que havia acontecido: "Tá possuído! Tá com o demônio no corpo! Mas aqui não tem ninguém com o Espírito Santo, capaz de fazer ele ficar bom!"

O conhecimento popular não me permitiu hesitar nem por um minuto e já perguntei na lata: "Ele usa drogas?" E foi quando a senhora respondeu: "Tinha parado..." Bom, não sub-julgando e nem condenando (...), mas outro dia uma mulher estava endemoniada na avenida principal aqui do bairro. Enquanto o pastor tentava curá-la eu liguei pros Bombeiros. Ela tomou uma injeção ungida de glicose que a fez reencontrar sua paz. Cessaram os gritos, os coices, as vozes esquisitas, os choros, os risos, os palavrões e ficou somente uma espécie de amnésia necessária, típica de quem bebeu todas e tem vergonha de se lembrar dos episódios passados.

Tomei o rumo de casa e passei devagar próximo às pessoas que assistiam o rapaz, que segundo os especialistas populares de plantão, estava possuído e não havia nenhum ungido ali capaz de fazer uma descapetização. Nesse caso, nada melhor do que uma glicose benta para tirar qualquer encosto e livrar o capeta dos falatórios exagerados. 

"Toca", terrinha boa! Sempre tem um bom causo...

Acredito que em Piraju essas coisas não aconteçam.